Um plano para compreender e combater o lixo no mar

Por Alexander Turra, professor do Instituto Oceanográfico (IO) da USP, e Tássia Biazon, pesquisadora da Cátedra Unesco para a Sustentabilidade do Oceano

 04/03/2021 - Publicado há 4 anos
Alexander Turra – Foto: Acervo pessoal
Tássia Biazon – Foto: Arquivo pessoal
Visíveis ou invisíveis. Muito ou pouco. Ao norte ou ao sul. Lá estão eles: os poluentes do oceano.

Somado a outros problemas complexos, como o aumento do uso dos recursos naturais (sobrepesca e espécies em extinção) e dos impactos das mudanças climáticas (aquecimento, acidificação e elevação do nível do mar), a poluição marinha tem um cenário cada vez mais desolador: esgoto (doméstico, industrial), metais pesados (chumbo, mercúrio), fertilizantes agrícolas, fármacos (anticoncepcionais, antidepressivos), derivados de petróleo (óleos, combustíveis) e o lixo (pneu, plástico), que cedo ou tarde chegam às águas do mar.

O lixo que chega ao oceano é um dos problemas mais visíveis. E, ainda assim, podemos não vê-lo, pois 80% do que já chegou ao mar está submerso, depositado no fundo do oceano. Além disso, há cada vez mais partículas de tamanhos diminutos que não vemos – os microplásticos. Na verdade, o lixo já está presente nos lugares mais remotos do planeta, como pequenas ilhas, nos pontos mais profundos do oceano e nas regiões polares.

Uma vez que praticamente toda atividade humana gera algum tipo de resíduo, com quase 8 bilhões de pessoas no mundo e padrões de consumo cada vez mais insustentáveis, um dos desafios da sociedade contemporânea é lidar com o lixo gerado dia após dia. Com variadas formas e destinos, a maior parte do lixo no mar (80%) tem origem nas atividades em terra. Enquanto você lê este artigo, toneladas de lixo entram no oceano no mundo todo. O lixo no mar, definido como qualquer material sólido persistente, processado ou manufaturado, que é descartado ou perdido e chega ao ambiente costeiro e marinho, é composto predominantemente de itens plásticos, que são muito persistentes no ambiente.

O lixo no mar é um problema global, transversal, complexo, crescente e impactante. Mas o que fazer para mudar essa realidade? Ações internacionais, nacionais e locais estão acontecendo, seja no âmbito da sociedade quanto dos governos. Os desafios são imensos, como identificar a origem e o destino do lixo, prevenir sua chegada ao mar, mensurar sua quantidade e remover o que já chegou até ele. E isso deve ser discutido de forma integrada entre diferentes atores da sociedade, como poder público, iniciativa privada e sociedade civil.

Em nível internacional há movimentos fortes e organizados para combater o problema. Entre os diferentes Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estipulados pela Organização das Nações Unidas (ONU), está a meta de “até 2025, prevenir e reduzir significativamente a poluição marinha de todos os tipos, especialmente a advinda de atividades terrestres, incluindo detritos marinhos e a poluição por nutrientes”. Nesse contexto, um aspecto transversal deve ser considerado: utilizar o melhor conhecimento disponível na tomada de decisão.

Segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (ONU Ambiente) e o relatório do Grupo de Especialistas em Aspectos Científicos da Poluição Marinha (Gesamp), quantificar o lixo no ambiente marinho é urgente, mas não é uma tarefa simples. Para compreender as origens, os destinos e os impactos do lixo são necessários métodos internacionalmente reconhecidos, recursos humanos e financeiros, mas, principalmente, uma clareza quanto aos objetivos de um programa de monitoramento e avaliação do lixo no mar. Esse último aspecto deve ser potencializado pela integração entre os diferentes grupos de interesse envolvidos na temática.

Como uma iniciativa inovadora no mundo, que começou em 2019 e foi lançada em janeiro de 2021, o Estado de São Paulo está criando uma base de informações qualificadas para monitorar e avaliar o problema do lixo no mar ao longo de seus quase 900 km de extensão de linha de costa. O Plano Estratégico de Monitoramento e Avaliação do Lixo no Mar do Estado de São Paulo (Pemalm) foi desenvolvido a partir de uma parceria entre o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio) e a Cátedra da Unesco para a Sustentabilidade do Oceano, no âmbito do Instituto de Estudos Avançados e do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo, e a Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente do Estado de São Paulo, com financiamento da Embaixada da Noruega.

Somado à Lei nº 12.300/2006, que instituiu a Política Estadual de Resíduos Sólidos, base para o Plano de Resíduos Sólidos do Estado de São Paulo (2014), o Pemalm tem como objetivos promover instrumentos e ações de monitoramento e avaliação do lixo no mar; contribuir com a estruturação da governança e da gestão do lixo no mar no Estado; contribuir com a redução da poluição marinha; colaborar com o desenvolvimento da Década das Nações Unidas da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável (2021-2030); e subsidiar a elaboração do plano de combate ao lixo no mar do Estado.

Considerando que o lixo é um problema que diz respeito a todos, o Pemalm foi construído por meio de uma ação participativa e colaborativa, em um processo dialético e problematizador, que contou com o engajamento de diferentes atores sociais no diagnóstico do problema. A partir de diversas reuniões e dois workshops, o foco e a estrutura do plano foram definidos de forma conscienciosa.

Diversos materiais de comunicação, como textos, vídeos, animações e um documentário, estão disponíveis na página do projeto para disseminação da temática, mas também para que a experiência de construção do Pemalm possa ser compreendida e adaptada a outras realidades. O plano, com versões também em inglês e espanhol, propõe indicadores de geração, exposição e efeito do lixo no mar, além de uma estratégia de monitoramento e avaliação desse contaminante para o Estado de São Paulo. Com isso, o plano pretende gerar subsídios para a elaboração de um Plano de Combate ao Lixo no Mar, associado às estratégias de monitoramento e avaliação do mesmo.

Como desdobramento dessa parceria multi-institucional é prevista a disseminação do plano como um modelo a ser adaptado nos outros 16 estados costeiros brasileiros e, posteriormente, para os demais países da América Latina. Com esse esforço e essa abrangência pretende-se contribuir com a criação de redes de conhecimento para a ação em diferentes escalas geográficas e políticas, de municípios, estados e países a regiões do planeta, conectadas à Plataforma Digital da Parceria Global sobre Lixo no Mar, coordenada pela ONU Ambiente, e que está sendo lançada nesta semana.

Com sólidas bases científicas e engajamento da sociedade, a necessidade de combate ao lixo no mar convida a todos para uma busca por ações que iluminem e pavimentem os caminhos para um oceano limpo, saudável e produtivo, como preconizado pela Década do Oceano.


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