Promover autonomia ao dependente químico, ao mesmo tempo que o responsabiliza, é a base da ‘redução de danos’, estratégia que reabilita, fazendo o doente perceber sua real condição de vida e saúde, sem que seja julgado. A abordagem terapêutica é reconhecida como alternativa para as técnicas tradicionais de tratamento de usuários de drogas lícitas ou ilícitas, como a estratégia de abstinência.
Natália Priolli Jora Pegoraro, doutora em enfermagem psiquiátrica pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP e enfermeira do Centro de Atenção Psicossocial a usuários de Álcool e outras Drogas (CAPS-AD II) de Ribeirão Preto, explica que ‘redução de danos’ é “um conjunto de políticas e programas estruturados com o propósito de reduzir as consequências adversas das drogas, do ponto de vista sanitário, social e econômico”.
Por isso, embora reconheça a abstinência como resultado ideal do tratamento para o dependente químico, mostrando ao indivíduo os riscos e malefícios do uso de drogas, Natália defende que cada indivíduo tem uma história única, limites e questões particulares que devem ser respeitados. E é essa a política da redução de danos ao defender os direitos desse usuário, promovendo autonomia ao permitir que decida o início e a maneira de seu tratamento.
Segundo a especialista, esse método pode ser aplicado por profissionais capacitados da área da saúde, da assistência social e da educação, que trabalham com usuários de substâncias. E, para tal, adianta Natália, é importante que o paciente seja informado dos objetivos e estratégias aplicados no tratamento. A abordagem, continua a enfermeira, compreende desde a abstinência até a redução do consumo de drogas; a substituição de substâncias mais danosas por outras menos nocivas é um exemplo de estratégia que pode ser adotada.
Natália garante que os redutores de danos facilitam o caminho para atendimentos de saúde, promovendo “acesso aos serviços de baixa exigência” como alternativa para as abordagens tradicionais, que possuem alto nível de exigência. “Muitas vezes, os usuários de substâncias perdem documentos, ou precisam de algum tipo de cadastro e não possuem”, o que torna inviável seu tratamento no momento de necessidade, explica a enfermeira.
Bons resultados na Cracolândia, mas sem incentivos federais
A estratégia de redução de danos foi incorporada pelo então programa De Braços Abertos (DBA), implementado pela Prefeitura do Município de São Paulo em janeiro de 2014. Como parte das políticas de redução de danos para usuários de crack e outras drogas na região do bairro da Luz, conhecida também como Cracolândia, o DBA consistia na oferta de refeições, acomodações, atividades remuneradas, além de mediação aos serviços de saúde para indivíduos identificados como “usuários de crack”. Revogado em maio do ano passado, o DBA foi substituído pelo programa Redenção.
Segundo os responsáveis pelo DBA, uma pesquisa de avaliação preliminar, realizada entre março e agosto de 2015 e divulgada pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), mostrou redução do consumo de crack em 65% dos participantes do programa, além da redução do consumo de tabaco e cocaína aspirada de mais de 50% dos usuários. Apesar dos resultados, a estratégia perdeu força no Brasil com a nova Política Nacional sobre Drogas (Pnad), instituída pelo decreto federal Nº 9.761 de 11 de abril de 2019, que não inclui a redução de danos, mesmo sendo objetivo da Pnad “promover a estratégia de busca de abstinência de drogas lícitas e ilícitas como um dos fatores de redução dos problemas sociais, econômicos e de saúde decorrentes do uso, do uso indevido e da dependência das drogas lícitas e ilícitas”.
Nesse contexto, o Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas (Sisnad) da Lei 11.343 de 2006 também sofreu alterações em 2019, com a Lei 13.840, sancionada em 5 de junho, que considera internação involuntária dos dependentes químicos e fortalece o papel das comunidades terapêuticas para o tratamento dos indivíduos. Diante desse cenário, Natália explica como a redução de danos ainda pode ter seu espaço e a falta de incentivo para a abordagem pode trazer desvantagens.
Leia mais sobre a nova Política Nacional sobre Drogas implementada em 2019 aqui.
Ouça no player acima a entrevista com Natália Priolli Jora Pegoraro ao Jornal da USP no Ar – Edição Regional.