Reciclagem de baterias de lítio é um processo crucial para o mercado de eletrônicos

Com o crescimento global do mercado de carros elétricos cresce também o interesse em desenvolver processos mais eficientes na reciclagem das baterias de lítio

 Publicado: 27/06/2024
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A operação desenvolvida no Larex restaura todos os componentes da bateria, o anodo, o catodo, o revestimento e as partes plásticas – Foto: Latas de lixo reciclável – Pixabay
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Os primeiros testes envolvendo o uso do lítio e geração de energia foram feitos em 1912 pelo físico Gilbert Newton Lewis. Contudo, as baterias de íons lítio, como conhecemos hoje, só começaram a chegar nos produtos eletrônicos na década de 70. A invenção representou um avanço importante para o setor. Os modelos passados, como os sucessos de chumbo-ácido e níquel-cádmio, eram mais pesados e tinham menos capacidade de armazenamento energético. Hoje, os íons lítio são os que energizam seu smartphone, seu computador e, muito provavelmente, serão os responsáveis por energizar seu carro no futuro. 

As vendas de carros elétricos tiveram um impulso significativo nos últimos anos, 41% em 2020 e 108% em 2021. Em 2023, 14% do total de carros novos comercializados no mundo já eram elétricos. No Brasil, o setor dá sinais fortes de que veio para ficar. Mesmo com o retorno da taxação de importados elétricos, o mês de janeiro de 2024 registrou o emplacamento de 12 mil veículos eletrificados, 167% a mais que no mesmo período de 2023. A empresa chinesa BYD planeja investir R$ 5,5 bilhões em Camaçari, na Bahia, em um projeto que inclui exploração e beneficiamento do lítio para as baterias. Para Ricardo Bastos, presidente da Associação Brasileira de Veículos Elétricos (ABVE), o Brasil será um produtor de baterias para veículos elétricos em menos de dez anos. Com o crescimento desse mercado cresce também o interesse nos negócios que envolvem seu componente mais importante, que é justamente a bateria. Um estudo da McKinsey Battery Insights projeta que toda a cadeia de baterias de íons de lítio, desde a mineração até a reciclagem, pode crescer em mais de 30% ao ano até 2030. 

Um fator importante sobre a narrativa dos BEVs (Battery Electric Vehicles) é que ela se sustenta por estar atrelada fortemente a uma agenda ambientalista mais ampla: a transição para matrizes energéticas sustentáveis. O modal surge em meio a uma crise climática e em um momento em que autoridades globais estão buscando alternativas para mitigar os efeitos que já estão sendo observados. Os BEVs se vendem como uma forma de locomoção limpa, sem emissão de carbono, demanda urgente do mundo moderno. Para não se tornar a troca de um problema por outro, é necessário que as baterias desses carros, ao fim de sua vida útil, tenham um destino que não afete o meio ambiente, o que vem sendo um problema para pesquisadores e ambientalistas.

O descarte das baterias de lítio pode ter um impacto negativo no meio ambiente. Composta de metais pesados e químicos tóxicos, as baterias de lítio não são biodegradáveis e podem durar centenas de anos após o fim de sua utilidade. Além disso, se o processo for feito de forma inadequada, pode contaminar lençóis freáticos com as substâncias químicas vindas dos metais. A reciclagem se torna então um processo crucial para esse mercado. O pesquisador Amilton Botelho, pós-doutorando que integra a equipe do Larex – Laboratório de Reciclagem, Tratamento de Resíduos e Extração – da Escola Politécnica da USP, explica que os processos de reciclagem também contêm gargalos, mas que o laboratório tem feito avanços na questão.

Problemas e desafios

Segundo o especialista, uma bateria de íons lítio dura em média cinco anos e é composta de várias pequenas células, local onde ficam os dois polos da bateria que estabelecem uma corrente elétrica, o anodo e o cátodo. É aí que se encontram o lítio e o grafite. Juntas, as células formam um pack, um pacote maior. A primeira etapa do processo de reciclagem é o desmembramento desse pacote, na procura de uma célula em estado de conservação razoável que possa ser reutilizada, originando uma bateria de segunda vida. Normalmente, as células de segunda vida formam baterias para armazenar energia de painéis fotovoltaicos. O restante é encaminhado para a reciclagem. Botelho conta que os métodos mais tradicionais envolvem reações térmicas em até mil graus Celsius. O grafite contido na bateria vira CO2 e o plástico também, agravando o efeito estufa. Além disso, são processos que atendem a porções pequenas do mercado de produtores, pois funcionam para apenas alguns tipos de baterias de lítio.

Amilton Botelho – Foto: Acervo Pessoal 

“Existem vários problemas para serem resolvidos nessa situação. Um dos grandes desafios para uma reciclagem eficiente é fazer com que apenas um processo, um único método, consiga atender a diversos tipos de modelos de baterias. Existem vários tipos de baterias, de diferentes empresas e que atendem a diferentes mercados. Como reciclar tudo em um processo industrial só? Essa é uma charada que nós conseguimos resolver com nossa pesquisa, atendemos a todas essas demandas com o nosso processo”, explica. 

Outra questão é o alto consumo energético, que torna a operação muito cara e pouco atrativa financeiramente. A alternativa desenvolvida na USP é mais eficiente e mais barata. “Escolhemos uma rota de processamento em meio aquoso, a chamada hidrometalurgia,  o que nos permite operar em temperaturas bem mais baixas, em torno de 90° Celsius. Chegamos em 95% da recuperação dos materiais, conseguimos recuperar a fração plástica da bateria e também o grafite”, afirma. 

A operação desenvolvida no Larex restaura todos os componentes da bateria, o anodo, o catodo, o revestimento e as partes plásticas, recuperando assim todos os metais preciosos e itens de valor do objeto. Além disso, os 5% de resíduos que ficam do processo podem ser reutilizados em outros processos industriais. “Processos industriais sempre vão gerar resíduos. A ideia é que os processos novos tenham uma melhor eficiência, desenvolvam novas tecnologias, mas que também você possa reaproveitar os resíduos que são gerados. Não se trata só de um processo industrial match zero, ou seja, sem emissão de carbono. Mas, sim, de um processo que deixe resíduos úteis para outras áreas da indústria”, elucida.

Sobre a aplicabilidade do processo em escala industrial, Botelho conta que sua equipe está fazendo progressos. “Toda a rota desenvolvida em laboratório está sendo aplicada hoje em escala piloto, saímos de uma escala de 100ml para uma de 20, até 60 litros. Nesse sentido, somos os primeiros no mundo a chegar nesses resultados com tanto volume de material”, finaliza o pesquisador. 

*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira


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