Revestimentos comestíveis prolongam vida útil de frutas e hortaliças da colheita até o consumo

Jaqueline de Oliveira explica que o produto utilizado vai ser consumido e não pode alterar cheiro, cor ou sabor

 Publicado: 24/07/2024
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A cera de carnaúba é amplamente utilizada para a proteção de cítricos como limão, laranjas e mangas, aumentando o brilho e mantendo a fruta hidratada – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

 

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A estrada entre o campo e a mesa do consumidor é longa. Segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU) para a Alimentação e Agricultura (FAO), cerca de um terço de toda a produção mundial de alimentos se perde antes de ser consumida. No Brasil, segundo a Associação Brasileira de Supermercados (Abras), cerca de 40 mil toneladas de alimentos são desperdiçadas todos os dias. Os supermercados brasileiros desperdiçam anualmente um montante com valor aproximado de R$1,3 bilhão. Em torno de 80% desses alimentos são perecíveis, com maior sensibilidade em relação a condições de temperatura, e se perdem mais facilmente nas estradas e armazéns. Entre eles estão frutas, legumes e hortaliças. Para mitigar essas perdas, pesquisadores e agrônomos vêm desenvolvendo tecnologias e soluções para prolongar a vida dos produtos agrícolas frescos pós colheita. Entre eles, se destacam os revestimentos comestíveis.

Maturação acelerada

Jacqueline de Oliveira – Foto: CV Lattes

“Frutas e hortaliças são alimentos que têm seus processos fisiológicos ativos após a colheita. São organismos ainda vivos. Eles ainda respiram, transpiram, perdem umidade para o ambiente. Ocorre ali também a produção do etileno, que é responsável pela maturação das frutas, por exemplo. Então ocorre uma série de processos biológicos ali que reduzem a vida útil do alimento”, explica a pesquisadora Jaqueline de Oliveira, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz.

Esses processos biológicos são os principais fatores que fazem com que o alimento se estrague mais rapidamente. Nas hortaliças, quanto maior a taxa de respiração da folha após a colheita, menor o tempo hábil para consumo. Brócolis e morango são exemplos de órgãos vegetais com alta taxa de respiração e duram apenas em torno de sete dias na geladeira. A produção e liberação de etileno é outro fator importante. O etileno é um hormônio produzido pelas plantas que estimula os processos de amadurecimento e abscisão (separação natural de órgãos vegetais da planta) de frutas e folhas. Ele desencadeia a quebra das fibras e do amido presente no vegetal, o que deixa a fruta macia e doce, além de decompor a clorofila da casca dos vegetais, mudando a coloração do verde ao amarelo ou avermelhado, como acontece com bananas e pimentões, por exemplo.

Revestimento e proteção

Os revestimentos comestíveis são uma alternativa sustentável de proteção que atuam tanto na proteção contra choques mecânicos no alimento quanto na redução da atividade biológica dos perecíveis. “Esses revestimentos são bases feitas de polímeros a partir de ingredientes naturais não tóxicos. Quando a gente fala em algo para revestir uma fruta, por exemplo, a gente tem que pensar que o produto vai ser consumido como parte do alimento, então ele não pode alterar o cheiro, cor ou sabor do alimento. Então, nós temos uma lista de ingredientes que entram como aditivos alimentares e que podem ser utilizados como recobrimentos comestíveis”, explica a Jaqueline.

O processo de criação dos recobrimentos é minucioso. A partir dos estudos, se identifica qual composto é eficaz para cada fruta. Os pesquisadores realizam um estudo aprofundado para cada caso com a formulação do composto e uma série de testes. “Depende muito do tipo de fruta que vamos proteger, cada casca se dá melhor com um tipo de recobrimento específico. Então é preciso um estudo técnico e científico para ver qual é o recobrimento que melhor se encaixa com aquela determinada fruta e hortaliça. Os caminhos são vários: proteínas, lipídios, polissacarídeos, há uma infinidade de ingredientes a serem utilizados.”

“No laboratório de frutas e hortaliças da Esalq nós desenvolvemos um dispositivo que funciona à base de carboximetilcelulose, que é um subproduto proveniente de uma matéria-prima abundante e barata que é a cana-de-açúcar. Então através desse polímero nós chegamos na fórmula de um recobrimento para a pós-colheita de morangos”, comenta.

Há algumas fórmulas que já são práticas consolidadas do mercado. A cera de carnaúba, extraída das folhas da palmeira da carnaubeira, espécie natural da região Nordeste, é amplamente utilizada para a proteção de cítricos como limão, laranjas e mangas, aumentando o brilho e mantendo a fruta hidratada. Existem pesquisas envolvendo a cera ainda mais ousadas. Em testes realizados pela Embrapa, com mamão, laranja, tangerina e tomate, a introdução da técnica da nanoemulsão na cera conseguiu preservar a qualidade e prolongar o tempo de vida dos frutos em uma média de 15 dias a mais em comparação com a versão convencional do composto.

A pesquisadora explica que a aplicação em escala comercial dos projetos é complexa. “Confesso que é muito desafiador trabalhar com esse tipo de projeto. No meu trabalho com morangos nós estamos trabalhando em como escalonar a produção e aplicação em condições industriais e temos expectativas de começar a adotar essa escala comercial. Mas a aplicação do material na prática é um desafio”, finaliza.

*Estagiário sob supervisão de Marcia Avanza e Cinderela Caldeira


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