As redes sociais ampliaram a voz dos atores sociais e possibilitaram a comunicação e a difusão internacional de mensagens acessíveis a quem detenha boa informação, independente do seu poder econômico. Essa nova conjuntura indica que princípios de uma comunicação inclusiva estabelecidos pela chamada Nova Ordem Mundial de Informação e Comunicação (NOMIC), nos anos 1980, estão a se realizar, segundo a jornalista Clara Pugnaloni. Em sua pesquisa de pós-doutorado na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, ela aborda o reflexo das redes sociais na cobertura jornalística de agências de notícias internacionais, e no trabalho de Organizações Não Governamentais (ONGs) voltadas à defesa dos direitos humanos.
A pesquisadora entrevistou, na França, o dirigente da ONG Human Rights Watch (HRW) e o diretor-presidente do Jornal Le Monde Diplomatique, Ignacy Ramonet, além de representantes da Agência Italiana de Notícias (ANSA) e da agência de notícias Reuters. Eles abordaram os desdobramentos da cobertura jornalística sob o foco da Mass Self Communication (Autocomunicação de Massa), evidenciada internacionalmente a partir da chamada Primavera Árabe, quando eclodiram, em 2011, protestos, rebeliões e revoltas populares contra governos de países do Oriente Médio e do norte da África.
Segundo a jornalista, para o diretor da HRW, as redes sociais facilitaram a defesa de populações em risco. Jean Marie Fardeau destacou que a rapidez com que, atualmente, se denuncia ataques ou desrespeito aos direitos humanos resulta em maior pressão da comunidade internacional. E, consequentemente, ação mais rápida por parte dos governos envolvidos. Porém, a mesma facilidade que a disseminação da informação trouxe para as organizações internacionais e ONGs, incorporou novas dificuldades.
“Existem, hoje, grupos que enviam falsas informações, como imagens de antigos de conflitos, pretendendo divulgá-las como de eventos atuais. O que exige da HRW constante monitoramento para não ser usada politicamente por grupos que manuseiam muito bem essa forma de se comunicar”, relata Clara.
Os correspondentes das agências de notícias ANSA e Reuters afirmaram à pesquisadora que uma permanente consulta às redes sociais na cobertura jornalística permite verificar indícios e sinais a serem checados. A confirmação de informações e difusão de forma imediata pelas mídias sociais é percebida pelos correspondentes como uma aproximação aos princípios da NOMIC de Direito à Informação e de Democratização da Mídia. O que, para os jornalistas, ocorreu nas rebeliões internacionais no norte da África e Oriente Médio e, posteriormente, nas manifestações, em 2012, que tomaram de surpresa no Brasil até a mídia convencional.
Comunicação para o Desenvolvimento
No final dos anos 1970, as ex-colônias africanas e asiáticas conquistaram suas independências e passaram a integrar as Nações Unidas. “A questão da comunicação horizontal e inclusiva passou a ser reivindicada nessa época e foram fixados vários preceitos para que se estabelecesse uma Nova Ordem Mundial de Informação e Comunicação (NOMIC). Entre eles que fosse inclusiva, horizontal, não hegemônica, respeitasse as culturas dos povos, e que desse voz às minorias”, explica Clara.
Para a pesquisadora, as redes sociais ratificam o poder e a centralidade da comunicação na sociedade para pressionar a opinião pública a combater as arbitrariedades, em proximidade aos ideais dessa comunicação.
Clara defende que as transformações tecnológicas e as advindas do novo ambiente midiático estão conduzindo para a NOMIC. Essa baseada nas tecnologias de comunicação e que se reflete no trabalho das ONGs de direitos humanos e de agências de notícias, como observado na pesquisa. Esse postulado, entende a pesquisadora, foi o embrião da Comunicação para o Desenvolvimento (ComDev).
A ComDev é conceituada como “um processo social, baseado no diálogo usando uma ampla gama de ferramentas e métodos. É também sobre a procura de mudança em diferentes níveis, incluindo a escuta, a construção de confiança, a partilha de conhecimento e competências, construção de políticas, debate e aprendizado para mudança significativa e sustentada. Não é relações públicas ou comunicação corporativa”, diz a jornalista.
Ela atua em eixos do Terceiro Setor como saúde, desenvolvimento sustentável, educação, cultura, governabilidade e segurança alimentar. “A Comunicação para o Desenvolvimento é fundamental em estratégias de desenvolvimento de Organizações Internacionais e ONGs ao valorizar a sabedoria tradicional das comunidades, e torna-las participantes”, sublinha Clara.
Revelações
Segundo a pesquisadora, estamos em uma realidade em que as ações positivas e negativas não podem mais ser ocultadas. “As ferramentas de comunicação — instantâneas e portáteis — tornam a todos passíveis de visibilidade local e global. E transgressões à lei e aos direitos dos cidadãos, por parte do poder do Estado, possíveis de chegar rapidamente ao conhecimento da comunidade internacional. É a comunicação demonstrando seu poder e centralidade na sociedade contemporânea: ser matéria-prima estratégica”.
Demonstrando, também, que nada mais poderá ser ocultado, de acordo com diretor-presidente do Jornal Le Monde Diplomatique Ignacy Ramonet. O jornalista e ativista acredita que este será o século em que a comunicação e a informação finalmente pertencerão a todos os cidadãos. Clara concorda com essa afirmação.
A pesquisa de pós-doutoramento “Comunicação para o Desenvolvimento, redes sociais, rebeliões e cobertura midiática” apresentada à ECA se transformou no livro Comunicação e desenvolvimento. Entre imagens e bombas, publicado pela editora Imprensa Livre.
Hérika Dias / Agência USP de Notícias
Mais informações: email clarapugnaloni@usp.br Skype: clara.pugnaloni