A percepção de que os ambientes em que vivemos influenciam tanto nossa saúde física quanto mental estimula os arquitetos que se debruçam sobre novos projetos de moradia ou de trabalho. A arquitetura está diretamente ligada à saúde mental e, atualmente, o bem-estar da população tem sido uma preocupação cada vez maior. A presença de elementos da natureza como rios, mares e plantas pode tornar os ambientes mais agradáveis e aconchegantes, trazendo calma, tranquilidade e conforto. Outros elementos que podem tornar o ambiente mais favorável à saúde mental são objetos com os quais a pessoa se identifique.
De acordo com a professora Amanda Saba Ruggiero, do Instituto de Arquitetura e Urbanismo (IAU) da USP, em São Carlos, “a arquitetura deve garantir as condições físicas e as condições subjetivas, como um ambiente com iluminação e ventilação natural adequadas e garantia de contato com o ambiente externo. Esse contato é muito importante para a nossa saúde mental”. A professora diz ainda que os aspectos subjetivos também devem ser levados em consideração ao planejar um ambiente favorável ao bem-estar e à saúde mental. “Muitas vezes objetos de decoração ou mobília, como uma cadeira, mesa ou um sofá, que têm uma relação de identidade, ajudam no pertencimento de uma pessoa e na criação de uma identidade para o ambiente.” No entanto, ela faz a ressalva de que o que pode ser bom para uma pessoa, pode não ser para outra.
Além das condições físicas e dos aspectos subjetivos, a professora ainda cita como os aspectos culturais também têm influência no ambiente. “As questões sociais e culturais são muito importantes e influenciam diretamente no desenho desse espaço arquitetônico. Por exemplo, pessoas que vivem em ambientes tropicais têm hábitos distintos de pessoas que vivem em outros ambientes que têm estações mais marcadas.” Ela cita, ainda, o hábito de dormir em redes que pessoas de algumas regiões do País têm. “É uma herança que nós temos dos povos originários e esse hábito ainda persiste em muitas pessoas, trazendo conforto e bem-estar para quem está habituado.”
A capacidade de flexibilização e adaptação dos ambientes também impactam diretamente as condições de saúde mental porque ela “está ligada ao modo como a pessoa está naquele momento e as condições em que vive, hábitos que tem e com o que ela se identifica. Então é importante que o espaço se adapte e se transforme para as condições que a pessoa precisa naquele momento”. A professora ainda diz que esses espaços flexíveis e adaptáveis “são extremamente importantes para a nossa saúde mental”.
Além das casas
Não é apenas nas casas e nos ambientes particulares que a arquitetura influencia a saúde mental. Construções como hospitais e até mesmo cidades podem projetar ambientes que favoreçam o bem-estar das pessoas.
Um exemplo de arquitetura favorável à saúde mental e ao bem-estar no ambiente hospitalar, citado pela professora, são os projetos do arquiteto João da Gama Filgueiras Lima, o Lelé, em parceria com hospitais da Rede Sarah. De acordo com Amanda, “esses projetos são importantes porque revolucionaram a ideia e o conceito de hospitais, que geralmente são espaços muito duros e carregam a memória de momentos difíceis”.
As inovações projetadas por Lelé incluem, em sua maior parte, a natureza. “O que ele traz para esses ambientes hospitalares são jardins internos, luz e ventilação natural”, afirma Amanda. Também diz que o arquiteto, falecido em 2014, utilizou de cores e ambientes alegres nos projetos para transformar a ideia que as pessoas têm de hospitais para algo mais acolhedor e aconchegante.
O arquiteto pensou em um sistema pré-fabricado para hospitais, seguindo os moldes de sua parceria com a Rede Sarah, com um custo muito menor, buscando velocidade na construção e versatilidade dos elementos com o sistema inteligente. Amanda conta que Lelé implantou a fábrica no País, mas que “por motivos complexos e distintos, o sistema acabou não sendo privilegiado pelo poder público e foi interrompido”.
Outro ponto tocado pela professora é a necessidade de os municípios focarem na saúde mental dos habitantes por meio de mudanças em sua estrutura física. “É muito importante que as cidades também foquem na nossa saúde mental. Elas devem permitir que nós possamos caminhar em áreas de sombra, a segurança do pedestre ao fazer uma caminhada, que nós tenhamos um lugar para sentar e relaxar embaixo de uma árvore.” Amanda ainda cita a necessidade de espaços públicos para crianças brincarem e terem contato com a natureza, como parquinhos e playgrounds.
Para a especialista, essa conscientização deve vir do poder público e que as ações sejam cobradas pela sociedade. “A sociedade deve cobrar modalidades eficientes e seguras de deslocamento e mobilidade e de transporte. Nós não podemos ficar 24 horas por dia presos dentro de um carro, temos que nos locomover de bicicleta, fazer uma caminhada e ter a possibilidade de ter um bom transporte público”, afirma.
A professora conclui dizendo que devemos ter consciência do mundo em que vivemos para, de alguma forma, “transformarmos as condições cada vez mais extremas em que vivemos em soluções habitáveis e que sejam pertinentes e sustentáveis, para que possamos ter uma boa qualidade de vida e uma perspectiva de melhora para a nossa saúde mental”.
*Estagiária sob supervisão de Rose Talamone e Ferraz Jr