Estrutura da corrupção no Brasil é similar à rede terrorista

Modelo construído com dados da imprensa mostra que rede de corrupção é hierárquica e organizada em grupos pequenos

 11/06/2018 - Publicado há 6 anos
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Grafo permite extrair informações sobre a estrutura da rede de corrupção no Brasil. Imagem: Haroldo Ribeiro, Luiz Alves, Alvaro Martins, Ervin Lenzi e Matjaž Perc

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O retrato da corrupção no Brasil entre 1987 e 2014 é uma figura formada por 404 pontos coloridos, ligados uns aos outros por 3.549 linhas. A figura é um grafo — uma representação matemática de um conjunto de objetos e as conexões entre eles. No grafo construído pelo físico Luiz Alves, pesquisador do Instituto de Ciências Matemática e da Computação (ICMC) da USP, e por colegas do Paraná e da Eslovênia, os pontos coloridos representam políticos brasileiros citados em escândalos de corrupção. Quando dois políticos foram investigados no mesmo escândalo, a ligação entre eles foi representada por uma linha – ou aresta, no jargão matemático.

Luiz Alves, pesquisador do ICMC-USP, é um dos autores do artigo. Foto: Canal USP via YouTube

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“Queríamos saber como as pessoas que estão envolvidas em corrupção se conectam entre si, como que elas se organizam”, conta Alves. Para esse esforço, o grupo de físicos extraiu dados de jornais e revistas brasileiras publicados no período, referentes a 65 escândalos de corrupção bem documentados pela imprensa nacional. Para complementar a base de dados, combinaram os dados da imprensa com informações disponíveis na Wikipédia.

Assista a explicação da pesquisa nestes vídeos do Canal USP.

Eles descobriram uma rede cuja estrutura é similar às redes de terrorismo e narcotráfico. Os 404 nomes encontrados – que não são divulgados no estudo por razões jurídicas – e suas conexões se organizam de forma modular, em pequenos grupos de oito pessoas, em média. Esses grupos são conectados uns aos outros por intermédio de alguns indivíduos com muitas conexões. Há grande desigualdade do número de conexões entre os indivíduos, o que revela que a rede de corrupção tem uma estrutura hierárquica. A maior componente da rede concentra 77% dos nós e 93% das arestas.

Embora os pesquisadores tenham listado 65 escândalos, quando os dados são modelados como grafo, é possível identificar um número menor de comunidades: são 27, representadas cada uma por uma cor diferente. “Cada comunidade, na verdade, representa mais que um escândalo. Tem escândalos que, do ponto de vista das pessoas que estão sendo investigadas, na verdade são um só”, conta Alves.

Gráfico A indica o número de pessoas citadas em cada escândalo de corrupção que entrou na base de dados dos pesquisadores. Imagem: Haroldo Ribeiro, Luiz Alves, Alvaro Martins, Ervin Lenzi e Matjaž Perc

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Capacidade de predição

A maior parte dos 404 nós e 3.549 conexões da rede se encontram dentro da grande componente, indicada pela linha tracejada. Imagem: Haroldo Ribeiro, Luiz Alves, Alvaro Martins, Ervin Lenzi e Matjaž Perc (Clique na imagem para ampliar)

Os cientistas também observaram que o número de pessoas citadas em casos de corrupção cresce em ciclos de quatro em quatro anos, acompanhando o calendário eleitoral e marcando trocas de partidos na Presidência da República. Além disso, o grupo de físicos testou a capacidade de 11 diferentes algoritmos para prever futuras conexões na rede. Para isso, eles isolaram os dados de 1987 a 2013 e compararam as predições de novas conexões que os algoritmos geraram para 2014. O melhor resultado atingiu 25% de acerto.

“Para quem acha que 25% é pouco, se você tentasse fazer isso aleatoriamente, adivinhar qual a conexão entre duas pessoas dessa rede, a chance de acertar seria muito menor que 1%”, diz Alves.

O crescimento da rede, no entanto, não pode ser traduzido como crescimento do fenômeno da corrupção em si, como alerta Eduardo Marques, professor do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.

A principal dificuldade de trabalhar com o tema da corrupção é a escassez de dados confiáveis. Marques, que não participou da pesquisa, chama a atenção para o fato de que os dados disponíveis sobre escândalos e investigações posteriores vêm à tona na medida em que cresce o grau de conflito no interior da elite política; em que existem órgãos de denúncia, controle e apuração independentes e capacitados; e em que há leis consolidadas para controle e apuração de corrupção.

“Para o leitor não especialista em política, o crescimento das redes no tempo pode ser interpretado como o crescimento do fenômeno (corrupção), quando na verdade também pode ser produto do aperfeiçoamento institucional que leva a um crescimento da quantidade de dados disponíveis sobre o fenômeno”, pondera Marques.

De fato, o físico do ICMC conta que uma das principais críticas que os autores do artigo receberam diz respeito às fontes utilizadas, já que alguns nomes poderiam não ter entrado na base de dados por conta de algum eventual viés da mídia. Alves rebate as críticas argumentando que somente escândalos bem documentados foram incluídos na base de dados e que a regularidade da rede faz com que a estrutura mantenha a forma mesmo que alguns nomes sejam incluídos ou excluídos.

“Favorece a nossa análise que os resultados que obtivemos da estrutura da rede não dependem tanto do detalhe microscópico do dado. A nossa análise suporta um certo ruído porque o que a gente está olhando são propriedades mais globais da rede”, diz Alves, para quem as redes complexas são uma ferramenta poderosa para extrair informações que não podem ser observadas a partir de um dado isolado.

O artigo que documenta a pesquisa foi publicado no Journal of Complex Networks e pode ser acessado pelo arXiv.org.
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