Taxação dos serviços de streaming prevista em projeto de lei pode contribuir com a produção nacional

O fenômeno do streaming abriu espaço para outras formas de consumo e produção, na visão de Maria Cristina Mungioli

 20/12/2023 - Publicado há 5 meses
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Foto da audiência pública para discutir os PLs 2.331/2022 e 1.994/2023, que regulamentam serviços de streaming – Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

 

Um projeto de lei que prevê a cobrança da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine) aos serviços de streaming foi aprovado pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado. A iniciativa também exigirá uma mostra mínima de obras nacionais relativa ao número total de conteúdos disponibilizados pela plataforma.

A taxa, de até 3% da receita bruta anual, deverá ser aplicada, além dos streamings tradicionais, às plataformas de compartilhamento de conteúdos – como YouTube e TikTok – e àquelas que oferecem canais de televisão via on-line. As medidas se aplicarão para as empresas que oferecem seus serviços a usuários brasileiros, independentemente do local de sua sede. 

Seu principal objetivo é o estímulo do audiovisual brasileiro diante da explosão de produtos estrangeiros do streaming.  Maria Cristina Mungioli, professora da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, explica que, juntamente com as tecnologias, o streaming também impactou diversos aspectos do mercado e do consumo do audiovisual. Ela ainda avalia que o PL, caso aprovado e implementado na prática, contribuirá em grande medida com a produção fora do eixo Sudeste no País. 

Streaming e o audiovisual nacional

“No Brasil, há uma grande força da televisão linear, ou seja, TV aberta e paga”, aponta. Apesar da televisão tradicional ainda apresentar maioria na realidade nacional, a presença dos serviços de plataforma de streaming no Brasil, de acordo com a professora, apresenta uma importante tendência de inserção no mercado. 

Maria Cristina Mungioli – Foto: Arquivo Pessoal

A nova medida, discutida no Senado, apesar de críticas contrárias à taxação, pode promover um fortalecimento do mercado interno da produção audiovisual brasileira, na visão da professora. Ao contribuir com o desenvolvimento de produtos culturais brasileiros, o mercado de trabalho na área também pode ser beneficiado. 

As taxações podem proporcionar cerca de 30% dos recursos da Condecine para regiões no País em que a produção audiovisual não recebe tantos incentivos, como Norte, Nordeste e Centro-Oeste, conforme ressalta Maria Cristina. “Então, trata-se de uma política pública de incentivo à produção nacional de produtoras independentes de regiões em que o setor audiovisual precisa de incentivos para uma produção local mais robusta”, comenta. 

Maria Cristina também pontua as possíveis contribuições que o streaming tem oferecido às obras nacionais. Por exemplo, a distribuição de séries, filmes e documentários brasileiros promovida por uma grande plataforma – como a Netflix – favorece a difusão do conhecimento dessa obra brasileira no exterior, “a questão do produto brasileiro ganhar uma visibilidade internacional que antes não conseguia devido às formas de distribuição do audiovisual internacional”, explica. 

Consumo de conteúdos

O fenômeno do streaming faz parte de um conjunto de modificações tecnológicas que influenciaram a forma de consumir os produtos audiovisuais. As atuais formas de consumo, como as plataformas de streaming, relacionam-se às experiências anteriores na televisão e no cinema, que também estão relacionadas com dispositivos e mídias, como o DVD.

“As novas possibilidades de fruição dos conteúdos se desenvolveram não apenas devido ao avanço das tecnologias da comunicação por meio da internet, as práticas sociais de consumo possuem uma história que marca amplamente o século 20 e moldaram as formas de enxergar esse século”, discorre Maria Cristina. Uma série de fatores – que envolvem aspectos sociais e culturais em conjunto com a dinâmica da comunicação via internet – influenciou a forma de consumir esses conteúdos. 

A professora comenta que uma das principais mudanças no ato de assistir às obras audiovisuais contempla o chamado big watching, traduzido como “maratonar” conteúdos, muitas vezes inteiramente disponibilizados em algumas plataformas. “Geralmente, comparamos a liberdade que desfrutamos nessas plataformas para assistir ao conteúdo desejado, quando e como queremos, com a rigidez e impessoalidade da programação linear da televisão tradicional”, afirma. 

O fenômeno do streaming faz parte de um conjunto de modificações tecnológicas que influenciaram a forma de consumir os produtos audiovisuais – Foto: Karolina Grabowska/Pexels

Forma e conteúdo

De acordo com o estudioso Stuart Hall, todas as etapas do chamado circuito da comunicação estão em retroalimentação. Com isso, as mudanças tecnológicas, em termos de produção e distribuição de conteúdos audiovisuais, têm grande impacto nas formas de criação de conteúdo. 

“Na televisão brasileira, houve transformações importantes com a chegada do videotape na década de 1960. As telenovelas – transmitidas ao vivo, até então – puderam ser gravadas com antecedência e começaram a apresentar alterações no próprio formato, com a possibilidade de desenvolvimento de tramas e cenários mais elaborados”, exemplifica a professora. Na atualidade, o advento de disponibilizar todos os episódios de uma série, por exemplo, diminuiu a necessidade de ganchos no final de cada parte para manter o interesse da audiência. 

Um recurso que se tornou mais frequente, segundo Maria Cristina, é o uso de flashbacks para uma melhor construção da temporalidade nas obras. Outra questão acerca da produção atual refere-se à possibilidade de se assistir a conteúdos de diversos países, não apenas da América do Norte ou da Europa, como era e continua sendo comum no Brasil. 

Mesmo que ainda com um padrão de produção das plataformas de streaming, a professora destaca os benefícios de se consumir outras formas de ver as questões do mundo, a partir das perspectivas de outros países que antes não apareciam no circuito internacional. 

*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira


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