Produtos de limpeza humanos são usados em áreas úmidas e quentes do corpo, onde normalmente se desenvolvem bactérias e fungos – Foto: Halley Pacheco de Oliveira via Wikimedia Commons / CC BY-SA 3.0
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É natural ver os quatis sul-americanos esfregar seus corpos com artrópodes, como o piolho-de-cobra, e secreções de plantas. O hábito, acreditam os biólogos, os ajuda a repelir mosquitos e carrapatos. Mas um grupo desses animais, que vive no sul do Brasil, vem se familiarizando com produtos de higiene humana para “automedicação”. É o que aponta estudo da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP e da Universidad del Rosario da Colômbia.
Moradores da Ilha Campeche na cidade de Florianópolis, Santa Catarina (SC), esses quatis esfregam sabonetes, sabão em pó e até desengordurante líquido no corpo. “Esses produtos costumam ser deixados por turistas, visitantes e moradores da ilha, que é um local turístico”, explica Aline Gasco, doutora em Ciências pela FFCLRP e uma das autoras do estudo.
O ato de esfregar (chamado de unção) é realizado entre o grupo em sessões que duram de alguns segundos até cinco minutos. Normalmente, usam as patas, boca, nariz e dentes para aplicar o produto na região genital e na cauda, “nessas áreas, úmidas e quentes do corpo, onde normalmente se desenvolvem bactérias e fungos”, afirma.
Para o professor Andrés M. Pérez-Acosta, da Universidad del Rosario, o comportamento pode ser uma nova variação da cultura da automedicação e “uma novidade dentre os carnívoros para aliviar irritação e coceira causadas por ectoparasitas”.
Além disso, o estudo aponta que esse comportamento de automedicação existe há mais de uma década e se transformou numa aprendizagem social transmitida entre gerações. “A plasticidade comportamental e motivação em explorar novas situações é característica dos quatis”, diz Aline.
O quati (mamífero carnívoro) não é nativo da Ilha de Campeche. Segundo relatórios não oficiais, um casal adulto da espécie foi capturado na cidade de Palhoça (SC) em 1950 para ser introduzido na ilha. “Embora exótica, essa população de quatis oferece uma oportunidade rara de se estudar a cultura da automedicação em animais”, comenta a orientadora da pesquisa, professora Patrícia Ferreira Monticelli. Antes de ser vistos como problema, diz a professora que é preciso melhorar a gestão dos resíduos orgânicos na ilha e o hábito dos turistas de alimentar os animais.
Os pesquisadores propõem o monitoramento desses animais para avaliar “os níveis de infestação ectoparasitária na tentativa de relacioná-la ao uso dos produtos de higiene humanos”. Este trabalho, segundo eles, requer uma abordagem multidisciplinar para entender completamente o “comportamento de automedicação com produtos de limpeza humanos”.
O estudo Ring-tailed coatis anointing with soap: a new variation of self-medication culture? foi publicado no International Journal of Comparative Psychology. Pérez-Acosta foi professor visitante da USP em 2015, quando trabalhou com Aline e Patrícia.
Mais informações: e-mail pmonticelli@ffclrp.usp.br, com Patrícia Monticelli
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