O espertinho

Por Iouri Borissevitch, professor titular da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da USP*

 19/05/2021 - Publicado há 3 anos
Iouri Borissevitch – Foto: Adriana Silva – UFG
Era uma quente manhã de um sábado de julho em São Carlos. Eu e minha esposa resolvemos ir à piscina, que ficava próxima, no centro esportivo do campus da universidade onde nós trabalhávamos.

De longe nós percebemos que ao lado da piscina acontecia alguma coisa incomum. Visitantes se amontoavam junto às grades da piscina, e dois funcionários se ocupavam de algo incompreensível. Um deles, com um grande pano, fazia alguns movimentos com as mãos no sulco de irrigação, e o outro, usando uma vassoura, contra-atacava dois quero-quero pernaltas, frenéticos em seus ataques. Ele podia ser compreendido: um pássaro quero-quero sisudo, de tamanho maior que corvos, dava-lhe bicadas na cabeça ou na cara, não poucas, aparentemente.

Ao nos aproximarmos, descobrimos o que estava acontecendo. Resultava de um filhote de quero-quero ter caído no sulco e de lá não conseguir sair. Um dos funcionários tentou agarrá-lo, mas o pedaço de penugem, do tamanho aproximado de um ovo de ganso, com patas exorbitantemente grandes, espertamente corria de cá para lá no sulco, esquivando-se com inteligência de tal pessoa estranha. Enfim o funcionário descobriu como obstruir com panos o sulco dos dois lados do passarinho. Depois disso, foi capaz de agarrar o passarinho, que lutava ferozmente.

No começo, o homem pretendia levar nas mãos o passarinho até o ninho, que ficava na terra, a cerca de 40 metros do lugar dos eventos, além dos arbustos. Mas os pais tão ferozmente o atacaram que ele preferiu colocá-lo no chão, ao lado do sulco, e retirar-se rapidamente.

No mesmo instante, os pássaros adultos desviaram sua atenção dele e concentraram-se no passarinho. A seguir, aconteceria a complexa operação de restituir o filho pródigo ao ninho. Os pássaros adultos desceram à terra e abriram as asas à esquerda do bebê, a única direção em que ele podia se mover livremente, e, como somente o filhote havia se dirigido para lá, ali mesmo fecharam as asas e lhe concederam a liberdade. Claro, ele precisou se mexer para sair de lá, mas, como qualquer criança, tudo o interessava e distraía: insetos rastejantes sobre a grama, uma borboleta flutuante, o farfalhar da relva. Portanto, a trajetória do seu movimento foi muito complicada e confusa. Ao passo que lhe custou finalmente desviar-se, os pais cercaram-no com suas asas, trazendo-o de volta ao caminho correto.

Especialmente difícil e arriscada foi a parte do trajeto entre a alta e resistente relva, onde poderiam se ocultar vários perigos, mas os pais milagrosamente conseguiram guiar seu filho através desse terreno.

Finalmente, depois de cerca de meia hora, o passarinho viu seu lar natal e se apressou alegremente até lá. No decurso de todo esse tempo, os visitantes da piscina assistiam inseparáveis ao que se passava e, quando o passarinho finalmente se encontrou no ninho, houve um suspiro geral de alívio e aplausos.

Passaram-se mais de vinte anos, mas nós nos lembramos perfeitamente de todos os detalhes desse incidente e não deixamos de nos maravilhar com a paciência e a delicadeza com as quais os pássaros adultos conduziram seu filhote. Parece-nos que as pessoas fariam bem em tomar para si algumas lições para a educação das novas gerações.

* Com tradução do russo de Alessandra Perez, doutoranda da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da USP


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