O Programa Beatriz Nascimento de Mulheres na Ciência contemplou, recentemente, por intermédio do edital Chamada Atlânticas, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) ⏤ direcionado a mulheres negras, indígenas, quilombolas e ciganas de todo o Brasil ⏤, 86 mulheres pesquisadoras com bolsas de doutorado sanduíche e pós-doutorado no exterior.
A USP, assim como outras universidades públicas do País, teve algumas de suas cientistas contempladas, que terão a possibilidade de complementar seus estudos no exterior. “Esta chamada visa corrigir a desigualdade de acesso às oportunidades de formação e qualificação”, descreve a secretária de Política de Ações Afirmativas e Combate e Superação do Racismo, do Ministério da Igualdade Racial (MIR), professora Márcia Lima, que também tem sua formação ligada à USP.
De acordo com Márcia, a iniciativa foi feita baseada no levantamento feito junto ao CNPq. “Constatamos a baixíssima participação de cientistas negras em bolsas de doutorado sanduíche e pós-doc no exterior. O Programa Atlânticas firma nosso compromisso com a diversidade na produção científica e com a redução das desigualdades de oportunidades para pesquisadoras negras das diferentes áreas do conhecimento”, considera a secretária do MIR.
Esta foi a primeira chamada do programa, que é resultado de uma parceria entre o CNPq e o Ministério da Igualdade Racial (MIR), por intermédio da Secretaria que é conduzida por Márcia Lima. “Estamos trabalhando para que haja novas edições e que as pesquisadoras aprovadas nesta edição possam constituir uma rede, somar e apoiar nosso trabalho”, afirma a professora.
Suplementação
O resultado final da Chamada Atlânticas, que contemplou 86 pesquisadoras, é cerca de 25% maior do que as 69 bolsas anunciadas no resultado preliminar, em abril, em função de uma suplementação de R$ 2 milhões aportada pelo CNPq e pelo Ministério da Igualdade Racial (MIR), permitindo a inclusão de 17 propostas além do previsto.
A chamada recebeu, ao todo, 544 propostas, das quais 433 foram pré-selecionadas pelo Comitê Avaliador ⏤ a chamada demanda qualificada. Destas, foram aprovadas 39 propostas para pós-doutorado no exterior (18,5% das 210 pré-qualificadas) e 47 propostas para a modalidade doutorado-sanduíche no exterior (21,5% das 233 pré-qualificadas).
“Decidimos suplementar a Chamada Atlânticas em virtude da alta demanda qualificada recebida e de sua excepcionalidade, é a primeira vez que temos uma ação voltada para esse público. O sucesso dessa iniciativa, refletido na alta demanda qualificada, nos indica que é uma ação que precisa ser repetida e ampliada nos próximos anos”, afirma a diretora de Cooperação Institucional, Internacional e de Inovação do CNPq, Dalila Oliveira.
A iniciativa teve origem em um protocolo de intenções assinado em 20 de julho de 2023 pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) com os ministérios da Igualdade Racial (MIR), dos Povos Indígenas (MPI) e das Mulheres (MMulheres). O valor global da chamada foi, inicialmente, de R$ 6 milhões, sendo R$ 2 milhões do MIR, R$ 2 milhões do CNPq, R$ 1 milhão do MPI e R$ 1 milhão do MMulheres. Com a suplementação, CNPq e MIR passaram a investir R$ 3 milhões cada.
Márcia Lima conta ao Jornal da USP como é a atuação dela na iniciativa: “Como secretária da pasta, participo junto com a minha equipe no desenho e idealização das diferentes políticas e programas. Inicialmente articulei com o CNPq, o Ministério das Mulheres e o Ministério dos Povos Indígenas para que essa ideia se concretizasse. Foi um período de liderança desse processo e articulação interna para que este edital atendesse às demandas e realidades das pesquisadoras negras, quilombolas, indígenas e ciganas que não são contempladas nos editais de forma geral”, descreve. “Muitas pessoas estão envolvidas nesse processo, foi um trabalho coletivo para que esse programa ganhasse vida”, enaltece a professora.
Segundo Márcia Lima, as pesquisadoras estão se preparando para viajar ou já viajaram. “Isso varia de acordo com as universidades e países escolhidos. Antes de embarcar para o país de destino dos estudos, elas confirmam documentação para recebimento do valor correspondente aos auxílios cobertos pela bolsa, com o acompanhamento da equipe do CNPq para garantir a condução adequada dos trâmites. Após o retorno, devem prestar contas ao CNPq em até 60 dias”, explica.
Acesse o resultado final da chamada aqui.
Falam as pesquisadoras
Nos áudios abaixo, pesquisadoras contempladas que ainda mantêm algum tipo de vínculo com a USP fazem uma rápida descrição de seus projetos de estudos e informam onde deverão estudar e buscar seus aperfeiçoamentos.
Da USP para a África do Sul
A partir do primeiro semestre de 2025, a pesquisadora Alessandra Kelly Tavares de Oliveira, doutoranda em Antropologia Social da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, dará início a seus estudos no programa de doutorado sanduíche na África do Sul, onde permanecerá por seis meses na University of the Western Cape.
A trajetória de um fotógrafo negro
O fotógrafo Wagner Celestino tem sua trajetória visitada e contada pela doutora em História pela USP Diana Mendes Machado da Silva. Atualmente, a professora é membro do Grupo de Pesquisa Direitos Humanos, Democracia e Memória, do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP.
Doutorado na Harvard University
Ingred Merllin Batista de Souza, que é doutoranda da Faculdade de Medicina (FM) da USP, permanecerá por nove meses na Harvard School of Public Health, nos EUA. Ela estudará o impacto das discriminações de gênero, raça e classe em pessoas negras do Brasil que sentem dor lombar e que fizeram parte de seu estudo.
Inclusão, diversidade e igualdade
A partir de abril de 2025, Tanielle Cristina dos Anjos Abreu dará início a seus estudos na cidade de Lisboa, em Portugal. Suas pesquisas serão realizadas no Instituto Superior de Economia e Gestão, da Universidade de Lisboa. Ela irá se aprofundar nos estudos sobre as políticas de diversidade, igualdade e inclusão em empresas multinacionais.
Quem foi Beatriz Nascimento?O nome do programa presta homenagem à professora e historiadora sergipana Beatriz Nascimento, que sempre aliou a luta antirracista à vida acadêmica. Foi cofundadora do Grupo de Trabalho André Rebouças na Universidade Federal Fluminense (UFF) e membro do Movimento Negro contra a Discriminação Racial (MNUCDR), nome mais tarde reduzido para Movimento Negro Unificado (MNU). Como pesquisadora, Beatriz Nascimento estudou as formações dos quilombos no Brasil por duas décadas. Foi expoente do feminismo negro, pesquisando as práticas discriminatórias que pesam sobre os corpos das mulheres negras. Beatriz faleceu, vítima de feminicídio, em janeiro de 1995. Na época, ela cursava mestrado em Comunicação na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em 2021, Beatriz Nascimento se tornou Doutora Honoris Causa in memoriam pela UFRJ, ainda não outorgado. Em 2022, ela foi homenageada com o mesmo título pela Universidade Federal Fluminense (UFF), aprovado e outorgado no mesmo ano. Esta homenagem mais recente foi proposta pelos professores Vitor Nascimento, da UFF, e Cláudia Nascimento, última presidente do GTAR. |
*Com informações da Assessoria de Imprensa do CNPq