Terras indígenas são bens da União, mas usufruto é garantido pela Constituição

Thiago Marrara alerta para um ponto polêmico do projeto: o presidente pode pedir autorização para o Congresso mesmo à revelia das comunidades indígenas

 19/02/2020 - Publicado há 5 anos     Atualizado: 20/02/2020 às 11:17
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O projeto de lei para regulamentar a mineração e a geração de energia elétrica em terras indígenas abre a possibilidade de as aldeias explorarem as terras em outras atividades econômicas, como agricultura e turismo. A exploração mineral e hídrica está prevista na Constituição Federal, mas nunca foi regulamentada. Afinal, a quem pertence as terras indígenas?

Em entrevista ao Jornal da USP no Ar, o professor Thiago Marrara, da Faculdade Direito de Ribeirão da USP (FDRP), explica que à União, porque se trata de um bem público, de acordo com a Constituição Federal. Além disso, não podem sofrer usucapião ou direito à propriedade e estão sob usufruto permanente das comunidades indígenas, que utilizam essas terras para reproduzir seus modos de vida, sua cultura e seu bem estar.

Marrara diz que a lei constitucional é bastante rica em normas sobre o assunto, trata da demarcação, de requisitos para exploração de jazidas, recursos hídricos. Segundo ele, todas as jazidas minerais no país, estejam elas em terras indígenas ou em áreas privadas ou imóveis urbanos, fazem parte também do patrimônio da União. A Constituição tenta conciliar esta exploração com a necessidade de proteção das comunidades indígenas e determina a edição de uma lei regulamentando condições específicas, entre elas, que toda exploração necessita de autorização do Congresso.

No projeto do governo, segundo o professor, há um ponto polêmico, que diz que o presidente pode pedir autorização de exploração mesmo à revelia das comunidades indígenas. Mesmo com a autorização dos parlamentares, é preciso que as comunidades recebam uma participação da exploração do minério, além do pagamento do usufruto, que não está na Constituição. Para ele, é um ponto positivo desse projeto, pois reverte para a comunidade o resultado de uma exploração que hoje é ilegal. Um ponto negativo é a possibilidade de aumento dos conflitos nessas regiões, ainda que a proposta preveja uma consulta prévia às comunidades. Por fim, ele alerta para um dispositivo escondido no projeto, que autoriza o cultivo de produtos geneticamente modificados em áreas indígenas.

Também em entrevista ao Jornal da USP no Ar, Chirley Maria de Souza Almeida Santos, aluna da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, que pertence à etnia Pankará, de Pernambuco, primeira a ingressar na universidade por cota indígena, garante que as comunidades vão reagir com resistência ao projeto. Para ela, a proposta viola os direitos dos povos indígenas. Chirley faz parte de um mandato coletivo da Assembléia Legislativa de São Paulo e, como ativista, luta pelos direitos da comunidade. Ela lembra que essas terras sempre foram de interesse do garimpo e do agronegócio. Chirley garante que o projeto desrespeita convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário, e trata da consulta prévia aos povos indígenas, que já lutam contra o desmatamento e enfrentam conflitos.

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