Mercado de hidrogênio verde: entre oportunidade e submissão

Segundo Pedro Luiz Côrtes e André Pereira, o Brasil se coloca como base para esse mercado em alta, mas deve tomar cuidado para não se envolver no velho jogo de poder

 24/05/2024 - Publicado há 7 meses
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Para além de apenas uma commodity, a produção de energia deve estar associada à produção de tecnologia e conhecimento nacional – Imagem: Reprodução – Pixabay
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Com o mercado das energias limpas crescendo, o Brasil desponta com um grande potencial de produção. Uma das alternativas mais promissoras é o hidrogênio verde (H2V), que tem um diferencial: pode ser armazenado – e, portanto, exportado. Até 2050, o mercado de H2V pode movimentar cerca de US$ 1,4 trilhão anual. Os investimentos já estão chegando aqui: são mais de US$ 30 bilhões prometidos por instituições estrangeiras em indústrias de hidrogênio verde. A Europa, origem da maior parte desses fundos, corre para expandir e limpar sua matriz energética e visa aos recursos brasileiros para apoiar sua transição; já o Brasil se posiciona para adicionar mais uma commodity à sua economia de exportação: a energia limpa.

A importância da tecnologia

É necessário, no entanto, evitar a submissão técnica. Para além de apenas uma commodity, a produção de energia deve estar associada à produção de tecnologia e conhecimento nacional. O professor Pedro Luiz Côrtes, do Instituto de Energia e Ambiente (IEE), explica melhor: “O domínio tecnológico agrega muito mais valor ao país detentor dessas tecnologias, e consequentemente tem a capacidade de gerar melhores empregos e um retorno melhor para o país”.

Pedro Luiz Côrtes – Foto: Lattes

Um exemplo é o de Ubatuba, que receberá 4 bilhões de euros da ISCM, fundação europeia. O acordo prevê a revitalização dos rios da cidade, investimento em educação e concessão de royalties ao município. Por outro lado, não está claro como funcionará a propriedade intelectual e domínio tecnológico; o mesmo vale para outros casos no Brasil.

Nesse cenário, Côrtes reconhece que há uma grande vantagem em parcerias internacionais, mas ressalta que “dentro do ponto de vista estratégico de política industrial e de uma política energética, é fundamental que tenhamos pleno domínio dessa tecnologia aqui no País”.

Promoção ou colonialismo moderno

Outra questão é para onde vai essa energia. A intenção de muitos projetos é de exportação; não à toa, grande parte deles se localiza no Nordeste – pelo seu potencial de geração, sim, mas também pela sua proximidade maior com os portos europeus. O caso citado de Ubatuba terá o mercado externo como público exclusivo e só o Ceará pretende exportar 1 milhão de toneladas de H2V até 2030.

Enquanto essa pode ser uma ótima oportunidade econômica, não pode ser regra. O pesquisador André Pereira, também do IEE, afirma que o Brasil explorar esse mercado é positivo, mas “o problema é se o Brasil apenas exportar. Temos que usar esse hidrogênio verde em projetos dentro do território brasileiro”.

André Pereira – Foto: Linkedin

Caso contrário, essa nova relação “pode acabar virando apenas uma nova roupagem para o histórico de colonialismo, de submissão econômica. Fornecemos as matérias-primas em troca de produtos industriais que nós poderíamos estar fabricando dentro do nosso territórios”, afirma.

Ele exemplifica que o Brasil poderia usar essa tecnologia para fortalecer os laços comerciais com a América Latina, tornando-se um “exemplo para os países emergentes”. Isso além da capacidade de produzir energia limpa de maneira independente.

André Pereira conclui que, no geral, o mercado de H2V é uma ótima oportunidade: “O Brasil pode se aproveitar dessa necessidade europeia para tirar proveito, barganhar coisas mais favoráveis, e o Brasil também precisa de investimento”. Mas ressalta que nesses casos é “sempre bom lembrar dos riscos embutidos na questão geopolítica”. O potencial de se destacar como produtor de hidrogênio verde é grande, mas precisa ser estratégico.

*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira


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