Compostos com elementos químicos potencialmente tóxicos, os aparelhos eletrônicos precisam de um descarte adequado. No entanto, não é sempre que esses materiais são levados a ecopontos para que esse descarte seja realizado de forma correta, e o resultado é que os aparelhos eletrônicos em lixos comuns causam a poluição da água e do solo, além de prejudicar a saúde da população. Os principais elementos encontrados nos aparelhos eletrônicos que podem causar problemas ambientais e de saúde são os elementos químicos inorgânicos, classificados como metais tóxicos, como chumbo, cádmio e mercúrios, os chamados metais pesados, e outros elementos como cobre, alumínio, selênio, berílio e silício, também metais.
Além deles, a professora Alma Blásida Concepción Elizaur Benitez Catirse, docente da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto (Forp) da USP, e Danilo Vitorino, vice-coordenadora e coordenador do Grupo de Trabalhos Temáticos em Resíduos (GT Resíduos) da Superintendência de Gestão Ambiental (SGA) da USP, respectivamente, lembram que os aparelhos eletrônicos são compostos por diversos tipos de plásticos, que também podem oferecer riscos ambientais. “Embora seja um material inerte, os diversos tipos de plásticos presentes nesses aparelhos são capazes de liberar minúsculas partículas de plástico, chamadas de microplásticos. Eles são responsáveis por grande parte da poluição atual e têm impacto também na saúde da população”, alertam. Um exemplo vem de estudo realizado na Faculdade de Medicina (FM) da USP, intitulado Microplásticos no bulbo olfativo do cérebro humano, que encontrou resíduos de plástico, como fibras e partículas do material, no cérebro de oito pessoas falecidas que moravam na capital paulista, e o tipo mais comumente encontrado foi o polipropileno, utilizado em roupas, embalagens de alimentos e garrafas e pneus. De acordo com a pesquisa, nenhuma das pessoas estudadas tinha contato com a indústria da produção do material.
A professora Alma lembra que se o descarte desses materiais for gerenciado e destinado de maneira correta, tanto os plásticos como os elementos químicos podem ser reciclados. Nos aparelhos eletrônicos, estão entre os plásticos mais utilizados a acrilonitrila butadieno estireno (ABS), o policarbonato (PC), poliestireno de alto impacto (PSAI), polioxifenileno (PPO), poliamida (PA) e polimetilmetacrilato (PMMA).
Intoxicação do solo e água
O descarte inadequado de aparelhos e resíduos eletrônicos afeta diretamente o solo e a água. Quando depositados em locais não preparados para recebê-los, como ecopontos, o solo pode sofrer alterações significativas em suas características físicas, “como textura, cor, plasticidade, densidade, porosidade, permeabilidade, estrutura e compactação, mas pode sofrer alterações químicas também. Entre elas, alteração no pH, capacidade de troca de cátions, elementos químicos positivamente carregados, teores de matéria orgânica e macro e micronutrientes”, garante a docente.
A professora explica que, quando esses resíduos são expostos a mudanças do tempo e ao desgaste natural, podem liberar substâncias tóxicas dos aparelhos eletrônicos, que acabam se misturando ao solo e até contaminando a água subterrânea ao se infiltrar no solo.
Quanto à contaminação da água, a professora diz que os efeitos são similares. “Ou seja, há alteração das características físicas, como cor, turbidez, sabor e odor. Já as alterações químicas são no pH, alcalinidade e dureza, além de concentração de elementos como ferro, manganês, cloretos, nitrogênio, fósforo, oxigênio dissolvido e matéria orgânica.”
Alma diz ainda que “a água é um meio de contato direto de animais e humanos, sendo um veículo importante para a transmissão de diversas doenças, assim, a contaminação aquática merece atenção especial, devido ao maior potencial de efeitos nocivos à saúde ambiental”.
Efeitos na saúde
Além da água e solo, os resíduos eletrônicos descartados de forma incorreta também causam prejuízos à saúde. De acordo com a professora Alma, “os metais altamente tóxicos, como os metais pesados, representados pelo chumbo, cádmio, arsênio e mercúrio, podem ocasionar danos em órgãos alvos, como rins, ossos e fígado, além do sistema nervoso central”.
Os resíduos também podem estar associados a diversos tipos de cânceres e desregulação do sistema imunológico, e estudos recentes apontam que esses metais também podem deflagrar doenças neurodegenerativas como Parkinson e Alzheimer. “A exposição aguda a esses metais pode causar náuseas, vômitos, diarreia, dor de cabeça, dor abdominal, arritmia, aumento da pressão arterial, alteração dos batimentos cardíacos e formigamento das mãos e pés.” Já a exposição crônica, segundo a professora, pode resultar em danos na estrutura óssea, alterações neurológicas, problemas cardiovasculares, alterações no metabolismo da hemoglobina, distúrbios endócrinos e maior incidência de câncer de pulmão, pele, bexiga e rins.
Quanto aos microplásticos, a docente afirma que os danos ainda não estão bem elucidados. “Porém, pesquisas indicam que eles podem causar a morte celular, obesidade, doenças cardiovasculares, indução de cânceres e reações alérgicas. Algumas pesquisas recentes indicaram também a presença desses poluentes no leite materno, pulmões, rins, fígado e no coração, além do cérebro, como constatou o estudo da FM.”
Descarte adequado
De acordo com a professora, o governo federal, em parceria com os governos estaduais e municipais, deve ser o responsável pelo descarte adequado desses materiais. “A responsabilidade dos governos na temática do descarte de resíduos eletrônicos deve ser pautada no estabelecimento de leis e diretrizes para o descarte ambientalmente adequado, no desenvolvimento de políticas públicas de gestão de resíduos. Também na implementação de programas de educação e conscientização da população, na criação e manutenção de infraestrutura de coleta de reciclagem, no estabelecimento de parcerias com o setor privado para desenvolver programas de retorno e no monitoramento e fiscalização das práticas de gestão de resíduos.”
Alma afirma que os governos não desempenham seu papel de forma eficiente, mas destaca o marco regulatório na área de resíduos, de 2010. “O governo instituiu a lei 12.305, de 2 de agosto de 2010, que criou a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), que versa sobre um conjunto de princípios, objetivos, instrumentos, diretrizes, metas e ações adotados pelo governo federal, isoladamente ou em conjunto com estados e municípios, visando a gestão integrada e ambientalmente adequada dos resíduos sólidos.”
Com a lei, a gestão de resíduos eletrônicos passou a ser obrigatória e realizada de forma compartilhada com os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes. Em 2020, o Decreto 10.240 regulamentou e complementou o inciso e artigo da PNRS sobre a implementação do sistema de logística reversa de produtos eletroeletrônicos e seus componentes de uso doméstico.
Resíduos eletrônicos na USP
A professora diz ainda que a USP adere às iniciativas de campanhas de conscientização e eventos para o descarte adequado dos resíduos eletroeletrônicos gerados em seus campi. Alma conta que “desde 2008, o Centro de Descarte e Reuso de Resíduos de Informática (Cedir) destaca-se com uma iniciativa de sucesso na USP pela implementação de práticas de reuso e descarte sustentável de resíduos eletrônicos”.
Em relação ao campus de Ribeirão Preto, Alma relata que “além do descarte por meio da seção de patrimônio das Unidades, há um ponto de recebimento permanente e específico para coleta desses resíduos localizado na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, uma iniciativa de destaque institucional pela Comissão de Gestão Ambiental da faculdade, implementada em parceria com a empresa Green Eletron, gestora de logística reversa”.
A cidade de Ribeirão Preto conta com seis pontos de coleta de resíduos eletrônicos. Em nota, a Prefeitura Municipal informou que o descarte de eletrônicos é realizado pela própria população, através dos ecopontos distribuídos pela cidade, e que o munícipe pode acessar este link para se informar sobre o tipo de material que pode ser descartado, a quantidade e os endereços.
*Estagiária sob orientação de Rose Talamone e Ferraz Jr.
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