O estágio é uma etapa essencial na formação profissional de um estudante, pois é durante esse período que ele aplica na prática toda a teoria aprendida na faculdade. Esse primeiro contato com a área de trabalho ocorre sob a supervisão de um profissional da área, proporcionando ao estagiário uma experiência profissional inicial enquanto a empresa se beneficia de sua força de trabalho. A Lei 11.788 de 2008, conhecida como Lei do Estágio, assegura os direitos dos estagiários, mas está em constante revisão. Atualmente, dois projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional propõem novas mudanças.
Os Projetos de Lei n° 1.843, de 2022 e n° 595, de 2023 têm como objetivo, respectivamente, aumentar o tempo limite de contratos de estágio, que atualmente é de 2 anos, e garantir a remuneração para estágios obrigatórios. Além disso, os projetos se atentam para outros pontos que atualmente faltam na Lei do Estágio em vigor, como a falta de estabilidade em casos de gravidez, e para a cota estabelecida em 10% das vagas de estágio destinadas a pessoas com deficiência, mas não propõem efetivamente alterações nesses pontos.
Segundo levantamento realizado pela Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (Ipec), com dados Centro de Integração Empresa Escola (CIEE), 70% dos estagiários têm uma renda familiar de até dois salários mínimos, e destaca o impacto que a bolsa-auxílio tem nas famílias desses estagiários. Além disso, a pesquisa aponta que 69% dos estagiários contribuem na renda familiar e 11% são responsáveis pelo sustento da família. Outro fato que chama atenção é a falta de oportunidades de estágio, uma vez que em um universo de 8 milhões de estudantes universitários, existem apenas 450 mil estagiários ativos no País, e a média de vagas de estágio está em apenas 70 mil.
Segundo o professor da Faculdade de Direito da USP em Ribeirão Preto (FDRP) da USP, Jair Aparecido Cardoso, especialista em Direito Individual, Coletivo e Processual do Trabalho, “antes de realizar qualquer análise em relação à Lei do Estágio é preciso ressaltar o caráter pedagógico dessa norma, pois ela visa dar condições ao estudante de se capacitar profissionalmente para entrar no mercado de trabalho. Desta maneira, percebe-se que ela tem uma diferença de natureza quando comparada à CLT, que tem como objetivo proteger os direitos trabalhistas”.
Extensão do tempo limite de contrato
A principal mudança apresentada pelo Projeto de Lei n° 1.843, de 2022, busca estender, ou até mesmo extinguir, o limite de contrato de estágio, que hoje é de 2 anos. O argumento para extensão desse limite é o suposto desestímulo causado por interromper esse vínculo após um tempo determinado, o que traria dificuldades para estudantes nos primeiros anos de faculdade. Porém, o professor Jair Cardoso explica a importância desse limite: “O prazo de 2 anos é razoável para o estágio, posto que os cursos duram de 4 a 5 anos, e esse prazo se faz necessário para que não haja exploração do trabalho do estagiário. Há casos, quando a pessoa se demonstra capacitada ao fim do tempo limite, que ela é contratada com as garantias da Lei Trabalhista”.
Portanto, segundo o professor, a existência de um limite nos contratos de estágio não se trata de estímulos ou desestímulos, e sim uma proteção do trabalho do estagiário para que não haja exploração da mão de obra sem as garantias trabalhistas.
Remuneração obrigatória
Para entender as motivações da mudança na remuneração do estágio obrigatório primeiro é preciso explicar que o estágio obrigatório faz parte da matriz curricular e é parte da carga horária do curso, não costuma ser remunerado e não estabelece nenhum tipo de relação trabalhista, ele se apresenta como se fosse uma matéria da faculdade. Já o estágio não obrigatório não faz parte da grade do curso e geralmente é remunerado.
Em relação ao Projeto de Lei n° 595, de 2023, que visa a obrigatoriedade de remuneração nos casos dos estágios obrigatórios, o argumento usado para a defesa dessa remuneração diz que pela empresa desfrutar de resultados importantes da força de trabalho do estagiário deveria haver alguma compensação financeira. O professor Cardoso alerta para questões que uma remuneração obrigatória traria: “A lei não pode estabelecer um mínimo de remuneração, pois seria um cerceamento da liberdade de mercado. A lei estabelece critérios para que a pessoa possa se capacitar, mas não pode tecer minúcias, dificultando o estudante de completar seu curso”.
Gravidez e cotas
Outros pontos da Lei 11.788 chamam atenção, mas não têm propostas concretas de alterações nesse momento. São eles a não estabilidade em caso de estagiária grávida e a revisão da cota de 10% das vagas de estágios destinadas a pessoas com deficiência.
Para o professor Cardoso, a falta de uma estabilidade em relação a gravidez se dá pelo fato da Lei do Estágio não estabelecer vínculo empregatício e ser um contrato temporário de caráter pedagógico, como citado antes. Apesar disso, a estagiária tem as benesses oferecidas pela Lei de Estágio, mas que não se comparam com a CLT.
Já com relação à questão de cotas para pessoas com deficiência, o professor diz que é muito difícil entender se ela atinge o objetivo estipulado devido à vasta extensão territorial do Brasil. Para ele, cada região possui um contexto social específico, logo o mercado de trabalho nos grandes centros é muito diferente das regiões periféricas do País. Diante disso, Cardoso acredita ser difícil afirmar de forma objetiva se a cota é suficiente ou necessária para alcançar uma inclusão ideal, porque se esbarra em diversas questões difíceis de manipular com uma simples norma.
*Estagiário sob supervisão de Ferraz Junior e Rose Talamone
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