Novo composto pode reduzir efeitos colaterais da quimioterapia no câncer de mama

Substância inédita desenvolvida na USP em São Carlos também tem potencial para baratear o custo de tratamento da doença

 09/03/2020 - Publicado há 5 anos
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Pesquisadores do IQSC estudam compostos promissores no combate ao câncer – Foto: Henrique Fontes

Texto: Henrique Fontes – Assessoria de Comunicação do IQSC/USP

Uma substância inédita desenvolvida no Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da USP apresentou resultados promissores na busca por um tratamento menos agressivo para pacientes com câncer de mama. Após ser misturado com a Doxorrubicina — um dos quimioterápicos utilizados no combate à doença —, o novo composto permitiu que o medicamento tivesse 95% de sua concentração reduzida, mantendo a mesma eficácia. A substância selecionada pelos pesquisadores é constituída, basicamente, de aminoácidos quimicamente modificados.

“Diminuindo a concentração do fármaco, é possível evitar uma série de efeitos colaterais, como queda de cabelo, náuseas, perda de peso, problemas cardíacos, entre outros. Muitas vezes, esses efeitos são tão fortes que o paciente precisa tomar outros remédios para conter os sintomas”, explica Andrei Leitão, professor do IQSC e orientador do estudo. Além de reduzir os efeitos colaterais, a utilização de medicamentos em menores concentrações no combate ao câncer de mama poderá baratear o custo de seu tratamento, possibilitando que mais pessoas sejam atendidas.

 

Substância inédita reduziu 95% da concentração de quimioterápico utilizado no tratamento do câncer de mama – Foto: Henrique Fontes

Durante a realização do trabalho, que levou cerca de dois anos para ser concluído, os cientistas estudaram diversas substâncias criadas no Grupo de Química Medicinal & Biológica (NEQUIMED) do instituto com o objetivo de combiná-las com fármacos já disponíveis no mercado para o tratamento do câncer. “Nós fizemos várias análises para entender os mecanismos de ação de alguns compostos e descobrir qual era o mais promissor para impedir a evolução da doença”, revela Talita Alvarenga, autora da pesquisa e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Bioengenharia, oferecido em parceria pelo IQSC, Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP e Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP.

O novo composto tem potencial para “frear” uma eventual migração da doença pelo organismo (metástase) e foi combinado com a Doxorrubicina, quimioterápico conhecido por sua utilização no tratamento de vários tipos de câncer. “A pergunta que norteou nosso trabalho foi a seguinte: o que aconteceria se misturássemos um medicamento que, sabidamente, mata as células cancerosas com uma substância que inibe sua multiplicação?”, questiona Andrei.

Após aplicarem a combinação desenvolvida em células humanas com câncer (testes in vitro), os cientistas foram surpreendidos pelos resultados. “Utilizando a nossa substância em conjunto com o medicamento, foi possível obter a mesma eficácia que ele teria se fosse aplicado sozinho, mas com uma concentração de quimioterápico 33 vezes menor, o que equivale a uma redução de 95%”, comenta Talita, que teve sua pesquisa financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Outro resultado interessante observado pelos pesquisadores foi que o composto combinado passou a se comportar de forma mais seletiva, ou seja, atacando majoritariamente as células cancerosas e preservando as células saudáveis.

 

Talita Alvarenga é orientada pelo professor Andrei Leitão do IQSC – Foto: Henrique Fontes

De acordo com o professor do IQSC, a terapia combinada possui diversas funções dentro da medicina e tem sido amplamente adotada por profissionais da área da saúde, principalmente para aumentar a eficiência de alguns tratamentos. No caso do câncer, a utilização de substâncias em conjunto surge como uma alternativa interessante para conter a doença, que pode se tornar resistente a alguns medicamentos convencionais por se tratar de uma enfermidade que apresenta muitas variações, subtipos e reações dentro do organismo dependendo do fármaco utilizado para o seu controle.

Outro exemplo citado pelo docente é a Aids, cujo tratamento demanda um coquetel de remédios combinados para combater os sintomas gerados pela ação do vírus HIV. “Essas combinações precisam ser testadas no laboratório, pois não há modelos computacionais suficientes que possam prever os efeitos de todas essas misturas”, complementa o docente.

Vilão frequente

Segundo estudo divulgado pelo Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (Inca), o Brasil deve registrar cerca de 66.280 novos casos de câncer de mama em 2020, o que significa cerca de 61 ocorrências a cada 100 mil mulheres. A maior incidência da doença será no Estado de São Paulo, onde são esperados mais de 18 mil casos.

Em 2017, o País registou 16.724 óbitos por câncer de mama, o segundo tipo que mais acomete as mulheres, perdendo apenas para o de pele não melanoma. No mundo, o câncer de mama é o mais comum entre o público feminino – só em 2018, foram registrados 2,1 milhões de casos. Fatores como obesidade, sedentarismo, menopausa tardia, além de questões genéticas, hereditárias e ambientais, contribuem para o aumento do risco de desenvolver a doença.

Cientista analisou a bioatividade de diversas substâncias desenvolvidas no Grupo de Química Medicinal & Biológica do instituto – Foto: Henrique Fontes

O Sistema Único de Saúde (SUS) oferece tratamento gratuito para mulheres afetadas pelo câncer de mama, com a realização de exames, cirurgias, radioterapia e quimioterapia. Como forma de estimular a prevenção e o diagnóstico precoce, o Ministério da Saúde recomenda que mulheres entre 50 e 69 anos, sem sintomas ou sinais da doença, façam a mamografia a cada dois anos e realizem regularmente o autoexame.

Os próximos passos da pesquisa do IQSC serão os testes em animais, que devem começar neste primeiro semestre no Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, em São Paulo. Se todos os resultados obtidos até o momento se confirmarem nas etapas seguintes do estudo, inclusive nos testes em humanos, a expectativa é de que a substância possa estar no mercado em alguns anos.


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