Professores passam a limpo a economia brasileira em “Diálogos na USP Especial”

O “Diálogos na USP” abordará, uma vez ao mês, temas considerados relevantes em um ano eleitoral

 06/04/2018 - Publicado há 7 anos
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Montagem sobre foto de Eduardo Coutinho / Flickr via Wikimedia Commons / CC BY-SA 2.0

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Uma parcela dos economistas brasileiros – do governo, principalmente – acredita piamente que o pior já passou: o País venceu a recessão e a economia voltou a crescer. Alguns números até podem comprovar essa tese, como o crescimento de 1% da economia em 2017 e uma estimativa de crescimento de 3% agora em 2018. Também há a perspectiva de a situação fiscal estar mais tranquila, com o cumprimento das metas, mesmo com a não votação da reforma da Previdência – uma questão essencial para o atual governo e que agora teve sua votação tirada de pauta. O Banco Central prevê recuperação consistente da economia para 2018.

Mas, apesar desse aparente otimismo, há alguns problemas no horizonte: a taxa de desemprego na casa dos 12% em fevereiro – ou seja, cerca de 12,7 milhões de brasileiros – não parece ser um dado animador. E, para especialistas, o problema não é 2018, mas sim 2019 – já com um novo governo empossado –,  quando se prevê a necessidade de um corte de 30 bilhões de reais para o cumprimento das metas econômicas do governo.

Justamente por se tratar de um tema que diz respeito a todos os brasileiros e determinante em um ano eleitoral, esta edição do Diálogos na USP tem um formato diferente e convidou, em vez de dois, como é comum, três professores para debater as questões que serão apresentadas pelos jornalistas Marcello Rollemberg e Luiz Roberto Serrano, da Superintendência de Comunicação  Social da USP. São eles os professores Otávio Pinto e Silva, da Faculdade de Direito da USP; Fernando Balbino Botelho, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP; e Alexandre de Freitas Barbosa, do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo, o IEB.

Fernando Botelho, Otávio Silva, Luiz Serrano e Alexandre Barbosa; apresentação Marcello Rollemberg – Foto: Marcos Santos / USP Imagens

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Marcello Rollemberg – Os senhores concordam com esses dados que foram apresentados aqui, no nosso início de programa? Se há motivos de otimismo ou pessimismo diante da economia brasileira e o que vem aí pela frente?

Fernando Botelho – Iniciamos em 2014 um ciclo recessivo, que foi um dos maiores ciclos recessivos em duração e em profundidade da história brasileira. E uma queda no produto brasileiro, no PIB, que mede as riquezas, o que é produzido no país, da ordem de 8%. Isso é típico de um país que está em guerra civil, ou algum tipo de convulsão social. Então, foi uma queda muito significativa que passamos em 2014, 15, 16… no ano de 2017 aparentemente chegamos ao fundo do poço. Porém, a recuperação é lenta e isso já era esperado, exatamente em função dessas incertezas políticas. Por quê? Para a economia crescer com um pouco mais de vigor, para a  gente ter realmente essa retomada a taxas mais significativas, que atendam aos anseios da sociedade brasileira, nós precisamos fazer mudanças, e essas mudanças requerem um certo capital político, uma certa legitimidade que falta nesse momento.

Alexandre Barbosa – Foto: Marcos Santos / USP Imagens

Marcello Rollemberg –  É um capital político que faz falta hoje, que o governo parece não ter, ou não tem mesmo.

Fernando Botelho – Então, sem isto a economia não avança e, de fato, a incerteza que você tem sobre a eleição deste ano, ou seja, o que pode acontecer em 2019, impede uma retomada mais forte da confiança e dos investimentos. Lembrando, fizemos alguns progressos nesse período. Saímos de uma taxa de inflação, em 2015, acima de 10% e hoje temos uma taxa civilizada. Houve alguns avanços, houve algumas melhoras, porém, já estamos no fundo do poço e está difícil sair.

Marcello Rollemberg – Treze milhões de desempregados é uma taxa muito alta, não é?

Otávio Silva – É uma taxa muito alta, e o que é preciso assinalar é que o governo, no ano passado, apresentou ao Congresso Nacional a reforma trabalhista. Essa reforma vinha como uma promessa de melhoria no quadro dos empregos, que haveria uma maior flexibilidade no quadro dos trabalhos e que isso teria um reflexo positivo na geração dos novos postos de trabalho. E os primeiros meses desmentem esse pensamento inicial aí. Porque, na verdade, nós estamos atravessando um momento de muita insegurança jurídica. Nós estamos às vésperas de vencer uma medida provisória, que faria uma reforma da reforma, e o Congresso simplesmente não a votou. Então, nós estamos em um momento em que, no campo da geração de empregos, a reforma trabalhista em nada, até agora, auxiliou.

Marcello Rollemberg – Sim, é extremamente tíbia, dentro do que a população quer na verdade, de ações concretas. De reverter esse quadro.

Otávio Silva – Sim, porque, na verdade, você tem aqui uma série de medidas que foram adotadas como, por exemplo, a criação do contrato de trabalho intermitente, que seria uma maneira mais simples de contratação de trabalhadores, mas que, na prática, não resulta num aumento de postos de trabalho verdadeiramente efetivo. Quer dizer, nós estamos então diante de uma situação em que postos de trabalho mais precários são criados, mas empregos com carteira assinada, não.

Otávio Silva – Foto: Marcos Santos / USP Imagens

Luiz Roberto Serrano – Geralmente, quando há uma taxa de desemprego evoluindo, é em cima de empregos informais. Não é em cima de empregos formais.

Otávio – Muito mais empregos informais e algo que foi muito incentivado pela reforma trabalhista. Por exemplo, a contratação de PJ – pessoa jurídica – e não como empregado com registro em carteira.

Luiz Roberto Serrano – Eu queria colocar que nós estamos em um ano eleitoral. E o resultado da eleição vai delinear como deve ser o País nos próximos quatro anos e até mais. Quais, do ponto de vista dos senhores, são as questões centrais sobre economia que devem ser discutidas nesta eleição?

Fernando Botelho – Eu acharia muito importante nesta eleição se colocar a questão da reforma da Previdência. Essa é a chave do orçamento público, é o principal gasto primário, gasto corrente da administração pública, são as pensões e aposentadorias, principalmente do setor público. E acho que este é o momento de discutirmos esta reforma, ou possibilidades de reformas, mas enfatizo isso: é importante ter o diagnóstico claro de onde nós estamos. Sem os maniqueísmos, sem as magias que se colocaram por aí. Acho que é uma questão central importantíssima, e que se ela fosse aprovada agora, neste governo interino, talvez não tivesse a legitimidade que um governo eleito, e que colocasse isso na sua agenda, teria para aprová-la. Eu diria que isso é central.

Marcello Rollemberg – O senhor concorda, professor Otávio?

Otávio Silva – Concordo. Acho que tem sim que ser colocado na mesa o tema da reforma da Previdência. Mas é preciso que isso aconteça num governo com legitimidade, que não é o caso do governo atual. Por isso, não conseguiu avançar. Mas eu diria mais, não é apenas nesse ponto, nós precisamos também discutir a fundo uma reforma sindical no Brasil. Quer dizer, nós fizemos aqui uma tal reforma trabalhista sem mexer no sistema de organização sindical, que vem do tempo do Getúlio Vargas. Quer dizer, a única mexida sistemática que foi feita ali é relativa à contribuição sindical compulsória, que foi retirada. Quer dizer, asfixiaram os sindicatos, que não têm mais uma receita garantida pela contribuição compulsória, mas não mexeram no sistema de organização sindical por categorias. Não mexeram no problema do sindicato único por categoria. Não falaram na questão da limitação territorial do município para atuação do sindicato.

Luiz Roberto Serrano – Foto: Marcos Santos / USP Imagens

Marcello Rollemberg – Não mexeram, não tocaram nesse assunto por quê?

Otávio Silva – Há uma falta de interesse até de uma parcela do movimento sindical em colocar o dedo na ferida. O sistema brasileiro é um sistema que não está, não garante a liberdade sindical. A Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho assegura a liberdade sindical e diz que cabe aos trabalhadores definir como vão se constituir as suas entidades sindicais. Ora, o Brasil não ratificou a Convenção 87.

E não ratificou por quê? A nossa Constituição, no artigo oitavo, estabelece critérios para a organização sindical que não estão em consonância com a Convenção 87. Ora, isso é fundamental. Não adianta falar em prevalência do negociado sobre o legislado, como foi feito nessa reforma trabalhista, sem mudar o sistema de organização sindical.

Fernando Botelho –  Eu acho que esse é um ponto crítico. É importante ressaltar que a literatura internacional aponta que há um enfraquecimento de sindicatos, como aconteceu na Inglaterra, e nos Estados Unidos durante os anos Reagan, por questões deliberadas de política ou por própria modificação no mundo do trabalho. Isso provoca agravamento na distribuição de renda, tem várias consequências negativas. Então, é importante a gente ter realmente sindicatos fortes, que representem de forma genuína o direito dos trabalhadores e que estes participem dos sindicatos. Eu acho que o governo não atacou este problema exatamente por ele estar inscrito na Constituição. Então, ele precisaria de uma reforma constitucional, por isso não foi colocado. Mas é importante que a gente tenha, sim, sindicatos representativos, bem atuantes e financiados pelos trabalhadores.

Marcello Rollemberg – É isso, professor Alexandre? Quer dizer, é essa pulverização, inclusive de sindicatos. Tem vários sindicatos para a mesma categoria. Isso acaba pulverizando e enfraquecendo a própria categoria. É verdade isso?

Alexandre Barbosa – Eu acho que o professor Otávio foi muito feliz na fala. Eu acho até que nós temos aqui um consenso nesse ponto. Eu diria, inclusive, que essa foi uma das grandes fragilidades do governo Lula. O governo Lula, o PT e a CUT  são entidades políticas que surgem com o compromisso de fazer uma reforma sindical. E, no governo do presidente operário, eu não vi essa reforma sindical. E aí você teve um impasse. A reforma trabalhista foi vendida como uma forma de aumentar a produtividade do trabalho.

Fernando Botelho – Foto: Marcos Santos / USP Imagens

Eu vejo os economistas do mercado financeiro falando todo dia isso nos grandes jornalões da nossa imprensa, que é onde eles aparecem… e é até bom ter a Rádio USP aqui, por que ela assegura a pluralidade de visões. Não existe nenhuma relação entre essa reforma trabalhista e o aumento da produtividade do trabalho, porque deveria ter justamente um fortalecimento das entidades sindicais para que isto acontecesse. E essa reforma  acaba com o imposto sindical, ela cria uma miríade de contratos, inclusive na rescisão do trabalho; eu posso fazer a rescisão do contrato do trabalho  diretamente no RH da empresa.

Para ouvir a íntegra do Diálogos na USP Especial, que tratou do mercado de trabalho e da conjuntura econômica, basta clicar no player cima. O Diálogos na USP é uma produção do Departamento de Jornalismo da Rádio USP; nesta edição, os trabalhos técnicos foram de Dagoberto Alves.


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