Técnica pode tornar produção de plásticos mais sustentável a partir do bagaço de cana

Pesquisador desenvolveu método que permite construir novas moléculas para a fabricação de plástico a partir do bagaço da cana-de-açúcar

 05/02/2020 - Publicado há 5 anos     Atualizado: 27/05/2024 às 11:17

 

Em geral, o plástico é produzido a partir de uma fonte não renovável, o petróleo; o novo método busca atender uma demanda por fontes de produção mais “verdes” – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

 

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O carbono é um elemento químico fundamental para a produção de diversos produtos, como cosméticos, plásticos e medicamentos. Normalmente, ele é obtido a partir do petróleo, fonte não renovável e que leva milhares de anos para se formar. Pensando em uma solução para obter moléculas de carbono de forma simples, sustentável e com menor risco ao meio ambiente, o professor Antonio Burtoloso, do Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da USP, criou uma técnica inédita que permite a construção de moléculas de interesse industrial por meio do aproveitamento do bagaço da cana-de-açúcar.

Empregando algumas reações químicas, o pesquisador chegou a um composto que possui dez átomos de carbono (C10) e que tem potencial para ser utilizado na fabricação de plásticos. Isso foi possível depois que ele conseguiu juntar duas moléculas da valerolactona – líquido incolor obtido a partir do bagaço da cana. Cada molécula da substância possui cinco átomos de carbono. “Utilizamos transformações simples e fáceis de serem reproduzidas, que podem ser aplicadas de forma rápida, robusta e com baixo custo”, explica o docente. Segundo o especialista, o procedimento para a criação do C10 leva apenas um dia.

Atualmente a busca por fontes renováveis de carbono tem sido intensificada por pesquisadores de vários países, e a biomassa – todo material vindo de fonte natural – surge como um dos alvos favoritos dos cientistas. O professor da USP explica que, apesar de o petróleo também ser proveniente de uma fonte natural, o fóssil, ele não é renovável. Já a cana-de-açúcar, por exemplo, é plantada em abundância anualmente e possui em seu bagaço um enorme potencial de reaproveitamento.

 

Burtoloso coordena o Grupo de Síntese Orgânica do IQSC – Foto: Henrique Fontes/IQSC

 

De acordo com o estudo divulgado em 2017 pelo Instituto de Economia Agrícola (IEA), o Brasil gerou cerca de 166 milhões de toneladas de bagaço na safra 2015/16. Parte dessa produção acaba sendo descartada e é justamente nesse ponto que o docente pretende atuar: “Não precisamos plantar cana-de-açúcar exclusivamente para colher o bagaço. A ideia é aproveitar parte desse resíduo que acaba virando lixo como insumo para a nossa técnica”, afirma o docente, que coordena o Grupo de Síntese Orgânica do IQSC.

Essa área de pesquisa envolve, resumidamente, a construção de moléculas complexas e com maior valor agregado a partir de moléculas mais simples, que podem ser compradas no mercado. A possibilidade de desenvolver moléculas no laboratório contribui para a preservação ambiental, pois, em alguns casos, a extração de determinada substância da natureza gera grandes prejuízos aos recursos naturais, não compensando sua retirada. Um exemplo é o taxol, molécula orgânica que pode ser extraída do casco da árvore Taxus brevifolia para o tratamento de câncer. A cada árvore derrubada, que leva pelo menos 100 anos para chegar a sua fase adulta, poderiam ser produzidos poucos comprimidos de taxol, os quais não seriam suficientes para tratar sequer uma única pessoa.

Futuro verde

Além de ser um processo que gera mais riscos à natureza, a obtenção de carbono a partir do petróleo não é um procedimento que terá vida eterna. “Estamos pensando lá na frente, daqui a algumas gerações. Um dia o petróleo irá acabar. Como iremos fazer os produtos? Novos métodos precisam aparecer”, alerta Burtoloso.

De acordo com o docente, a técnica desenvolvida no IQSC apresenta grande potencial de escalabilidade na indústria. Além disso, ele aponta que há um direcionamento dentro das empresas para o desenvolvimento de compostos mais sustentáveis. Ele afirma, inclusive, que vários países estipularam como meta, daqui a algumas décadas, a substituição de 20% a 30% do carbono proveniente do petróleo por fontes consideradas “verdes”.

Esse tipo de ação também poderá atrair os olhares dos consumidores que, muitas vezes, optam por adquirir uma mercadoria fabricada de forma sustentável. “Se as propriedades dos produtos que serão produzidos com a nossa técnica forem similares às existentes no mercado, o cliente faria a compra com a consciência muito mais tranquila. Ele estaria usando algo que foi desenvolvido sem acarretar danos ao meio ambiente”, explica o professor.

Os resultados obtidos no trabalho foram descritos no artigo científico Synthesis of long-chain polyols from the Claisen condensation of γ-valerolactone, publicado na Green Chemistry, revista britânica de alto impacto mundial na área de química verde. “É uma revista de grande prestígio, e fomos muito bem avaliados pelos revisores. Ficamos felizes com o reconhecimento”, comemora o cientista.

Agora, os pesquisadores esperam aprimorar a técnica desenvolvida de forma que todo o processo fique ainda mais simples e barato. O grupo está aberto a firmar parcerias com a indústria visando à realização dos testes necessários para disponibilizar o novo método à sociedade. O trabalho contou com a colaboração da aluna de doutorado do IQSC Camila Santos, além de pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM).

Henrique Fontes / Assessoria de Comunicação do IQSC


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