O preenchimento obrigatório de campos como gênero e nome de registro na nova Carteira de Identidade Nacional (CIN) pode gerar situações de constrangimento para a população LGBTQIA+ no Brasil, questão que tem gerado críticas das entidades que defendem essa parcela da população. Em vigor desde agosto deste ano, o novo documento substitui gradativamente o atual RG e passa a utilizar o CPF como registro geral, único e válido, em todo o território nacional.
Instituída pelo Decreto 10.977 de 23 fevereiro de 2022, a CIN determina que informações como sexo e o nome de registro acima do nome social sejam inclusas. Segundo Vinicius Alexandre, coordenador do Grupo de Ação e Pesquisa em Diversidade Sexual e de Gênero (Videverso) da USP, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP), pessoas trans que não fizeram a ratificação do documento, ou seja, o processo de troca de nome e gênero no cartório, são as que mais sofrem com a coexistência dos nomes na Carteira de Identidade Nacional.
Na opinião de Alexandre, a obrigatoriedade dessas informações no documento passa por “construções sociais” e é um “reflexo de como a sociedade é baseada na questão binária, onde apenas os gêneros masculino e feminino são aceitos”. O coordenador acredita que “o gênero não seria necessário no quesito da documentação, e acaba sendo parte determinante da identidade do indivíduo”.
De acordo com dados do Grupo Gay da Bahia (GGB), em parceria com a Aliança Nacional LGBTI+, o Brasil é o país que mais mata pessoas LGBTQIA+, com uma média de uma morte a cada 29h. “Dependendo de quem tem acesso a essas informações, a pessoa trans fica vulnerável, podendo chegar a situações de agressão moral, física e até a morte”, expõe Alexandre. O coordenador cita, como exemplo, mulheres trans que são presas em presídios masculinos por conta do gênero declarado no documento. Todos esses problemas, na análise de Alexandre, “geram situações de constrangimento para a população trans brasileira, e mostram como a questão da documentação é extremamente fundamental”.
A Carteira de Identidade Nacional
Mesmo com as dificuldades para a população trans, na visão de Luiz Spricigo Júnior, coordenador-geral de Planejamento, Inovação e Integração de Tecnologia da Informação e Comunicação para Segurança Pública do Ministério da Justiça e Segurança Pública, “a CIN tenta resolver um problema de mais de 40 anos, que é integrar uma única base para todos os Estados, através do CPF, e ainda traz melhorias na segurança e na disponibilização de políticas públicas a partir da base de dados unificados”. A concentração de dados e informações de registro dos brasileiros em um único banco auxilia na compreensão de estatísticas e criação de gráficos, aumentando o nível informacional necessário para a criação de políticas públicas em todas as esferas sociais.
Em vigor desde 4 de agosto, a nova Carteira de Identidade Nacional vai unificar os números de registros de todos os Estados brasileiros e integrar o mesmo sistema em todo o território do País. Os Estados do Acre, Pernambuco, Goiás, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, além do Distrito Federal, estão aptos a emitir o novo documento. São Paulo e os demais Estados brasileiros começam a emitir a CIN até março do ano que vem. Serão dez anos de transição, portanto, o RG atual segue valendo até 2032.
A Carteira de Identidade Nacional terá duas versões: física e digital, com a presença de um QR Code que possibilita a checagem da autenticidade do documento, se possui registros de furtos ou crimes associados ao registro. Por trás do QR Code, segundo Spricigo, “a CIN carrega uma base que congrega todas as informações, que serão depuradas com dados cruzados do Ministério da Justiça e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), para saber se aquele cidadão, com aquele CPF, é realmente o dono do documento em posse”.
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