Algoritmo inspirado na evolução dá origem a código genético criado em computador

O estudo do código genético pode contribuir futuramente na produção de proteínas específicas importantes para as áreas biológica e farmacológica

 07/11/2016 - Publicado há 8 anos
Lariza Laura de Oliveira e seu orientado, Renato Tinós - Foto: Gabriela Vilas Boas
Lariza Laura de Oliveira e seu orientador, Renato Tinós – Foto: Gabriela Vilas Boas

Para explicar a evolução do código genético, pesquisadores da USP de Ribeirão Preto criaram em computador códigos genéticos semelhantes ao considerado padrão ou canônico (aquele quase universal e presente na maioria dos seres vivos). A diferença do código criado no Departamento de Computação e Matemática (DCM) da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, é que a metodologia leva em consideração vários fatores ao mesmo tempo.

Lariza Laura de Oliveira, responsável pela pesquisa, conta que esses métodos buscam explicações para o processo evolutivo dos seres vivos, já que o código genético é um tema que intriga bastante os cientistas por uma questão a ser respondida: ele é fruto do acaso ou de um processo evolutivo?

Para os pesquisadores da área, há fortes evidências de que o código é resultado do processo evolutivo, pois grande parte dos seres vivos possui um código genético padrão, mesmo os organismos mais diferentes entre si, como o cachorro, a beterraba ou o ser humano.

O código genético é responsável por decodificar a mensagem contida no DNA (composto orgânico que contém o material genético) de todos os seres vivos. É formado por quatro letras, os nucleotídeos, que formam palavras, e as frases formadas por essas palavras são as proteínas, responsáveis por diversas funções, com a construção e manutenção dos órgãos e tecidos.

Na busca por confirmar a hipótese do processo evolutivo para o código genético, atualmente, são utilizadas duas metodologias. A abordagem estatística, que estima a quantidade dos códigos aleatórios melhores que o código genético padrão, e a abordagem por engenharia, que compara o código padrão com os melhores códigos hipotéticos obtidos por meio de um algoritmo de otimização. Ambas observam apenas uma propriedade de cada vez.

Exemplificando os métodos, Lariza imagina um recipiente contendo bolinhas, representando todos os possíveis códigos, sendo cada bolinha um possível código genético. Há uma bolinha com um código idêntico ao genético e, nas outras, códigos melhores e piores. Pela grande quantidade, “seria impossível analisar uma a uma todas as bolinhas”, garante.

Pelo método estatístico, analisa-se uma quantidade grande de bolinhas, verificando quantas são melhores ou piores que o código canônico. Na abordagem por engenharia, “tentamos acertar a região do recipiente onde estão os melhores códigos, estudamos as características do código (bolinhas) e do recipiente, e isso nos permite encontrar os melhores códigos. Essa é a forma como os algoritmos de otimização trabalham”, esclarece a pesquisadora.

A nova proposta

Centrada na hipótese de que o material genético que carregamos hoje é fruto da evolução, a equipe de Ribeirão Preto trabalha numa nova proposta que leva em consideração o estudo de mais de uma variável ao mesmo tempo.

A evolução do código, segundo os pesquisadores, envolve várias propriedades dos aminoácidos (moléculas orgânicas que compõem o DNA), além das características do meio – concentração de oxigênio, temperatura, concentração e propriedades físico-químicas do meio e das moléculas envolvidas.

Então, desenvolveram um algoritmo de otimização baseado na evolução natural. “Algoritmo é um conjunto de instruções, como uma receita de bolo para o computador executar. No problema do código genético, o algoritmo desenvolvido tenta evoluir soluções por meio de mecanismos inspirados na evolução natural”, comenta Lariza.

A pesquisadora diz que é como desvendar os ingredientes de um bolo pronto e para o qual não se tem a receita. E temos que fazer um bolo o mais semelhante possível ao original. Essa é uma visão simplificada do que o algoritmo tenta fazer, “ele tenta obter um código próximo ao original, ou semelhante, utilizando os ingredientes que consideramos mais importantes” (veja ilustração).

ilustracao

 

Lariza usa o exemplo da robustez para mostrar como desenvolveu uma função matemática que simula essa característica do código. A robustez do código “previne que mutações gerem alterações na composição das proteínas. Minha metodologia consistiu em procurar por propriedades importantes que pudessem ser utilizadas nessa função de robustez e fazer um algoritmo que as considerassem simultaneamente”, diz.

“Podemos pensar na robustez do código como um edifício bem construído.” Se ele é forte e suporta chuvas e ventos, ele é robusto, e consegue manter suas características (propriedades), mesmo em condições adversas, como uma tempestade. O mesmo acontece com o código genético que, mesmo em condições adversas (mutações), é robusto de forma a prevenir uma boa parte das alterações nas proteínas.

Códigos dão pistas da evolução genética

Foto: Visualhunt
Foto: Visualhunt

Depois de utilizar muitas funções matemáticas e fazer o algoritmo para otimizá-las, a pesquisadora chegou então aos códigos que buscava. Ela afirma que obteve “códigos mais similares ao padrão, comparando com o que se tem feito hoje nessa área”. Garante ainda que seus resultados dão pistas de como o código evoluiu para o que é hoje. Lariza acredita que, em futuro próximo, poderá estudar os códigos que gerou para analisar a possibilidade de criar vida através deles.

O orientador de Lariza, professor Renato Tinós, da FFCLRP, lembra que “o estudo do código genético pode ajudar no desenvolvimento de novos códigos sintéticos, que podem ser utilizados na produção de proteínas específicas que sejam importantes para alguma área biológica e farmacológica”. Tinós diz que é como se “utilizássemos uma maquinaria semelhante à que encontramos nas células” e, com esses códigos, os cientistas poderão “fabricar” proteínas de interesse farmacológico, por exemplo.

Por enquanto, a equipe conseguiu gerar códigos no computador, ainda não foram testados in vitro. Mas eles podem ser sintetizados artificialmente e “funcionar biologicamente”. Para isso, os estudos com os códigos genéticos criados continuam no laboratório do professor Tinós. Lariza analisa as características e, principalmente, as diferenças com o código padrão.

Segundo Tinós, existem outras equipes trabalhando na mesma linha de pesquisa, entretanto, “nosso maior diferencial foi utilizar mais de uma propriedade ao mesmo tempo, faz mais sentido biológico”.

A tese de doutorado Auto-Organização em Algoritmos Evolutivos Aplicados na Investigação da Adaptabilidade do Código Genético foi apresentada em novembro do ano passado à FFCLRP.

Gabriela Vilas Boas, de Ribeirão Preto

Mais informações: (16) 3315-9043


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