Técnica da dupla poda é responsável por impulsionar a indústria vinícola no Estado de São Paulo

Técnica resultou no aumento das vinícolas e na melhoria da qualidade das uvas para a produção de vinhos de excelência

 21/03/2024 - Publicado há 2 meses
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Atualmente, são mais de 1,1 mil  vinícolas no Brasil e mais de 23 milhões de litros de vinhos produzidos ao ano – Foto: Freepik
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O esforço de anos de investimentos no setor vinícola resulta em resultados expressivos. Atualmente, são mais de 1.1 mil vinícolas no Brasil e mais de 23 milhões de litros de vinhos produzidos ao ano, com destaque para o crescimento de plantações de uva no Estado de São Paulo. De acordo com dados do Instituto de Economia Agrícola (IEA) da Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento, em 2023 foram plantados 64 mil pés, contra 7.800 no ano anterior, um aumento de 700%. 

Marcel Bellato – Foto: Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP de Piracicaba

O professor Marcel Bellato, do Departamento de Produção Vegetal, da área de Fruticultura da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP de Piracicaba, diz que a técnica de dupla poda foi o diferencial para o cultivo de uva no Estado de São Paulo, pois o clima temperado das regiões europeias contrasta com o clima quente e úmido de São Paulo, afetando o ciclo de vida das videiras e influenciando na produção de vinhos.

“É por isso que o clima de São Paulo apresenta desafios para a produção de uvas de qualidade. Com invernos secos e amenos e primaveras e verões chuvosos, a obtenção de uvas com os níveis ideais de açúcar para o vinho se torna difícil”, explica Bellato.

O professor também observa que, além da produção de vinhos de baixa qualidade, as chuvas frequentes contribuíam para a proliferação de fungos e pragas que prejudicavam o crescimento saudável das videiras.

As complicações não são recentes, pois desde a introdução das videiras europeias em São Paulo em 1532 os produtores têm enfrentado dificuldades para alcançar a qualidade desejada nas uvas. “A solução surgiu com a técnica da dupla poda”, assegura o especialista.

Bellato ressalta que a técnica é particularmente eficaz em regiões com climas mais amenos, como São Paulo e Minas Gerais. “Essa técnica impulsionou a vinicultura em São Paulo, resultando no aumento das vinícolas e na melhoria da qualidade das uvas para a produção de vinhos de excelência”, conclui o especialista.

Técnica da dupla poda 

Jonathas Galdino, técnico em Agropecuária em Vinícola da região de Ribeirão Preto, explica que a tecnologia da dupla poda ou colheita de inverno é a inversão do ciclo da videira, que tem como objetivo deslocar o ciclo de produção da uva do verão para o inverno. “Isso nos proporciona dois ciclos de manejo na videira, com o objetivo de colheita no inverno”, explica o técnico.

Jonathas Galdino – Foto: Arquivo Pessoal

Durante o ciclo de formação no verão, as inflorescências (conjunto de flores) da videira são removidas para permitir que a planta concentre sua energia na formação dos galhos. “No verão, os galhos amadurecem e estão prontos para serem podados, reiniciando o ciclo”, complementa o especialista.

A segunda etapa do manejo, denominada ciclo de produção, é marcada pela formação das frutas e sua posterior maturação, que ocorre durante o outono e o inverno. Segundo Galdino, esse é o período menos chuvoso, o que contribui para uma maior concentração de substâncias no cacho de uva.

“A menor quantidade de chuvas durante o outono e o inverno, juntamente com a maior luminosidade solar, resulta em uma maior atividade metabólica na planta”, explica. Esse aumento na atividade metabólica leva à transformação das substâncias desejadas, como açúcares, fenóis e antocianinas, que são essenciais para a qualidade do vinho.

Além disso, Galdino ressalta a importância da amplitude térmica durante o outono e o inverno, mesmo que o frio não seja tão intenso quanto em regiões de clima temperado. Essa amplitude térmica é essencial para garantir o equilíbrio entre os açúcares e os ácidos totais da uva, resultando em vinhos de excelente qualidade.

Potencial do interior

Exemplo da expansão da viticultura e da vinicultura no Estado de São Paulo é uma vinícola recentemente criada na região de Ribeirão Preto, um reconhecimento por parte do empresariado do potencial do interior do Estado no cultivo de uvas para a produção de vinhos.

Luiz Biagi – Foto: Divulgação

O proprietário da vinícola, Luiz Biagi, enfatiza que todo o Estado de São Paulo é propício para o cultivo de uvas. “Antes não havia condições de produzir uvas de alta qualidade nesta região do Estado de São Paulo, mas a tecnologia da dupla poda mudou isso completamente.” Ainda segundo Biagi, é um divisor de águas muito significativo, pois representa uma revolução nos 7 mil anos de história da produção vinícola no mundo.

Apesar do crescimento promissor, Biagi lamenta a falta de apoio governamental e a carga tributária elevada, questões que representam obstáculos para a expansão da indústria nacional de vinhos. “Infelizmente, não existe apoio do governo brasileiro para esse tipo de atividade. Os impostos são absurdamente altos, chegando a 50%. No Estado de São Paulo, o ICMS para o vinho é 25%”, critica Biagi.

Mas mesmo com os desafios, Biagi acredita no potencial do Brasil no mercado mundial de vinhos nos próximos 30 anos. “No Brasil, tem muita gente empreendedora, e com certeza o País se transformará em um player importante no mercado de vinho mundial. Dou 30 anos”, conclui.

*Estagiária sob supervisão de Ferraz Junior e Rose Talamone


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