Ribeirão Preto teve um importante promotor da cultura afro-brasileira, que parece esquecido pela cidade, Pedro Paulo da Silva. Mas sua arte e liderança cultural estão eternizadas em documentos que agora ganham uma versão digital. Pedro Paulo se destacou como promotor da cultura afro-brasileira, dirigindo peças de teatros e eventos como o Festival Batuque de Tocaia e liderando grupos como o Cultura e Arte Negra Travessia, que apresentava expressões culturais como capoeira e dança afro. Ninguém sabe ao certo onde ele nasceu, mas é fato que entre 1950 e 2005 viveu em Ribeirão Preto, onde produziu muita arte que agora vira memória.
Com a participação dos alunos Felipe Dias, Rafael Carlos e Júlia Ricardo, graduandos do curso de Biblioteconomia e Ciências da Informação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, e orientação da professora Silvia Maria do Espírito Santo, a Divisão de Promoção da Igualdade Racial da Secretaria Municipal de Justiça de Ribeirão Preto resolveu organizar este ano a digitalização do acervo de Pedro Paulo para facilitar o acesso aos documentos do artista.
O chefe da divisão, Renato Caetano, diz que “após a digitalização, os pesquisadores não terão a constante necessidade de acessar os acervos fisicamente, utilizando as imagens da digitalização, o que diminuirá o risco de danos”.
Para Caetano, o trabalho vai muito além de preservar documentos. “Existiu um homem negro, que mesmo com todas as dificuldades impostas pelo racismo, realizou grandes feitos, que foram reconhecidos em nível nacional. É uma ação necessária, e que tem que ser ampliada para iniciarmos um trabalho de desconstrução do apagamento histórico da população negra”, afirma.
Para o acadêmico Felipe Dias, ter contato com os documentos garante o acesso à parte da história de um personagem esquecido da vida cultural ribeirão-pretana. “Eu sou nascido na cidade e não conhecia a fundo a história do Pedro e de como o movimento negro se organizava antigamente. Como estudante, o projeto me permitiu conhecer um pouco da sua história”, conta.
Os arquivos que estão sendo digitalizados pelos alunos da FFCLRP são documentos de peças de teatro, materiais didáticos e atas de reuniões com figuras importantes do movimento negro da capital paulista. A Cartilha do Cidadão Negro, desenvolvida por um coletivo de São Paulo já extinto, também pode ser encontrada entre os arquivos. “O Pedro foi uma figura fundamental para o movimento e desenvolveu muitos projetos de representatividade e formação para o povo preto”, exalta Dias.
Com o grupo Cultura e Arte Negra Travessia, Pedro Paulo, hoje nome de um dos auditórios do Centro Cultural Palace, no Quarteirão Paulista de Ribeirão Preto, conquistou as praças públicas do Estado de São Paulo, do interior à capital, e era figura recorrente na promoção de eventos e ensaios culturais como o Festival Comunitário Negro Zumbi (Feconezu).
Para Júlia, o projeto é uma oportunidade de levar uma grande referência aos jovens. “Espero que essa digitalização alcance os jovens pretos e pardos e que eles tenham uma referência local de figura preta na luta por igualdade racial”, reconhece a estudante, que se sente “como se estivesse resgatando um fragmento esquecido da memória de Ribeirão Preto”.
Acervo cultural e consciência negra
A iniciativa ocorreu no primeiro ano em que o Estado de São Paulo reconheceu o Dia da Consciência Negra como um feriado estadual. A data é celebrada em memória da morte de Zumbi dos Palmares, líder do Quilombo dos Palmares no período da escravidão, e reflete, também, sobre a posição dos negros na sociedade brasileira na contemporaneidade.
Para Caetano, a importância de preservar a história do artista também entra nesse âmbito. “Pedro Paulo conseguiu colocar a cultura negra em lugares de destaque, reivindicando e ocupando espaços urbanos, trazendo uma representatividade artística”, enaltece. O Travessia, liderado por Pedro Paulo, em parceria com outros grupos como o Cativeiro e o José do Patrocínio, de Ribeirão, além dos grupos de Divulgação de Arte e Cultura Negra (Gana), de Araraquara, e Congada, de São Carlos, dentre outros, levavam o movimento negro do interior paulista para cidades de Minas Gerais e Rio de Janeiro.
A digitalização, processo em andamento, ocorre todas as quintas-feiras, no Arquivo Público de Ribeirão Preto, e deve seguir até fevereiro de 2024, mas ainda não há previsão da disponibilização do acervo ao público.
Mais informações pelo e-mail: rcsilva@rp.ribeiraopreto.sp.gov.br, com Renato Caetano.
*Estagiário sob supervisão de Rose Talamone