Fotomontagem com imagens de Pixabay, Flickr e Wikimedia Commons por Adrielly Kilryann/Jornal da USP

Sistemas eólico e solar ainda são inviáveis para produzir hidrogênio verde como fonte de energia

Custo econômico da produção de hidrogênio será competitivo apenas quando houver sistemas eólicos e solares dedicados exclusivamente a essa atividade

 13/06/2022 - Publicado há 2 anos     Atualizado: 14/06/2022 as 16:13

Texto: Redação

Arte: Adrielly Kilryann

O uso do excedente de energia gerado pelos sistemas híbridos eólico e solar fotovoltaicos conectados ao Sistema Interligado Nacional (SIN) na produção e armazenamento de hidrogênio verde, para servir como fonte de energia, ainda não é economicamente viável para o setor elétrico brasileiro. Essa é uma das principais conclusões de um estudo realizado por duas pesquisadoras do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP, publicado na revista acadêmica International Journal of Hydrogen Energy. De acordo com o trabalho, que analisou as maiores usinas eólicas e solares do País, o custo econômico da produção de hidrogênio será competitivo apenas quando houver sistemas dedicados exclusivamente a essa atividade.

Considerado elemento-chave na transição global para uma economia de zero carbono, o hidrogênio verde pode ser obtido por meio da eletrólise da água. “Um dos pontos investigados pelo estudo foi a viabilidade econômica de se produzir e armazenar hidrogênio verde no Brasil em sistemas híbridos, por meio da energia de curtailment events, ou restrições de rede, em usinas renováveis existentes conectadas ao SIN”, explica a engenheira eletricista Sabrina Fernandes Macedo, uma das autoras do artigo. “Os curtailment events ocorrem quando o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) solicita que plantas eólicas ou solares parem de gerar energia caso haja, por exemplo, algum processo de interrupção de rede ou então de geração acima da carga. Em tese, essa energia excedente poderia ser utilizada para geração de hidrogênio verde.”

Sabrina Fernandes Macedo - Foto: Reprodução/LinkedIn

Sabrina Fernandes Macedo - Foto: Reprodução/LinkedIn

Drielli Peyerl - Foto: Reprodução/FAPESP

Drielli Peyerl - Foto: Reprodução/FAPESP

Para elaborar o estudo, o trabalho analisou as duas maiores usinas em funcionamento no País: o complexo eólico Baixa do Feijão, no Rio Grande do Norte, e o complexo Sertão Solar Barreiras, na Bahia. “Os dados de operação e investimento dessas usinas serviram de base de dados de entrada para a construção do modelo econômico, no qual foram desenvolvidos cenários hipotéticos muito próximos da realidade”, explica Drielli Peyerl, jovem pesquisadora pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), e orientadora do trabalho.

Drielli Peyerl - Foto: Reprodução/FAPESP

Drielli Peyerl - Foto: Reprodução/FAPESP

A pesquisa aponta que os períodos de curtailment events são insuficientes para viabilizar a produção de hidrogênio verde. “Hoje no Brasil cerca de noventa e três por cento da energia eólica e solar produzida é utilizada. Com o excedente anual na faixa de três por cento, a planta poderia se dedicar à geração de hidrogênio apenas por 700 horas ao longo do ano”, observa Sabrina. “Quando montamos o modelo econômico, com todos os custos da cadeia de produção de hidrogênio verde e também com esse número de horas, percebemos que o atual sistema híbrido é inviável do ponto de vista econômico.”

Segundo as pesquisadoras, o custo econômico só será competitivo com novos sistemas híbridos eólicos ou solares dedicados em tempo integral à produção e armazenamento de hidrogênio. “O ideal é a usina operar acima de 3 mil horas com eletrolisadores ao custo de 650 dólares por quilowatt elétrico (kWe)”, aponta Drielli “Quanto maior o número de horas que a planta estiver dedicada à produção de hidrogênio, maior é a viabilidade econômica do projeto.”

Foto: Reprodução/Wikimedia Commons

Obstáculos

O trabalho mostra que um dos obstáculos para a construção de sistemas híbridos com produção e armazenamento essencialmente focados em hidrogênio verde no Brasil é o custo de eletrolisers e dos sistemas de estocagem. O eletrolisador é um dispositivo capaz de produzir hidrogênio por meio de um processo químico chamado eletrólise, onde as moléculas de água são quebradas em átomos de oxigênio e hidrogênio através da eletricidade. O custo deste dispositivo é alto pois utilizam metais preciosos como catalisadores do processo. “Essa indústria não está desenvolvida em escala mundial. Mas a previsão de agências como a Agência Internacional para as Energias Renováveis, a Irena, é que o custo de produção desses equipamentos comece a cair por volta de 2030”, relata Sabrina. “O crescente interesse de empresas nacionais e internacionais na construção de plantas voltadas para a produção de hidrogênio verde deve contribuir para a redução de preços desses itens.”

De acordo com as pesquisadoras, o processo completo envolve a produção de hidrogênio verde, seu armazenamento e, por fim, a transformação desse hidrogênio verde de volta em energia. “No caso, o hidrogênio verde poderia contribuir para a segurança energética e trazer equilíbrio à rede elétrica por meio do armazenamento de energia”, destacam. “Dessa forma, conseguiria compensar a intermitência das fontes renováveis, característica presente nos sistemas de energia solar e eólica.”

Porém, o estudo indica que o processo completo não é o mais lucrativo do ponto de vista econômico, porque implica a adoção de sistemas a célula combustível, o que encarece o processo. “Comercializar hidrogênio verde é mais lucrativo, ele pode ser vendido para setores como transporte ou indústria, por exemplo, a siderúrgica e a de fertilizantes”, observa Drielle. “No caso, essa estratégia contribui não apenas para mitigar os gases de efeito estufa, bem como favorece nossa competitividade industrial e o crescimento econômico.”

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Outra saída é exportar o produto. “A Europa está de olho em países com grande potencial de fontes renováveis como Brasil e África do Sul. Nesse sentido, podemos ocupar uma posição de protagonismo mundial ao fechar parcerias para fornecer hidrogênio verde a outras nações. O Brasil ensaia os primeiros passos na produção de hidrogênio verde. Precisamos entender quais são os melhores caminhos a seguir”, ressalta Drielle. Sabrina concorda. “A energia elétrica é o segundo ponto mais caro na composição do custo de produção e armazenamento de hidrogênio, atrás apenas do preço dos equipamentos. Como já temos matrizes de energia eólica e solar consolidadas, o Brasil passa a ser visto como um local altamente promissor em nível mundial. O país precisa investigar e aprofundar cada vez mais quais são as melhores oportunidades nesse campo e apostar nelas”, avalia.

O artigo Prospects and economic feasibility analysis of wind and solar photovoltaic hybrid systems for hydrogen production and storage: A case study of the Brazilian electric power sector é resultado da pesquisa de mestrado que Sabrina vem desenvolvendo desde 2021, atualmente no Programa de Pós-Graduação em Energia do IEE, sob orientação de Drielle, que está diretamente conectado ao Programa Jovem Pesquisador da Fapesp. A orientadora também está vinculada ao Research Centre for Greenhouse Gas Innovation (RCGI), centro de pesquisa financiado pela Fapesp e pela Shell.

Sediado na Escola Politécnica (Poli) da USP, o RCGI é um Centro de Pesquisa em Engenharia, com foco em inovações que possibilitem ao Brasil atingir os compromissos assumidos no Acordo de Paris, no âmbito das Nationally Determined Contributions (NDCs). Os 19 projetos de pesquisa do RCGI estão ancorados em cinco programas: NBS (Nature Based Solutions), CCU (Carbon Capture and Utilization), BECCS (Bioenergy with Carbon Capture and Storage), GHG (Greenhouse Gases) e Advocacy. Atualmente, o centro conta com cerca de 400 pesquisadores. Saiba mais aqui.

Da Assessoria de Comunicação do RCGI


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