Professoras e professores de universidades brasileiras se mobilizam em defesa da Palestina

Por Everaldo de Oliveira Andrade e Adma Muhana, professores da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP

 15/03/2024 - Publicado há 1 mês
Everaldo de Oliveira Andrade – Foto: Reprodução/FFLCH-USP
Adma Muhana – Foto: Arquivo pessoal

 

Docentes de dezenas de universidades brasileiras, com a participação de professores da USP, se mobilizaram nas últimas semanas pela criação de uma Rede Nacional de Solidariedade ao Povo Palestino. A motivação imediata foram os acontecimentos das últimas semanas e meses na Palestina, com massacres indiscriminados e sistemáticos de milhares de crianças e mulheres pelas tropas do Estado de Israel, o que tem impulsionado uma onda de indignação que se reflete em diferentes partes do mundo.

Um dos primeiros atos da rede foi a divulgação de um manifesto inicial da rede universitária, que informa sobre os propósitos da iniciativa:

A solidariedade ao povo palestino é uma imprescritível responsabilidade moral e intelectual que se impõe às docentes e aos docentes universitários que têm convicções democráticas, humanistas, críticas e defendem a autodeterminação dos povos.

O documento convoca professores e professoras a se organizarem em comitês que promovam ações diversas:

[…] debates políticos (presenciais e virtuais) com pesquisadores e ativistas, atividades artísticas (musicais, teatrais, exibição de filmes) que contribuam para que a comunidade acadêmica – docentes, estudantes e funcionários – seja devidamente esclarecida e sensibilizada pela histórica opressão enfrentada pelo povo palestino e pelo brutal massacre a que está sendo submetido. Para a realização destas iniciativas, certamente, devemos buscar o apoio das entidades docentes que nos representam política e sindicalmente.

O texto também explicita alguns posicionamentos do coletivo:

Reiteramos que esta Rede Universitária buscará se associar a todas as entidades democráticas e progressistas da sociedade civil que têm organizado manifestações (atos e debates públicos) em todo o país, defendendo o imediato Cessar-Fogo na Faixa de Gaza e na Cisjordânia, condição decisiva para estancar o processo de genocídio na região, promovido pelas forças armadas do Estado de Israel.
• Neste sentido, não podemos senão reconhecer as iniciativas da atual política externa brasileira em relação ao conflito em curso. Entre elas: a) a atuação de nossa diplomacia, que, no exercício da presidência do Conselho de Segurança da ONU, se empenhou para promover uma solução para a guerra contra o povo palestino; b) a decisão do governo brasileiro – juntamente com outros países – de se solidarizar com a petição da África do Sul de acionar a Corte Internacional de Justiça, em Haia, para que determine que Israel cesse imediatamente todos os atos e medidas que possam constituir genocídio ou crimes relacionados nos termos da Convenção de Genocídio; c) saudamos a decisão do governo brasileiro de suspender os acordos militares firmados com Israel durante o governo Bolsonaro, e instamos a que todos os contratos militares e de segurança vigentes com Israel sejam revogados dada a continuidade dos atrozes crimes de guerra contra o povo palestino e os prováveis crimes contra a humanidade ora praticados;
• Em defesa da liberdade de expressão e exercício do pensamento crítico, não podemos senão repudiar todas as ostensivas iniciativas de agências sionistas no Brasil que, na mídia e nas redes sociais, visam censurar o debate público e criminalizar docentes, estudantes, intelectuais, políticos, jornalistas, artistas e escritores brasileiros. Em franca oposição à política de terror do Estado de Israel, tais críticos, reiteradamente, têm sido acusados de antissemitas. Política e intelectualmente desonesta e fraudulenta, a acusação se fundamenta na lógica tortuosa e na má fé com que identificam judaísmo e sionismo. Aos acadêmicos e intelectuais críticos cabe a permanente tarefa de repudiar esta falsificação histórica e teocrática do sionismo em todo o mundo, que consiste em identificar o antissionismo a uma ação antissemita: falsificação esta que vem, desde pelo menos 2016, quando a IHRA (International Holocaust Remembrance Alliance) lançou a sua “nova definição do antissemitismo”. Não aceitamos que se confundam as políticas de um governo ou as práticas de um regime, com qualquer etnia ou religião. O antissemitismo assim como a islamofobia e o racismo devem ser combatidos incansavelmente.
• Embora suscitem bastante polêmica dentro das universidades e centros de pesquisas do país, entendemos que as propostas do movimento mundial de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) – defendendo o boicote a bens produzidos em Israel e às suas instituições culturais e acadêmicas – devem integrar nossa específica pauta de lutas na universidade. Reconhecido como um valioso instrumento na luta não violenta contra o apartheid – na medida em que busca fragilizar o governo de Israel e constranger internacionalmente seus aliados e financiadores –, julgamos que devemos questionar a existência de convênios culturais e acadêmicos que algumas universidades brasileiras mantêm com entidades privadas e oficiais de Israel. O boicote às academias não se estende aos docentes e pesquisadores, que não devem ser punidos pelas ações do Estado e de suas instituições, e que, muitas vezes, são solidários à luta de libertação nacional do povo palestino.

E finaliza deixando clara a “defesa de uma sociedade livre de todas as formas de opressão e discriminação, […] pelo fim da ocupação dos territórios palestinos da Cisjordânia e Faixa de Gaza e contra o regime de apartheid, por um futuro comum, democrático, laico e de paz em toda a região”.

O texto ainda está aberto a adesões dos interessados. Na USP, as primeiras adesões contam com os nomes dos professores e das professoras: Adma Fadul Muhana, Adrián Pablo Fanjul, Angela Kaysel Cruz, Annie Schmaltz Hsiou, Antonio Domingues dos Santos, Arlene Clemesha, Cristina Freire, Dennis de Oliveira, Elisabetta Santoro, Everaldo de Oliveira Andrade, Gloria da Anunciação Alves, Heloisa Buarque de Almeida, Jean Pierre Chauvin, Jorge Luiz Souto Maior, Klara Kaiser Mori, Leda Maria Paulani, Leda Verdiani Tfouni, Lucas Melo, Luciana Raccanello Storto, Luiz Bernardo Pericás, Luiz Roncari, Lynn Mario de Souza, Marcelo Giordan Santos, Marcia Carvalho de Abreu Fantini, Marcio Suzuki, Marcos Barbosa de Oliveira, Maria Clotilde Rossetti Ferreira, Maria de Lourdes Zuquim, Maria Gamboa M, Maria Helena Hunziker, Mariana Pereira Massafera, Marilena Chaui, Mario Cesar Lugarinho, Michel Sleiman, Miriam Debieux, Oliver Tolle, Osvaldo Coggiola, Paula Marcelino, Paulo Borba Casella, Paulo Henrique Fernandes Silveira, Rafael Padial, Ricardo Rodrigues Teixeira, Rose Satiko Gitirana Hikiji, Sandra Regina Chaves Nunes, Sean Purdy, Sebastião C. Squirra, Vera Telles, Viviana Bosi, Vladimir Safatle.

A rede também lançou no dia 19 de fevereiro uma nota de apoio às declarações do presidente Lula:

“Que a memória do Holocausto sirva para condenar todos os genocídios, inclusive o palestino, e sirva para dizer, como fez o Presidente Lula, nunca mais com nenhum povo!”

A fundação dessa rede nacional, da qual fazem parte tantos docentes da Universidade de São Paulo, bem como os documentos aprovados recentemente pela Congregação da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, revelam a consciência crescente dentro da USP por uma posição de repúdio às ações do Estado de Israel contra o povo palestino e a necessidade de promover iniciativas em sua solidariedade.

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