Texto: Camilla Almeida*
Arte: Carolina Borin**
A história é comum. Você é um pesquisador, se sentindo pressionado a aumentar a produtividade e encorpar seu currículo, e, de repente, recebe um convite de uma revista científica para publicar rapidamente um trabalho. Cuidado com o golpe! Um grupo de cientistas da área de biologia se uniu para alertar o meio acadêmico sobre as consequências de ceder a esse chamado, que costuma chegar por e-mail. Em um artigo na Neotropical Biology and Conservation, eles divulgam dicas de como escapar de convites mal-intencionados e golpes financeiros das editoras predatórias, que publicam sem revisão de pares, ou seja, outros cientistas com expertise no tema estudado. Neste texto, levantamos as orientações principais.
Artigo científico é um trabalho divulgado em uma revista especializada que descreve os resultados de uma pesquisa acadêmica. Antes da publicação, o material passa por múltiplas etapas de verificação dos resultados e da metodologia proposta. O processo, feito por outros cientistas, é chamado de revisão de pares e leva um certo tempo até que o trabalho seja analisado, aprimorado e finalmente publicado. Essa demora, alinhada à realidade do mundo acadêmico, onde publicar uma grande quantidade de artigos pode abrir portas para bolsas, financiamentos e aprovações em concursos, faz com que muitos cientistas sejam enganados e publiquem nas revistas predatórias. O que pode representar um grave risco não só para a trajetória dos acadêmicos, mas também para a comunidade científica e a sociedade como um todo.
De acordo com Cássio Cardoso Pereira, doutorando da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e um dos autores do texto, a atuação de editoras predatórias se concentra, principalmente, no envio de e-mails que prometem a publicação do artigo em um curto prazo – na maior parte das vezes pedindo o pagamento de um valor para tal. “Eles mandam esses e-mails após achar o endereço eletrônico dos autores por meio das redes sociais ou outras publicações. O convite vem acompanhado de elogios, dizendo que o corpo editorial deles já aceitou o artigo ou que não existe a necessidade de revisão”, explica ao Jornal da USP.
Em meio à pressão em se ter muitos artigos – independentemente da reputação da revista onde serão publicados -, os pesquisadores podem se ver enganados por esses falsos atrativos. Para Marco Mello, coautor do texto e professor do Instituto de Biociências (IB) da USP, as publicações predatórias são consequência desta danosa cultura estabelecida entre a comunidade científica, na qual a quantidade é mais importante do que a qualidade do material produzido.
“Desde o momento em que passaram a ser avaliadas por um conjunto de números, as pessoas começaram a sentir uma pressão muito grande para publicar cada vez mais. A ideia é que, se você não publicar no ritmo alucinante que o sistema impõe, você ‘morre’ academicamente”, explica o especialista. Chamada de publish-or-perish (em português, “publique ou pereça”), essa conjuntura é aproveitada por periódicos fraudulentos para lucrar e transformar a ciência em um produto passível de ganhos financeiros.
O termo se popularizou no final da década de 1990 em uma tentativa de dar um nome ao ritmo autoimposto pela própria comunidade acadêmica naquele momento. Com a chegada de cada vez mais pessoas à carreira científica, foi se observando uma mudança nos critérios de avaliação – visto que os antigos já não comportam a quantidade de profissionais no campo. É a partir daí que o rendimento acadêmico passou a ser avaliado não por sua qualidade, mas sim pelo número de artigos publicados.
Ao mesmo passo em que o modo de avaliação se alterou, o processo de aprovação dos artigos científicos permaneceu o mesmo: eles passam por uma série de etapas com toda a rigidez científica necessária, e que, por esse motivo, podem ser demoradas. Com isso, a publicação de artigos predatórios passou a se mostrar cada vez mais presente no meio, seja por pesquisadores enganados por organizações fraudulentas, seja por cientistas mal-intencionados, que estão cientes dos problemas gerados.
Para Pereira, o processo de revisão é essencial para que resultados equivocados não sejam divulgados, acarretando consequências para a sociedade.
“Um trabalho que não passou pelo rigor científico é danoso e pode levar a ações incorretas. Quando temos dados equivocados no artigo e ele vem a ser utilizado por tomadores de decisão, obviamente essas decisões vão ser equivocadas.”
Cássio Cardoso Pereira
Até chegar às páginas dos periódicos, as especificações a serem cumpridas são variadas e já começam antes mesmo de submeter a produção – antes de tudo é preciso adequar o trabalho às diretrizes de formatação e informar dados tanto sobre o estudo quanto sobre o próprio pesquisador. Após o envio, o artigo passa por uma minuciosa análise pela banca revisora da revista, formada por outros cientistas e especialistas, que, por sua vez, realizam comentários e verificam os resultados propostos. Eles ficam responsáveis por avaliar a excelência da pesquisa, analisando tanto a metodologia quanto as conclusões alcançadas – e é aqui que o trabalho pode ser recusado ou aceito.
Caso seja qualificado, o artigo então é verificado pelos editores, que também fazem notas e sugestões. Apenas depois de múltiplas etapas de observação e apuração é que a produção científica pode ser incluída no periódico. De acordo com Mello, a cultura publish-or-perish esvazia a importância de todo esse processo de revisão e desvia a comunidade científica de seu objetivo. “A partir do momento que a publicação científica se tornou uma indústria de ritmo acelerado, a busca por conhecimento e a vontade de traduzir o mundo para a sociedade ficam em segundo plano.”
Para escapar de publicações predatórias, os especialistas salientam que, antes de aceitar qualquer convite, é preciso verificar algumas informações sobre o periódico, como a composição da banca editorial e o fator de impacto da revista – índice utilizado para avaliar sua importância dentro de suas áreas de atuação. Calculado a partir da divisão o número de citações dividido pelo número de publicações nos últimos dois anos, essa é uma importante informação que pode identificar um periódico inexistente ou mal-intencionado.
Conversar com outros pesquisadores experientes, professores e orientadores também é um meio de se proteger desse tipo de prática. “É preciso estabelecer um canal de comunicação com os cientistas que acabaram de ingressar na graduação e nos programas de pesquisa. Se os estudantes tiverem uma noção inicial de como o sistema funciona, eles vão saber reconhecer quando um convite é legítimo e quando um convite é predatório”, diz Mello.
*Estagiária sob supervisão de Luiza Caires e Valéria Dias
**Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado