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A reprogramação das células de pacientes com anemia aplástica adquirida auxilia no estudo da doença e poderá ser utilizada, no futuro, em transplantes autólogos (de células originadas pelo próprio paciente) de medula óssea. A conclusão é de pesquisa da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, realizada pela geneticista Maria Florencia Tellechea.
A anemia aplástica pode ter causas genéticas ou ser adquirida, o que ocorre em 80% dos casos identificados. “Na anemia aplástica adquirida, as células do sistema imune são as responsáveis pela destruição das células-tronco hematopoiéticas, porém a origem da doença não é bem definida”, afirma a pesquisadora. “A incidência no Brasil é de um a dois casos por milhão de habitantes por ano.”
Utilizando a expressão forçada de genes específicos introduzidos nas células, o estudo obteve as chamadas células-tronco pluripotentes induzidas (iPSCs). Neste caso, elas foram induzidas a se diferenciar em células do sangue que estão afetadas e diminuídas na doença, que são as células-tronco e progenitoras hematopoiéticas presentes na medula óssea. Estas são precursoras, “responsáveis pela produção de todas as linhagens celulares presentes na circulação sanguínea, como glóbulos brancos, vermelhos e plaquetas”, conta Maria Florencia. “A carência de células-tronco hematopoiéticas na medula óssea resulta na diminuição das diversas linhagens celulares sanguíneas, causando sintomas como fadiga, infecções e hemorragias que podem ser fatais.”
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Efetividade
Na anemia aplástica grave, o tratamento de primeira escolha é o transplante de medula óssea, porém ele é indicado apenas para pacientes com até 40 anos de idade e com doador compatível aparentado. No caso de pacientes acima dos 40 anos ou sem doador disponível, o tratamento indicado é a chamada terapia imunossupressora, buscando-se eliminar as células do sistema imune responsáveis pela destruição das células-tronco hematopoiéticas. Os medicamentos usados são a globulina anti-timocítica (ATG) e a ciclosporina. A pesquisadora aponta, porém, que os as terapias existentes podem não ser totalmente efetivas.
“No caso do tratamento imunossupressor, a medicação que atua suprimindo as células do sistema imune do paciente, como a ATG, tem como efeito adverso a suscetibilidade dos pacientes a infecções que podem ser letais. Além disso, um terço dos pacientes apresenta recaída”, ressalta Maria Florencia. “O transplante de medula óssea depende da idade do paciente, assim como da disponibilidade de doador. Contudo, apenas 30% dos pacientes têm um doador compatível aparentado. Além do mais, em 10% dos casos, existe rejeição imunológica das células-tronco hematopoiéticas transplantadas no paciente, causando a doença do enxerto contra hospedeiro, que é extremamente grave.”
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Reprogramação
As células-tronco hematopoéticas são multipotentes, ou seja, sua capacidade de originar outras células é limitada apenas para linhagens celulares do sangue. O diferencial das células pluripotentes é a capacidade de dar origem a todos os tipos de células presentes no corpo. Isso vale tanto para as pluripotentes embrionárias quanto para as artificialmente induzidas, isto é, derivadas de uma célula-tronco não-pluripotente pela indução da manifestação de certos genes, como feito no estudo.
As células-tronco pluripotentes induzidas são obtidas por reprogramação nuclear de células comuns provenientes de praticamente qualquer tecido, como, por exemplo, a pele ou o sangue periférico (aquele que está em circulação, e não na medula óssea). Esse processo é realizado através da expressão forçada de alguns genes introduzidos nas células. “As células reprogramadas adquirem características semelhantes às células-tronco embrionárias, como morfologia e expressão de marcadores de pluripotência”, detalha a cientista.
A pluripotência, ou a capacidade das iPSCs de darem origem a todos os tipos de tecidos presentes no organismo, foi utilizada no estudo para obtenção de células-tronco e progenitoras hematopoéticas do próprio paciente com anemia aplástica adquirida. Por enquanto, estas células hematopoéticas originadas de material do próprio paciente servem para estudar o funcionamento da doença em testes in vitro. Quando houver capacidade de garantir a segurança e produção em grande escala, elas poderão ser utilizadas para o tratamento, por meio dos transplantes autólogos (que utilizam no paciente suas próprias células-tronco). A pesquisa foi orientada pelo professor Rodrigo Calado, da FMRP.
Mais informações: e-mail florenciatell@usp.br, com Maria Florencia Tellechea
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