Pesquisa realizada com 238 doadores de sangue em Manaus, no Amazonas, revela que até 31% dos casos de covid-19 provocados pela variante P.1 do coronavírus podem ser reinfecções em pacientes que já tiveram a doença. O número foi estimado em estudo do Centro Brasil-Reino Unido para Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus (CADDE), com participação de pesquisadores da USP. Os autores do trabalho ressaltam que, como o trabalho revelou que casos de reinfecção pela P.1 são comuns, pessoas que já tiveram contaminação não devem deixar de se proteger.
A pesquisa é descrita em preprint (versão prévia de artigo científico), publicado no site medRxiv em 12 de maio. O objetivo do estudo foi determinar se a reinfecção pela variante P.1 do coronavírus é frequente, comparando a proporção de infecções e reinfecções.
“A ideia para procurarmos reinfecção vem de duas motivações. A primeira vem de outros trabalhos sugerindo que a P.1 induz a escape imune”, relata ao Jornal da USP o pesquisador Carlos Augusto Prete Junior, da Escola Politécnica (Poli) da USP, primeiro autor do artigo. “A outra é que a reinfecção aliada a uma maior taxa de mortalidade da P.1 explica a segunda onda de Manaus, que levou a um alto número de mortos apesar da alta proporção de infectados pela variante anterior.”
De acordo com o pesquisador, é muito difícil detectar reinfecção porque a maior parte dos pacientes é assintomática, e mesmo os sintomáticos têm chance pequena de serem notificados. “Por isso, são raros os pacientes que tiveram duas infecções confirmadas e notificadas”, aponta. “Para superar este problema, testamos amostras armazenadas de doadores de sangue de repetição de Manaus, que são doadores que fazem doações frequentemente, para detectar infecções assintomáticas.”
“A ideia para procurarmos reinfecção vem de duas motivações. A primeira vem de outros trabalhos sugerindo que a P.1 induz a escape imune. A outra é que a reinfecção aliada a uma maior taxa de mortalidade da P.1 explica a segunda onda de Manaus, que levou a um alto número de mortos apesar da alta proporção de infectados pela variante anterior.”
Como o nível medido de anticorpos decai com o tempo, uma reinfecção levaria a um aumento repentino do nível de anticorpos, gerando uma curva com formato de “V”, ressalta Prete Júnior. “Vale ressaltar que, para haver uma subida do nível de anticorpos, deve haver uma replicação considerável do vírus no organismo”, afirma. “Por isso, uma exposição ao vírus sem infecção não deve levar a um aumento no nível de anticorpos.”
A pesquisa selecionou 238 doadores não vacinados que doaram ao menos três vezes, sendo ao menos uma vez na primeira onda, ocorrida no ano passado, e uma vez em 2021, quando a P.1 se tornou prevalente. “Classificamos estes doadores em seis grupos baseados nas suas curvas de anticorpos: sem infecção aparente, infecção por uma variante não P.1, infecção pela P.1, reinfecção pela P.1, reinfecção provável pela P.1 e reinfecção possível pela P.1”, descreve o pesquisador. “A partir do número de doadores que caíram em cada grupo, calculamos estatísticas que descrevem o comportamento das reinfecções.”
Comportamento das reinfecções
O estudo mostra que 17% dos casos de P.1 foram reinfecções, uma proporção que aumenta para 26% e 31% se reinfecções prováveis e possíveis forem consideradas. Mostra também que pessoas infectadas em 2020 têm risco relativo de reinfecção de 0.24 quando comparadas com pessoas não infectadas, aumentando para 0.38 e 0.46 quando reinfecções prováveis e possíveis são consideradas.
Prete Junior aponta que o trabalho revelou que casos de reinfecção pela P.1 são comuns, e por isso pessoas que sabem que se contaminaram não devem deixar de se proteger. “A alta taxa de reinfecção encontrada indica que reinfecções podem influenciar a dinâmica da epidemia, e portanto modelos epidemiológicos devem considerar a possibilidade de reinfecção. Além disso, o conceito de imunidade de rebanho deixa de valer, pois pode haver novos surtos em municípios com alta prevalência devido à reinfecção”, destaca. “Mostramos também que é possível detectar reinfecção usando doadores de repetição, e portanto o estudo pode ser replicado em outros países e usado para determinar a taxa de reinfecção por outras variantes.”
O pesquisador observa que o estudo tem duas limitações importantes: “Primeiro, a maior parte das infecções foi assintomática, e portanto a taxa de reinfecção não pode ser considerada para pacientes mais graves”, explica. “Segundo, a amostragem do nível de anticorpos dos doadores é esparsa no tempo, e portanto pode haver pessoas que tiveram todas as amostras negativas em 2020, mas que na verdade se infectaram e testaram negativo devido ao decaimento dos anticorpos. Isso leva à possibilidade de haver reinfecções não observadas dentre os doadores incluídos no estudo.”
“É importante salientar que em nenhum dos trabalhos com doadores de sangue as pessoas tiveram acesso ao resultado do teste. Por isso, as amostras não são enviesadas para doadores sintomáticos”, diz Prete Junior. “Como pessoas com caso confirmado são impedidas de doar por algumas semanas, há um pequeno viés na direção de doadores assintomáticos.”
Os resultados do estudo são descritos no artigo Reinfection by the SARS-CoV-2 P.1 variant in blood donors in Manaus, Brazil, publicado como preprint no site medRxiv em 12 de maio. Os pesquisadores do estudo integram o projeto Centro Brasil-Reino Unido para Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus (CADDE) e contou com a colaboração de pesquisadores de diversas instituições, entre elas a Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), a Poli, Universidade de Oxford, Imperial College e London School, no Reino Unido, e Universidade da Califórnia São Francisco (UCSF), nos Estados Unidos. Também participaram do estudo pesquisadores dos hemocentros Hemoam, no Amazonas, e Hemominas, em Minas Gerais.
Mais informações: e-mail carlos.prete@usp.br, com Carlos Augusto Prete Junior