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Em outubro deste ano, o litoral de Santos foi atingido por uma forte ressaca. Com ondas entre 3,0 metros (m) e 3,5 m, a água invadiu a avenida da praia destruindo muretas que estavam sendo construídas em consequência da última ressaca na região, em agosto. Acionados pela Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), pesquisadores do Laboratório de Hidráulica da Poli através da Fundação Centro Tecnológico de Hidráulica irão estudar um conjunto de medidas para minimizar os efeitos das ressacas que atingem a cidade.
O que começou como um contrato firmado em janeiro, entre o Laboratório e a Codesp, com o objetivo de analisar, em um período de dois anos, os efeitos da dragagem na região e os impactos de uma eventual restrição no alargamento do canal de navegação às operações portuárias, levou os especialistas da Poli a construir um conjunto dos mais avançados modelos do Porto de Santos.
Neste ano, foram inaugurados um modelo geral do estuário de Santos, uma espécie de maquete de grandes proporções, e uma bacia geradora de ondas, modelo que reproduz o canal de acesso ao porto, ambos no Departamento de Hidráulica, na Cidade Universitária, revela Paolo Alfredini, professor da Escola Politécnica e um dos engenheiros responsáveis pelo projeto.
Em grande escala
Reproduzindo uma área de 2.500 metros quadrados do Porto de Santos, o modelo geral do estuário conta com representações de todos os cais e píeres. Da Ponta da Praia até a Alamoa, a construção reproduz uma maré sem ondas na qual práticos da navegação controlam embarcações radiocontroladas pelo canal.
“Esse é o maior modelo em operação no Brasil”, afirma Alfredini, ao detalhar que um dos objetivos do projeto é verificar o efeito da passagem do navio próximo de outras embarcações que estão atracadas. “Queremos entender como a passagem do navio pelo canal pode perturbar os navios atracados. Temos um sistema de molas que reproduz a amarração do navio, as defensas do cais e aí conseguimos medir os movimentos dos navios e a força dos cabos de amarração”, explica.
Neste contexto, a criação do modelo veio para avaliar os possíveis impactos do procedimento de alargamento do canal, para entender quais são os limites em que ele pode ser aprofundado para permitir a entrada de navios de maior porte, dando mais competitividade ao porto. Hoje a profundidade do canal é mantida em 15 m. “A intenção do contrato com a Codesp, da ordem de R$ 6 milhões, é verificar a viabilidade desse aprofundamento. E é preciso fazer uma obra física para melhorar a capacidade das correntes de levar embora possíveis sedimentos”, esclarece o engenheiro.
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Já a Bacia de Ondas, inaugurada em 18 de outubro, ocupa um espaço de 40 m de comprimento por 18 m de largura e está sendo utilizada para estudar os impactos da instalação de quebra-mares isolados, que, posicionados próximos das praias em intervalos espaçados uns dos outros, teriam como objetivo maior amortecer o impacto das ondas nas praias e no canal.
“Essa é uma das bacias mais modernas do Brasil. E por meio dela podemos estudar a estabilidade das obras”, revela Alfredini ao esclarecer que, apesar de serem realizados modelos matemáticos que ajudam especialistas a planejar os quebra-mares, para entender seus movimentos perante impactos das ondas é preciso experimentá-los a partir de um modelo físico.
“O modelo físico na Bacia de Ondas vai ajudar a otimizar o tamanho dos quebra-mares, o espaçamento entre eles e a distância da costa ideal para que a areia possa se acumular atrás deles em situações de ressaca. Seria bastante complexo fazer isso apenas por meio de modelos matemáticos”, esclarece ele. Não por acaso, o espaçamento entre quebra-mares é importante para que a zona das praias não fique estagnada, com água com pouca renovação e com acúmulo de lama.
Auxiliado pela tecnologia de atuadores — batedores que criam ondas artificiais e podem ser posicionados em diferentes pontos da bacia —, o modelo pode ser configurado para reproduzir tanto os efeitos de marés normais quanto de ressacas. “Os módulos pistonam a água com ondas regulares ou irregulares, os medidores medem o movimento e associam esse movimento com uma altura de onda”, detalha o professor. É possível gerar ondas de até 4,0 m, como numa ressaca. A água fica em um reservatório embaixo da bacia.
Apesar de ser notória, a importância futura da obra fica mais clara durante eventos extremos como o da ressaca de outubro. Atingido por ondas violentas, o litoral tem suas areias arrancadas das praias e levadas para o canal de acesso. Fato que tem efeitos negativos tanto para o porto quanto para o meio ambiente.
Para a parte náutica, explica o engenheiro, é importante não ter assoreamento, ou seja, evitar o acúmulo de sedimentos pelo depósito de terra, areia, argila, detritos, etc. Já para a defesa do litoral é importante que o sedimento esteja acumulado no lugar correto, criando o desejado amortecimento das ondas.
De acordo com o especialista, estudos internacionais mostram que em relação a décadas passadas as alturas de ondas de eventos extremos devem ser consideradas pelo menos 10% maiores do que eram. “É uma tendência que esses eventos extremos tenham frequência e intensidade cada vez maiores”, alerta ele. “Nossos estudos, com base na maré de Santos de registros de 1940 até hoje, nos mostram que podemos fazer uma extrapolação seguinte: de 1990 até 2100 o aumento do nível do mar em Santos será de 1,10 m”, pontua.
Pioneirismo
Nos anos 1960, o Laboratório foi o pioneiro em um estudo de campo que realizou as primeiras medições de correntes na baía de Santos para dragagem do canal. E de 1963 a 1969, o instituto fez uma campanha detalhada de medições de maré, de correntes e de salinidade, no canal do porto. A USP foi uma das primeiras instituições que fez medições de aspectos hidráulicos para a Codesp, na época chamada Companhia Docas de Santos.
Atualmente, o Laboratório conta com um grupo de aproximadamente 150 pessoas trabalhando. Na área de Hidráulica, entre engenheiros, técnicos e auxiliares, são 30 membros.
“Não existe hoje no Brasil nenhum outro laboratório que tenha em atividade estudos portuários em modelo físico”, finaliza Alfredini.
Mais informações: e-mail alfredin@usp.br, com o professor Paolo Alfredini