Descoordenação política dificulta enfrentamento da pandemia no Brasil

Falta de padrão em testagem e tomadas de decisão desarticuladas comprometem o combate à covid-19 e enfraquecem decisões de flexibilização

 30/06/2020 - Publicado há 4 anos     Atualizado: 15/07/2024 às 16:13
O Brasil é o país que menos testa entre os 20 países com maior taxa de óbitos, ficando atrás da China, Estados Unidos, México, Peru e Turqui – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Descoordenação nacional de políticas públicas dificulta enfrentamento da pandemia de covid-19 no território brasileiro e enfraquece decisões de flexibilização de distanciamento social. A avaliação é dos pesquisadores da Rede de Pesquisa Solidária que, em seu 13º boletim, mapeou informações sobre a testagem de covid-19 no Brasil, identificou diferenças entre os tipos de testes realizados e apurou imprecisão das informações apresentadas pelas Secretarias Estaduais de Saúde (SES)  de cobertura da testagem.

Segundo o boletim, o Brasil é o que menos testa entre os 20 países com maior taxa de óbitos. Está atrás da China, Estados Unidos, México, Peru e Turquia. Além de não realizar o volume necessário, tampouco consegue fazer o número suficiente para identificar a proporção de brasileiros que já manteve contato com o vírus. A lacuna de informação sobre a presença e circulação do vírus entre a população está na base da subnotificação de casos positivos. A média de positividade dos testes no País foi de 36% em junho de 2020, bem acima do recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que é de até 5%.

Testes RT-PCR/Teste rápido/sorológico

Grande parte dos Estados torna público apenas o total de testes, sem classificação por tipo. Somente 14 Estados prestaram contas do número de testes realizado por RT-PCR (sigla em inglês de reverse-transcriptase polymerase chain reaction), que identifica com maior precisão as pessoas infectadas, e por testes rápidos (IgM) e sorológicos (Igc), que apontam quem já teve contato com o vírus e possui anticorpos, ambos utilizados no rastreamento e disseminação do vírus.

Testes RT-PCR/teste rápido/sorológico e número total de testes para os Estados que não diferenciam o tipo de teste realizado (por 100 mil habitantes)

Testes realizados nos Estados brasileiros

As plataformas oficiais das SES e os boletins estaduais apresentam dados muito diferenciados, o que, segundo o boletim, denota ausência de padrão nacional. Os Estados do Acre, Amapá, Goiás, Rondônia, Rio de Janeiro, Roraima, São Paulo e Tocantins não aparecem na tabela porque as informações sobre os testes realizados não constavam nas plataformas oficiais.

Unidades Federativas e  informações sobre testes realizados


Ouça entrevista da pesquisadora Tatiane Moraes de Souza, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), ao Jornal da USP no ar

Logo da Rádio USP

Positividade dos testes realizados no Brasil

A fim de avaliar a cobertura de testes realizados e como se comparam com a evolução da pandemia nos Estados brasileiros, foi estimada a porcentagem de casos positivos entre o total de testes realizados nos Estados brasileiros. Nesta estimativa, considerou-se o total de testes realizados, independente do tipo do teste, conforme informado pelas SES. A Figura 4 apresenta a positividade dos testes realizados na semana de 31 de maio a 6 de junho para todos os Estados brasileiros e também para todo o País. O Rio de Janeiro e Tocantins não estão representados nesta figura por não apresentarem dados de testagem no período de análise.

Como pode ser observado, o Estado de Minas Gerais apresenta mais de 100% de positividade, por isso o número de casos novos de covid-19 foi superior ao número de testes realizados na semana. Apesar da figura revelar informações importantes, segundo os pesquisadores, é preciso esclarecer que a ausência de informações atualizadas diariamente sobre os testes realizados nos Estados limita a capacidade de entendimento das oscilações dessas taxas. Pela Figura 4 também é possível verificar que somente o Distrito Federal apresentou uma positividade inferior a 10%, ainda assim superior à recomendação de 5% da OMS. A linha vermelha se refere à orientação da OMS de positividade (5%).

Positividade dos testes realizados nos Estados entre 31/5 e 6/6 (%)

A Rede de Pesquisa Solidária é uma iniciativa de pesquisadores para calibrar o foco e aperfeiçoar a qualidade das políticas públicas dos governos federal, estaduais e municipais que procuram atuar em meio à crise da covid-19 para salvar vidas. O alvo é melhorar o debate e o trabalho de gestores públicos, autoridades, congressistas, imprensa, comunidade acadêmica e empresários, todos preocupados com as ações concretas que têm impacto na vida da população. Trabalhando na intersecção das Humanidades com as áreas de Exatas e Biológicas, trata-se de uma rede multidisciplinar e multi-institucional que está em contato com centros de excelência no exterior, como as Universidades de Oxford e Chicago.

+ Mais

USP testa moléculas com potencial de interromper ciclo do novo coronavírus

Testes desenvolvidos na USP tornarão diagnóstico da covid-19 mais acessível

A coordenação científica está com a professora Lorena Barberia (Ciência Política USP). No comitê de coordenação estão: Glauco Arbix (Sociologia-USP e Observatório da Inovação), João Paulo Veiga (Ciência Política-USP), Graziela Castello, do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), Fábio Senne (Nic.br) e José Eduardo Krieger, do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da USP (INCT-InCor). O comitê de coordenação representa quatro instituições de apoio: o Cebrap, o Observatório da Inovação, o Nic.br e o InCor.

A divulgação dos resultados das atividades é feita semanalmente por meio de um boletim, elaborado por Glauco Arbix, João Paulo Veiga e Lorena Barberia. São mais de 40 pesquisadores e várias instituições de apoio que sustentam as pesquisas voltadas para acompanhar, comparar e analisar as políticas públicas que o governo federal e os Estados tomam diante da crise. “Distanciamento social, mercado de trabalho, rede de proteção social e percepção de comunidades carentes são alguns dos alvos de nossa pesquisa. Somos cientistas políticos, sociólogos, médicos, psicólogos e antropólogos, alunos e professores, inteiramente preocupados com o curso da crise provocada pelo coronavírus no mundo e em nosso país”, define Arbix.

As notas anteriores estão disponíveis neste link.


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.