As cidades da Amazônia brasileira estão preparadas para os extremos climáticos?

Por Tiago Jacaúna, professor da Universidade Federal do Amazonas, Roger Torres, professor da Universidade Federal de Itajubá, Gabriela Di Giulio, professora da Faculdade de Saúde Pública da USP, e outros autores*

 07/12/2023 - Publicado há 5 meses
Tiago Jacaúna – Foto: Arquivo pessoal
Roger Torres – Foto: Arquivo pessoal
Gabriela Di Giulio – Foto: Arquivo pessoal
É natural a ocorrência de regimes de enchente e vazante nos rios da Amazônia, um fenômeno que configura o modo de vida das populações ribeirinhas, influenciando atividades como o fluxo das embarcações, o planejamento do cultivo, os momentos de coleta de frutos e sementes, além dos períodos de pesca, entre outros. De maneira similar, fenômenos meteorológicos que afetam a temperatura e precipitação global, como El Niño e La Niña, também são recorrentes.

Entretanto, as mudanças climáticas têm exacerbado as consequências desses fenômenos, intensificando a frequência de enchentes e vazantes extraordinárias na Amazônia. Isso tem gerado impactos sociais e econômicos alarmantes, colocando pressão sobre o poder público e a sociedade para adotarem medidas que minimizem os efeitos desses extremos climáticos.

A enchente extrema de 2021, a maior registrada até então, com a cota do Rio Negro atingindo 30,02 m no Porto de Manaus, demandou a implementação de diversas medidas nos municípios da Região Metropolitana de Manaus (RMM). Isso incluiu a realocação de populações afetadas, a construção de infraestrutura para elevar moradias acima do nível do rio, a prevenção de doenças transmitidas pela água, devido à proximidade de igarapés poluídos, e a implementação de medidas para facilitar a circulação de pedestres e veículos, entre outras ações.

Da mesma forma, períodos de vazantes acentuadas, como a seca extrema em 2023, têm gerado desafios similares, colocando o poder público e a sociedade diante da necessidade de adotar medidas mitigadoras. Em 26 de outubro de 2023, a cota do Rio Negro atingiu 12,70 m, o menor volume em 121 anos, superando a seca histórica de 2010.

As consequências da seca se manifestam em diversos setores, como o aumento de queimadas na região. Em 2023, a fumaça proveniente dessas queimadas afetou a Região Metropolitana de Manaus e vários municípios do Amazonas, resultando em um aumento na demanda por atendimentos hospitalares devido a problemas respiratórios.

A Zona Franca de Manaus também foi impactada, com um dos principais portos de abastecimento ficando sem receber navios cargueiros por mais de um mês devido à baixa navegabilidade dos rios, levando algumas empresas, inclusive, a anteciparem férias coletivas. A dificuldade na navegação fluvial afeta ainda diversos municípios que dependem desse transporte para o abastecimento de alimentos, água potável, combustíveis e outros recursos básicos, especialmente comunidades ribeirinhas distantes de centros urbanos.

Diante desse cenário crítico, é crucial que o poder público e a sociedade adotem ações contínuas e multissetoriais para lidar com os extremos climáticos. Nesse contexto, o projeto CiAdapta 2 busca contribuir avaliando os impactos das mudanças climáticas em grandes centros urbanos no Brasil e compreendendo como as cidades têm incorporado essa questão em suas agendas. Entendemos que o aumento na frequência e intensidade de eventos extremos implica fortalecer a capacidade institucional dos municípios para enfrentar as mudanças climáticas, por meio de políticas de adaptação que visam reduzir as vulnerabilidades sociais e ambientais associadas a esses eventos.

Um instrumento central de análise do CiAdapta 2 é o Índice de Adaptação Urbana (UAI). Este índice é construído a partir da sistematização de informações municipais sobre políticas, ações e intervenções relacionadas à mitigação e adaptação climática, utilizando dados da Pesquisa de Informações Básicas Municipais (Munic) – Perfil dos Municípios Brasileiros, de 2020, do IBGE. O UAI abrange diversas dimensões de políticas públicas, a saber: habitação, mobilidade urbana, produção de alimentos, gestão ambiental e respostas aos impactos climáticos. A escolha dessas dimensões reflete o entendimento de que a adaptação às mudanças climáticas deve ser integrada às políticas de desenvolvimento econômico, cidadania e sustentabilidade, especialmente em cidades localizadas em países de baixa renda, onde as persistentes desigualdades sociais são agravadas pelos impactos das mudanças climáticas.

O UAI, avaliado em uma escala de 0 a 1, oferece uma medida da capacidade institucional global dos municípios. Quanto mais próximo de 1, melhor é a capacidade adaptativa potencial de cada município. Ao aplicar o UAI às cidades da RMM, é possível identificar dois grupos: aquelas que possuem pelo menos uma política, ação ou intervenção em cada dimensão do UAI, e aquelas que possuem dimensões sem nenhum instrumento.

Fazem parte do primeiro grupo as cidades de Manaus (0,70), Careiro (0,63), Presidente Figueiredo (0,59), Manaquiri (0,56) e Iranduba (0,28). Embora todas essas cidades demonstrem uma abordagem mais abrangente em termos de estratégias de adaptação e mitigação, o município de Iranduba apresenta um índice considerado muito baixo.

No segundo grupo estão os municípios de Itapiranga (0,42), Rio Preto da Eva (0,34), Itacoatiara (0,34), Careiro da Várzea (0,33), Autazes (0,32), Novo Airão (0,25), Manacapuru (0,25) e Silves (0,24). Esses municípios não possuem políticas em todas as cinco dimensões do UAI. Em particular, Autazes, Careiro da Várzea, Rio Preto da Eva, Novo Airão, Itacoatiara e Manacapuru não possuem políticas habitacionais, enquanto Itapiranga não possui políticas de gestão ambiental e Silves não possui políticas de mobilidade urbana. A ausência de iniciativas nessas dimensões aumenta as vulnerabilidades e os riscos associados aos extremos climáticos, diminuindo as capacidades institucionais do município de se antecipar e proteger sua população de catástrofes anunciadas.

Um aspecto de destaque na análise é a ausência de Plano Municipal de Redução de Riscos em todos os municípios da RMM. Esse plano é fundamental para diminuir riscos de deslizamentos e/ou inundações, cada vez mais frequentes em contextos de extremos climáticos. Este plano se enquadra na dimensão de respostas aos impactos climáticos do UAI, sendo esta a dimensão com menor adesão entre os municípios que compõem a RMM.

Apenas Manaus apresenta um desempenho satisfatório nessa dimensão, embora não possua legislação ou instrumentos de gestão específicos sobre adaptação e mitigação às mudanças climáticas, conforme indicado na dimensão de gestão ambiental do UAI. Dessa forma, essas políticas são lacunas críticas que requerem atenção imediata.

A análise do UAI revela que 69% dos municípios que compõem a RMM estão na metade inferior do UAI, indicando a necessidade de os gestores públicos direcionarem esforços para implementar políticas públicas robustas em todas as dimensões do UAI.

Em última análise, é essencial integrar as mudanças climáticas às agendas de desenvolvimento das cidades e da sustentabilidade ambiental, juntamente com o desenvolvimento de políticas específicas em resposta aos impactos das mudanças climáticas.

* Amanda Machado, economista e bolsista do Projeto CiAdapta 2, Eduardo Neder, engenheiro ambiental e mestre em Ciências. Todos os autores são pesquisadores do Projeto CiAdapta 2.

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