Redes sociais intensificam julgamentos de casos criminais e linchamentos virtuais

Especialistas entendem que os “tribunais da internet” se originam de um comportamento social normal humano e podem impactar os julgamentos nos tribunais oficiais

 29/06/2022 - Publicado há 2 anos
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Casos rumorosos são comentados em massa em redes sociais como o Twitter e o Instagram – Fotomontagem de Guilherme Castro/Jornal da USP com imagens de Freepik, Flickr, Pxhere e Rawpixel
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Casos judiciais sempre instigaram a curiosidade e o fascínio de parte da população. Alguns julgamentos já foram transmitidos pela televisão ou via internet, e muitos crimes já foram adaptados para séries e filmes, como o do serial killer Ted Bundy ou, um exemplo brasileiro, o episódio Richthofen. Isso contribui para que tais acontecimentos sejam comentados e opinados pelas pessoas.

Antes da internet, as discussões se resumiam ao contato presencial em mesas de bar, reuniões de trabalho ou encontros familiares, por exemplo. Maico Costa, psicólogo pelo Acolhimento Integrado da Faculdade de Medicina da USP, explica que isso é um comportamento normal humano, o qual expressa o modo como a sociedade se constitui: “Esses episódios midiáticos são fenômenos sociais e, portanto, dizem respeito à maneira como a gente se relaciona, à forma como nos organizamos em sociedade”.  

Maico Costa – Foto: Currículo Lattes

Ele complementa: “O fato de podermos falar sobre algo que assistimos e acompanhamos, presenciamos, é a oportunidade de processarmos e elaborarmos algo que nos chamou atenção. E o que nos chama a atenção senão aquilo que percebemos que há em nós mesmos?”. 

Mas, com o crescimento do digital, esse comportamento parece se expandir e se intensificar. Os casos já são comentados em massa em redes sociais como o Twitter e o Instagram. E, no TikTok, o alcance de vídeos de pessoas opinando sobre o julgamento entre Johnny Depp e Amber Head, por exemplo, chega a dezenas de bilhões de visualizações, muito mais que a audiência de diversos noticiários da televisão americana.  

Esse processo cria um fenômeno que condensa o julgamento em dois júris: um do tribunal e um do público da internet. Dessa forma, qualquer pessoa pode se sentir detetive ou juiz. 

Segundo Costa, a internet cria um espaço de destaque para as pessoas que, antes da sua expansão, era bem menor. Ele diz que, “no palco magistral da internet”, todos podem se tornar famosos, opinar e decretar a validade de atos humanos: “Há uma judicialização da vida humana, um registro de convivialidade, uma prerrogativa para se habitar o espaço da internet. E cada vez mais esse espaço vai sendo codificado com leis que, muitas vezes, não são as leis humanas”.

Efeitos diversos

E como esse julgamento não oficial pode impactar o tribunal? O advogado de defesa no caso Isabella Nardoni contou ao portal Terra, que, para ele, o resultado do julgamento já estava resolvido antes mesmo do início do júri, tamanha a exposição do caso, e que essa foi apenas uma etapa formalmente cumprida, sem qualquer chance para a defesa. 

Maurício Stegemann Dieter – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

De acordo com o doutor em Criminologia e professor do Departamento de Direito Penal da USP, Maurício Stegemann Dieter, a figura do juiz, ao contrário dos “juízes da internet”, deve ser serena e tranquila, e não protagonista do processo. 

Não só os internautas podem se sentir como juízes, mas também como detetives, ao teorizar acontecimentos e apontar culpados. Em 2014, o desaparecimento de Elisa Lam, em Los Angeles, foi tão teorizado nas redes sociais a ponto de um novo alvo, Pablo Vergara, sem qualquer prova de seu envolvimento com a vítima, ser linchado virtualmente. 

O psicólogo retoma a discussão iniciada anteriormente com uma reflexão do ponto de vista da psicologia orientada por Marx e pela psicanálise: “Isso que muito odiamos no outro, apontando o dedo em riste e sentenciando os seus atos, pode dizer respeito àquilo que há de mais insuportável em nós mesmos e para o qual não conseguimos olhar ou escutar”.

Para Dieter, o Poder Legislativo precisa assegurar maior proteção prévia para dar mais impermeabilização a argumentos produzidos pelos meios de comunicação e pela revolta popular ao corpo de jurados dos tribunais. 


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