A USP presente nas discussões internacionais sobre tecnologias e energia renováveis

Por Elaine Santos, pós-doutoranda do Centro de Síntese USP Cidades Globais (CS-USP-CG) do IEA; Fernando de Lima Caneppele, participante do Programa Ano Sabático do IEA, Oswaldo Sanchez Junior, pesquisador do CS-USP-CG, e Thelmo de Carvalho Teixeira Branco Filho, pesquisador CS-USP-CG

 Publicado: 24/06/2024
Elaine Santos – Foto: Arquivo pessoal

 

Fernando de Lima Caneppele – Foto: Arquivo Pessoal

 

Oswaldo Sanchez Junior – Foto: Arquivo pessoal

 

Thelmo de Carvalho Teixeira Branco Filho – Foto: Arquivo pessoal
Nos dias 3, 4 e 5 de junho, ocorreu a Conferência Internacional de Tecnologias e Energia Renováveis (Citer), no Centro de Convenções de Teresina (PI). Foram quase sete mil inscritos, sendo 4,7 mil participantes in loco e mais de 1,6 mil por meio das plataformas digitais, além de dois mil estudantes, diariamente, durante os três dias.

Com uma megaestrutura, a conferência foi uma correalização de 21 entidades, entre as quais o governo do Piauí, a Universidade Federal do Piauí (UFPI), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e o Instituto de Estudos Avançados da USP. Os 36 painéis contaram com 185 palestrantes (nacionais e internacionais), que conduziram os debates sobre o futuro da energia limpa, sustentável, justa e acessível para todos. O evento chamou a atenção de jornalistas de diversas partes do mundo e do Brasil inteiro.

Ao todo, foram 232 profissionais de imprensa credenciados para realizar a cobertura da conferência, que teve espaço para expositores acadêmicos, empresas e agentes públicos, além de visitas técnicas e a possibilidade de participação on-line (os debates ficaram gravados e podem ser consultados pelo canal da Citer no YouTube).O evento contou com a presença do governador do Piauí, Rafael Fonteles (39 anos, bacharel e mestre em matemática, com vários prêmios acadêmicos) na abertura, que apresentou os planos do governo para reinserção da economia do Estado nas iniciativas para a Transição Energética Nacional e Internacional, em resposta às mudanças climáticas. Ele destacou a importância do desenvolvimento da cadeia produtiva do hidrogênio verde (o Estado tem mais de 95% de sua matriz elétrica com geração eólica e solar e exporta 80% para o SIN – Sistema Interligado Nacional), uma das bandeiras levantadas pelo governador. Outro assunto tratado foi a ênfase à aprovação do projeto de lei 2.308/2023, que está em tramitação no Senado e institui o marco legal do hidrogênio de baixa emissão de carbono.

Os autores deste texto, pós-doutorandos, pesquisadores e ano sabático 2024 do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, participaram como mediadores e palestrantes. Elaine Santos palestrou na mesa sobre os minerais estratégicos para a indústria das energias renováveis, um tema fundamental para o Brasil, que possui reservas expressivas de lítio e terras raras, além de outros minerais centrais para a transição energética. Oswaldo Sanchez Junior debateu os progressos na implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), enquanto o professor Fernando Caneppele enfatizou a questão da geopolítica, um tema importante para entender os caminhos políticos e econômicos dos países centrais e periféricos, bem como a questão do Impulso Energético Sustentável: Abordagem Multidisciplinar para a Transição Energética e o Cumprimento do ODS 7. Além de palestrante e mediador, o professor Thelmo Branco Filho (FURG/FaDir) também foi um dos curadores do evento, juntamente com o professor Enio Pontes de Deus (Lameff/UFC), sob a condução geral da presidente do Instituto Cooperação Internacional para o Meio Ambiente (Icima), Ana Paula Moura Rodrigues.

Destacamos neste texto o mote da Citer que reforçou a importância do hidrogênio verde, enfatizada nas palavras do governador. Ao que tudo indica, o Piauí pretende se posicionar como pioneiro nessa área, com planos de investir na cadeia produtiva do hidrogênio e transformar seu desenvolvimento industrial a partir desse setor. Esse plano está projetado para contribuir com a descarbonização dos países europeus, e no nosso entender neste âmbito, ainda há uma abertura para pensar como esses investimentos deverão ocorrer e como esta cadeia será desenvolvida no Brasil a partir do Piauí.

Isto porque o hidrogênio verde na Europa é visto como parte importante do quebra-cabeça da descarbonização, principalmente em sua indústria pesada. Em 2020, a Comissão Europeia propôs uma Estratégia para o Hidrogênio Verde para uma Europa com Impacto Neutro no Clima, sendo o seu escopo acelerar o desenvolvimento do chamado hidrogênio limpo. No documento europeu, destaca-se que, para que o hidrogênio atinja um ponto decisivo de desenvolvimento, é necessária uma massa crítica de investimento, um quadro regulamentar favorável, novos mercados-piloto, pesquisa e inovação sustentadas em tecnologias revolucionárias que tragam novas soluções para o mercado, uma grande rede de infraestruturas que só a União Europeia e o mercado único podem oferecer, assim como cooperação com países terceiros parceiros da UE.

Aqui surge uma contradição: enquanto o Brasil, por meio do governo do Piauí, se compromete a investir na cadeia produtiva do hidrogênio verde e transformar seu desenvolvimento industrial a partir desse setor, o país ainda possui questões significativas em sua própria industrialização e este talvez deveria ser o foco do nosso debate sobre o hidrogênio. Ou seja, a baixa competitividade, a falta de infraestrutura adequada e a nossa histórica dependência de tecnologias importadas. Acresce-se ainda o fato, mencionado neste texto, que a Europa quer impulsionar seu mercado interno definindo as bases do que nomeou de uma “estratégia industrial verde”. Diante disso, e mesmo com regiões no Brasil com excelente desempenho em termos de vento e insolação, qual a posição do nosso país em relação à sua cadeia produtiva? Conseguiremos concorrer com a produção europeia?

Algumas contribuições surgiram ao longo dos 36 painéis e foi garantido o espaço a temas críticos no debate sobre a transição energética, tais como os impactos sociais no uso do solo associados à implantação e operação de fazendas eólicas e solares, e seus efeitos para a economia local e rural, a participação da população local nas decisões sobre os empreendimentos, dentre outros. Justiça energética, pobreza energética, acesso à energia e políticas públicas associadas foram citadas e até avaliadas. Outro ponto analisado foi a relação da transição energética e a Agenda 2030 da ONU (17 ODSs, 169 Metas, 232 Indicadores) no todo e, em particular, no que diz respeito à evolução dos indicadores para o ODS 7 (Assegurar acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia para todas e todos), que apresenta várias propostas de encaminhamentos, com destaque para aqueles relacionados à educação e à juventude e que ainda carece de uma atenção especial, segundo dados do 7º Relatório Luz do Desenvolvimento Sustentável 2023, uma vez que, na classificação das metas, quatro estão em retrocesso e uma ameaçada.

Entendemos que o formato do evento (debates participativos, interdisciplinares, sem a estrutura estritamente acadêmica) deu dinamismo e conseguiu estabelecer uma relação produtiva entre os vários agentes afetados pela questão. Isso mostrou um caminho interessante e possível para, de fato, dar protagonismo à sociedade como um todo. No nosso entender, em temas complexos como o da energia, só avançamos quando lidamos com o contraditório, quando saímos da discussão apenas com nossos pares, e o formato inovador do evento facilitou o diálogo entre diferentes agentes, rompendo as bolhas. Talvez esse seja um caminho a ser pavimentado e, quem sabe, pensarmos uma edição da Citer no campus da USP na cidade de São Paulo.

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