Publicar em revistas científicas impressas está ficando obsoleto

Por Tibor Rabóczkay, professor do Instituto de Química da USP

 28/05/2024 - Publicado há 2 meses
Tibor Rabóczkay – Foto: Cecília Bastos / USP Imagens

 

 

Os comentários e as propostas a seguir se baseiam em vivência pessoal, portanto, um curto relato prévio se faz necessário.

Minhas primeiras publicações remontam aos tempos de iniciação científica, como bolsista da Fapesp. Tínhamos que buscar nosso pagamento na relativamente modesta sede da fundação – numa esquina da Avenida Paulista –, e recebíamos das mãos de uma simpática funcionária que, visivelmente, compartilhava da nossa alegria. As pesquisas resultaram na coautoria de dois artigos publicados na revista Tecnologia de Alimentos & Bebidas, de efêmera duração, como muitas outras iniciativas brasileiras do gênero. O idioma dos artigos foi o português mesmo, pois nós, o bolsista e o orientador, tínhamos em mente o interessado brasileiro. Além disso, vigia a convicção de que um eventual interessado estrangeiro providenciaria a tradução para seu idioma. Já na carreira acadêmica, eu próprio fui algumas vezes solicitado por colegas para traduzir artigos do pouco acessível idioma húngaro, eventos que confirmam a hipótese.

Entre as publicações da Cátedra de Físico-Química e Eletroquímica da Escola Politécnica, predominava a forma de teses. Com a mudança para as novas instalações no Conjunto das Químicas, entrei em contato com os oriundos de outras institutos e outras “filosofias” de trabalho. Enquanto integrantes da cátedra, montávamos as condições para o reinício e a ampliação da pesquisa científica sistemática, comecei a me interessar pelas revistas.

Na época, conhecia duas revistas brasileiras que conseguiam manter uma periodicidade, e em que trabalhos da área de físico-química pareciam ser publicáveis. A Ciência e Cultura, da SBPC, e os Anais da Academia Brasileira de Ciências. A primeira me parecia complicada, pois, se bem me lembro, pedia com o artigo submetido os currículos dos autores. Na outra, bastava uma recomendação de um membro da Academia para o aceite.

Principiante e desinformado, eu conversava com os mais “velhos” sobre a problemática de publicar. E o juízo se resumia entre os químicos: se a revista é “abstractada” no Chemical Abstracts, vale a pena publicar nela. O Chemical Abstracts seria, então, o determinador de “qualidade”. Mas a Ciência e Cultura e os Anais eram acompanhados pelo Chemical Abstracts? Incrível, ninguém sabia responder. Sugeri, então, a bibliotecárias do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, com as quais eu tinha uma interação profissional mais próxima, que fizessem uma pesquisa sobre as publicações brasileiras que apareciam no Chemical Abstract, se é que havia alguma. A surpresa: foram encontrados mais de 200 títulos brasileiros. O Chemical “abstractava” tudo, pois o seu objetivo era a informação acerca de tudo que em química tivesse sido publicado no mundo e não a qualidade real ou suposta dessas publicações. Isso pareceu-me óbvio… a posteriori.

Prevalece a informação. Os ranqueamentos e índices de impacto não existiam ou não tinham conquistado ainda seu duvidoso prestígio. Era uma época de cartões pré-impressos de pedidos de separatas. Tempos sem internet. E alimentar vaidade com o número de citações, impossível.

Constatei também que, quando o artigo submetido não era sujeito a avaliação pelo cripto-referee, caso dos Anais na época, o autor tomava muito mais cuidado na elaboração do texto, interpretação dos dados e conclusões para evitar erros e gafes. O cientista-autor sabia que o que estava escrito permaneceria!

A narração histórica visa mostrar que a melhor avaliação de um artigo científico seria sua utilidade medida mediante suas aplicações ou contribuição para o avanço do conhecimento. Como essas ocorrências não se dão necessariamente no presente, mas podem suceder no futuro, uma apreciação justa e correta, simplesmente, é impraticável fora do ponto de vista histórico-bibliométrico. Diante dessa realidade, qualquer ranqueamento, índice de impacto, número de citações, eventuais outras fantasias de gestores que entendem muito de estatísticas, mas nada dos percalços do trabalho dos cientistas, têm valor nulo.

Fica, porém, claro que a pesquisa deve ser exposta ao público, a possíveis utilizadores, a possíveis interessados. Os resultados científicos devem ser anunciados e tornados acessíveis a todos que possam aproveitá-los ou sejam apenas curiosos. “Antigamente”, esses anúncios eram feitos mediante publicações do tipo “abstracts”, como, no caso da química, o Chemical Abstracts, ou em biologia a Biological Abstracts etc. Hoje em dia a divulgação é facilitada pela internet.

Mecanismos de busca tornaram fácil encontrar publicações – com base no assunto ou nome de autor –, sejam publicações avulsas, ou incluídas em portais, ou na forma de artigos em revistas eletrônicas e variantes eletrônicas de revistas impressas. Não só os custos de publicação – que em algumas revistas impressas se equiparam aos preços de instrumentos de laboratório mais simples –, mas também o tempo necessário para a obtenção de informações pode ser reduzido drasticamente.

Além disso, como uma matéria há pouco publicada na revista da Fapesp nos alerta, artigos científicos cancelados continuam sendo citados por pesquisadores que não detectaram o cancelamento.

Em face desses inconvenientes e diante das possibilidades oferecidas pela internet, a publicação em revistas científicas impressas vai ficando obsoleta. As universidades e os institutos de pesquisa poderiam ter portais onde suas respectivas produções científicas, redigidas em forma de artigos, seriam disponibilizadas aos interessados gratuitamente (pelo menos no caso de instituições públicas). A publicação em revistas em formato tradicional poderia ser mantida para os autores continuarem se encantando à vista de seus nomes impressos. Isto é, a forma impressa se tornaria um evento secundário, sem significado para avaliações.

A vantagem adicional da forma de publicação proposta está na possibilidade de poder acumular comentários de outros cientistas ou mesmo exibir que o artigo foi “retirado”. A publicação se daria sem a intromissão de referees, e a possibilidade de ocorrerem críticas faria os autores aumentarem os cuidados na elaboração de suas publicações. A vigilância prévia pelos “pares” seria substituída pelo empenho dos próprios autores num procedimento autorregulatório.

Com publicações em portais seria muito fácil assinalar a “retirada” de um artigo. Rapidez na publicação, custo baixo, transparência, visibilidade, além da eliminação de fatores subjetivos ou interesseiros nos pareceres emitidos por referees seriam as vantagens. Uma verdadeira inovação, para usar um termo em moda.

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