Por que “advocacy” para áreas verdes urbanas?

Por Ivan Carlos Maglio, pesquisador do programa Cidades Globais do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, Pedro Roberto Jacobi, professor sênior do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) e do IEA-USP, e Vivian Aparecida Blaso Souza Soares César, pesquisadora do Cidades Globais do IEA-USP

 29/10/2020 - Publicado há 4 anos

 

“Precisamos criar culturas de vida. Conscientes de que somos todos do mesmo planeta.”

Vandana Shivam

 

Ivan Carlos Maglio – Foto: Arquivo pessoal

 

Pedro Roberto Jacobi – Foto: IEA

 

Vivian Aparecida Blaso Souza Soares César – Foto: IEA

 

No Brasil, o termo advocacy ainda é pouco conhecido como prática de ação planejada e estratégica de grupos em torno de causas de interesse comum, e por vezes ainda é associado com as ações de lobby, que ganhou no Brasil uma conotação duvidosa, por sua associação com as ações relacionadas à defesa de interesses de empresas privadas, bem como aos escândalos recentes envolvendo empresas privadas, políticos e membros de governos em ações coordenadas de corrupção, como foi amplamente noticiado por meio da chamada Operação Lava Jato.

Advocacy, por sua vez, é outro termo do idioma inglês, frequentemente apropriado por ONGs e movimentos sociais, para designar um estilo próprio de defesa de interesses, que estaria voltado para a promoção do bem público e de grandes causas sociais (direitos humanos, meio ambiente, erradicação do trabalho escravo e infantil etc.), distinguindo-o da defesa de interesses particularistas.

Colocando as coisas no lugar, o lobby é um tipo de ação direta, e a advocacy é um conjunto de ações indiretas sobre determinado tomador de decisões, mas ambos são processos-chave para dinamizar a construção de políticas de interesse público por meio das interações entre grupos de interesse comum com setores governamentais do Executivo ou Legislativo e tratam das formas de diálogo entre os tomadores de decisão e a sociedade civil no campo das políticas públicas.

Ao falarmos de advocacy, o foco é o de uma atividade cuja finalidade é influenciar decisões, práticas, políticas e comportamentos que contribuam coletivamente para a sociedade. Muitas vezes, é confundido com ativismo ou campanhas de mobilização da opinião pública. Advocacy prioriza o planejamento e a ação coordenada, pautada por objetivos claros que intencionam uma transformação nas políticas públicas.

De acordo com Andrea Gozetto, no Guia para construção de estratégias de Advocacy: como influenciar políticas públicas, de 2019, planejar uma estratégia de advocacy ajuda a minimizar riscos e maximizar oportunidades de curto, médio e longo prazo, considerando as diversas partes interessadas no processo, evitando desgastes e sobreposições desnecessárias, além de coordenar de maneira orgânica e sistematizada ações para chegar ao objetivo final proposto pela estratégia desenhada.

Visto dessa forma, advocacy é um tipo de ação política, organizada, planejada e realizada principalmente por organizações da sociedade civil, independentemente de mandatos políticos. A ênfase é no engajamento e mobilização da opinião pública em torno de uma causa, para influenciar tomadores de decisão a receber e a considerar demandas legítimas e relevantes da sociedade.

Pautas de interesses comuns da sociedade, como, por exemplo, a defesa e a necessidade de ampliação dos parques e áreas verdes urbanos e das unidades de conservação, vêm ganhando espaço. Isso se dá principalmente por meio da mídia, como em discussões públicas, e de organizações da sociedade civil, atreladas a movimentos sociais que vêm reivindicando desde o cumprimento da legislação e de práticas ambientais sustentáveis até a inclusão de novas regras e demandas nas legislações vigentes.

Geralmente, essas organizações que fazem advocacy, a exemplo do Greenpeace, ganham o respaldo social em função das lutas e da notoriedade com os diversos públicos de interesse, como a imprensa, os cidadãos e até mesmo de empresas privadas que defendem os mesmos interesses em torno de determinada causa comum relacionada à proteção ambiental e à busca de sustentabilidade nas políticas públicas.

Em São Paulo, um grupo de ativistas e ambientalistas, há cerca de um ano, se organizou em torno da defesa das áreas verdes urbanas na cidade, e a partir de uma estrutura horizontal criou o Fórum Verde Permanente de Parques, Praças e Áreas Verdes (FPAV), que “é um movimento da sociedade civil organizada em defesa da preservação, recuperação, proteção, ampliação e uso sustentável das áreas verdes públicas da cidade de São Paulo. Entidade suprapartidária, o Fórum está aberto à participação de qualquer cidadão e organização engajada nestes mesmos propósitos”.

Atualmente, o Fórum mantém os diálogos abertos com a sociedade civil nas redes sociais, além de reuniões periódicas, presenciais, um sábado por mês, realizando, em sistema de rodízio, reuniões nos parques municipais da cidade de São Paulo. Em decorrência da covid-19, as reuniões presenciais e até mesmo em sistema remoto ficaram suspensas até o surgimento de uma nova pauta emergencial de interesse comum: a reabertura gradual dos parques municipais da cidade de São Paulo, após um longo período de fechamento devido à diretriz do governo municipal de isolamento social como forma de prevenção à covid-19.

Anunciada pelo governo municipal a partir do dia 13 de julho, a reabertura de 70 dos 108 parques municipais (59 urbanos, cinco naturais e seis áreas de preservação), com medidas de restrição e horário reduzido, provocou a necessidade de debater em que condições e protocolos deveria ocorrer essa abertura dos parques municipais.

O FPAV, antecedendo a reabertura dos parques e na intenção de participar ativamente das decisões relacionadas à reabertura e na proposição de protocolos sanitários, organizou uma Carta aberta de partes interessadas nos parques municipais à Prefeitura de São Paulo e ao Ministério Público, que foi divulgada no dia 9 de julho de 2020.

A Carta aberta do Fórum Verde Permanente de Parques, Praças e Áreas Verdes, além de ter obtido ampla repercussão na imprensa e nas redes sociais, também serviu como base para a abertura de um diálogo e tratativas posteriores, ainda em andamento, com a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente para alinhavar diretrizes comuns entre os representantes do FPAV com as diretrizes e o protocolo municipal para abertura dos parques. A ênfase é na precaução e controle do espraiamento da covid-19, ainda com elevadas ocorrências de casos e de óbitos em todo o município e Estado de São Paulo, e em regiões onde se localizam parques municipais.

Essas medidas preventivas também dependem das condições de infraestrutura de cada parque municipal, que em alguns casos poderiam apresentar riscos à população devido às condições precárias dos equipamentos sanitários, como banheiros e bebedouros.

A partir da reabertura, começaram a surgir os primeiros resultados quanto ao grau de adesão ao uso adequado de máscaras e do álcool-gel ou em relação à criação de filas em banheiros. Também surgiu a necessidade de um constante monitoramento dos resultados dessa abertura, bem como de fortalecer ações educativas para induzir a eliminação de excessos por alguns frequentadores que praticam corridas ou atividades físicas mais intensas.

Um dos documentos científicos que embasaram a formulação da Carta aberta e os desdobramentos posteriores das conversas com a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente foi a pesquisa Emoções Momentâneas: Comportamentos e Hábitos Cotidianos Pós-Pandemia, realizada pelo Programa USP Cidades Globais.

De acordo com a pesquisa, 85,8% afirmam sentir falta de estar em áreas verdes, e “a maior parte dos respondentes, 32,7%, utilizam ao menos uma vez por semana esses espaços, reforçando a importância dessas áreas para o lazer da população”.

Outro aspecto importante considerado pelos integrantes do Fórum Verde Permanente para respaldar a necessidade de protocolos e controles na reabertura dos parques municipais refere-se a outro resultado da pesquisa: a necessidade de utilização dos espaços urbanos com medidas de controle por parte dos gestores dos espaços públicos e semipúblicos para reduzir a transmissão da covid-19 durante a abertura, como “o estabelecimento de um número máximo de pessoas por ambiente (67%); a continuidade no uso de máscaras (69%); a criação de novos espaços de lazer por bairros, reduzindo deslocamentos (64%); a manutenção de distância mínima entre pessoas (60%); e a instalação de pias públicas (58%)”.

O diálogo entre as partes continua em desenvolvimento, e outro aspecto fundamental defendido pelo FPAV é a participação dos Conselhos Gestores dos Parques Municipais, definidos pela legislação municipal, no aperfeiçoamento da gestão dos parques, bem como na avaliação permanente das demandas e no melhoramento da infraestrutura necessária, estudos e pesquisas e sugestões sobre as regras de uso das unidades, entre outras medidas. Outra importante parceria iniciada pelo FPAV foi com a academia, por meio da participação de pesquisadores do Programa Cidades Globais, do IEA-USP, no contexto desse diálogo aberto com a SVMA.

Essa parceria tem como desdobramento a elaboração de um Termo de Cooperação entre o IEE-USP e o Programa Cidades Globais do IEA-USP, com o objetivo de estabelecer uma parceria conjunta com o FPAV e a SVMA. A finalidade é de formular indicadores de monitoramento para a abertura dos parques em relação a aspectos relevantes que têm sido apontados pela literatura científica referentes a esportes e usos de espaços públicos durante a pandemia. Entre esses elementos, podemos citar:

  • Frequência e capacidade de suporte: indispensável garantir a baixa frequência, conforme critérios de redução e até de não entrada de público, caso exceda limites de segurança, definindo uma capacidade de suporte máxima para cada unidade;
  • Uso de máscara (EPIs): uso de máscara em tempo integral por 100% do público, funcionários e gestores;
  • Distância social: delimitar estritamente distância social de frequentadores e de esportes de não contato (como corrida, tênis etc.);
  • Esportes sem contato corporal: orientação para esportes sem contato corporal, bem como o veto a esportes com contato corporal regular ou eventual;
  • Contato nos bebedouros: a indispensável necessidade de bebedouros sem contato bucal ou manual;
  • Normas de uso e higienização de banheiros: banheiros de uso restrito, sem acionamento manual de registros e torneiras, com limpeza regular (ou seu eventual fechamento);
  • Controle de saúde de funcionários: entre outros itens, dispensa imediata e desburocratizada de funcionários em caso de gripes ou outros sinais similares à covid-19;
  • Compromisso com higienização e desinfecção reforçada das áreas de uso comum para evitar contaminação (banheiros e bebedouros), material para lavagem das mãos dos frequentadores.

No protocolo definido pela Prefeitura de São Paulo estão incluídos 70 parques nessa fase de abertura, bem como os horários de funcionamento, atividades permitidas, restrições, regras de higiene e de distanciamento entre usuários, monitoramento das atividades, entre outros aspectos importantes.

A proposta de monitoramento da reabertura dos parques municipais deverá gerar um boletim com resultados periódicos que serão objeto de análise pelas partes, com vistas ao aperfeiçoamento dos protocolos de segurança sanitária e das orientações para aspectos comportamentais dos usuários na utilização dos parques nessa fase inicial de abertura controlada (falar dos horários reduzidos etc.).

Outra iniciativa será a realização de uma pesquisa educativa com os usuários para mensurar as expectativas e as dificuldades de atendimento ao protocolo estabelecido, entre outras questões relacionadas à boa utilização dos parques municipais, tão importantes para propiciar condições adequadas de fruição da natureza e dos espaços abertos.

Nessa perspectiva, a advocacy se converte numa forma proativa dos grupos sociais e defensores da proteção ambiental na cidade de São Paulo para implementar a defesa, a qualificação da infraestrutura dos 108 parques existentes e a ampliação das áreas verdes e parques municipais naturais e urbanos. Isso configura uma força fundamental na cidade de São Paulo para o fortalecimento da sua infraestrutura verde e a ampliação da resiliência da cidade às mudanças climáticas.

São muitos os exemplos de lutas para promover uma boa gestão. Entre eles, citamos a conservação e defesa de praças como a das Nascentes, no bairro da Pompeia, Victor Civita, em Pinheiros, do Rosário, na Penha, Valdir Azevedo, na Lapa. Trata-se de ações de advocacy, fundamentais para a transformação de áreas com cobertura vegetal expressiva e espaços disponíveis em novos parques e espaços públicos, como o Parque Augusta e o Parque do Bixiga, Parque dos Búfalos, Parque Linear das Corujas, entre outros, como um elemento da ação cidadã na busca por promover ações orientadas para que tenhamos uma cidade cada vez mais sustentável e afetiva.

A Prefeitura de São Paulo, por meio da SVMA e SMDU/Geosampa, desenvolveu o mapeamento de toda a cobertura vegetal – 2020 existente no município. Ressalte-se que esse levantamento considerou que todas as áreas cobertas com vegetação sejam aquelas já transformadas em espaços públicos e UCs, mas também toda a cobertura vegetal existente que poderia contribuir para a ampliação do sistema de áreas verdes existentes, incluindo parques lineares e novas conexões, visando a melhorar a atual situação de disponibilidade desses espaços para uso público.

Os espaços públicos da cidade de São Paulo, assim como os subutilizados – becos e vazios urbanos –, poderão contribuir na formação dessa rede de áreas verdes, conectando bairros e propiciando o convívio social com atividades de lazer, cultura e esporte. Também poderão se utilizar das tipologias de infraestrutura verde para criar esta malha.

Nessa perspectiva, a sociedade paulistana, por meio dos grupos de interesse comum, poderá impulsionar a retomada da implantação dos parques lineares e das áreas verdes e parques urbanos previstos na implementação da rede hídrica ambiental, definida no Plano Diretor Estratégico – PDE-2014 – Lei 16.050/2014, do Município de São Paulo, no Art. 24 e nas Diretrizes dos Planos Regionais das Subprefeituras (Decreto nº 57.537, de 16 de dezembro de 2016).

Advocacy é um processo que contribui para a construção de uma agenda pública voltada aos interesses da sociedade civil, com o apoio de cientistas engajados na defesa do bem comum. Mas poderá contribuir com a qualidade das políticas públicas nos processos de gestão participativa das cidades que intencionam se tornar mais seguras, afetivas e sustentáveis. O processo em si já direciona para uma tomada de consciência social e cidadã, colocando a sociedade civil nos processos de coparticipação e corresponsabilização, possibilitando políticas públicas que integram a diversidade de ideias e pensamentos na construção de agendas e fortaleçam um protagonismo que faça sentido para as partes interessadas das cidades.

 


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