Desgaste físico e emocional de atletas marca “maratona” do futebol brasileiro

Segundo Alberto Aguilar Cortez, com times chegando a jogar uma vez a cada três dias, sem férias e sem pré-temporada, impactos aparecem física e emocionalmente

 28/05/2021 - Publicado há 3 anos
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Os esforços de um jogo de futebol exigem idealmente 72h de recuperação física por parte de um atleta – Foto: Fotos Públicas

 

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Para conter os avanços do coronavírus, o futebol brasileiro, assim como o de outros países, foi paralisado em 2020. O tempo médio de interrupção de todas as atividades, incluindo treinos e jogos, foi de quatro meses. Em 2021, o mesmo aconteceu, mas por semanas. Com a interrupção, o calendário, tanto do ano passado quanto deste, teve de ser comprimido de modo a acomodar a mesma quantidade de jogos em um período de tempo menor. Os impactos aparecem principalmente na parte física dos atletas.

Especialistas apontam que os esforços de um jogo de futebol exigem idealmente 72h de recuperação física por parte de um atleta. Após a paralisação pela pandemia, não foi difícil ver um mesmo time jogar três vezes em uma mesma semana. “A estafa pela sequência de jogos é muito grande, e aí, junto a isso tem o lado emocional, o lado psicológico. O jogador não vai bem em uma partida, ele não tem tempo de se recuperar emocionalmente”, analisa o professor Alberto Aguilar Cortez, da Escola de Educação Física e Esporte da USP.

O resultado pôde ser comprovado em números: entre agosto e outubro de 2020, meses que marcaram o começo da retomada do futebol brasileiro pós-pandemia, as lesões aumentaram em 46%, comparando com o mesmo período de 2019. Os dados se referem aos 20 times do Campeonato Brasileiro e vêm de um levantamento do Globo Esporte.

Com a fadiga física e emocional, já explicada pelo professor Cortez, recursos técnicos do jogador, como um passe ou um drible, podem ser afetados, o que acarreta novas lesões. “O que acontece quando o jogador erra o passe? Ele coloca em situação de risco o companheiro que recebe o passe, porque a bola não chega com a força e com a direção correta. O jogador é obrigado a dividi-la com o opositor e isso provoca choques e contusões mais frequentes.”

Vale lembrar que tudo isso acontece durante o período de pandemia, em que o risco de os jogadores serem contaminados pelo coronavírus, apesar de baixo, ainda existe. Hoje, quando algum atleta testa positivo, ele deve ficar pelo menos dez dias afastado das atividades. “Além de não poder jogar, ficarem privados dos treinamentos, eles voltam já em uma situação em que são colocados rapidamente, tenta-se colocar de forma rápida para que eles possam jogar nas partidas seguintes.”

Também há a questão dos próprios sintomas que podem aparecer no coração em casos mais graves de covid-19: “Tem efeitos colaterais, muitas vezes, pessoas têm problemas cardíacos, miocardite, e isso aí faz com que o atleta tenha que ficar mais tempo afastado”, conta o professor Cortez.

Um calendário mais apertado implicou na ausência de períodos de férias e pré-temporadas, momentos importantes para o recondicionamento físico dos atletas. “As férias são importantíssimas. Privar um indivíduo de férias, de relaxar, de sair daquele ambiente de futebol, sair daquele grupo com quem ele convive em viagens, concentrações, jogos, tudo, é muito importante. Aí vem isso além de tudo, a falta da pré-temporada”, explica o professor Cortez.

Já durante a temporada, com times chegando a jogar quase 80 vezes – o Palmeiras, por exemplo, jogou 77 -, os clubes também enfrentam os deslocamentos tanto a nível internacional quanto nacional, isso em um país de dimensões continentais. 

O professor Cortez conta que já tentou, junto à Escola de Educação Física e Esporte da USP, a realização de atividades com seus alunos para propor um calendário mais elaborado e saudável fisicamente, que considerasse o desgaste causado pelos deslocamentos. Projetos foram apresentados para a Federação Paulista de Futebol, mas não avançaram. “Nós propusemos aos alunos uma sugestão de calendário levando em consideração esse aspecto do tamanho do Brasil, em que os deslocamentos provocam muito cansaço. As viagens são outros fatores estressantes, muito jogador não gosta de viajar de avião, tem medo, aeroportos e depois do jogo ainda”, relata o professor.

Assim, com as mudanças no calendário forçadas pela pandemia, torna-se necessário rever a influência que elas têm sobre os atletas de um esporte de alto rendimento como é futebol, de modo a preservar o aspecto físico e técnico do espetáculo.


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