José Gregori é homenageado com Prêmio USP de Direitos Humanos

Oriundo da Faculdade de Direito da USP, ex-ministro dedicou a vida à defesa dos direitos fundamentais e é referência na área

 12/12/2023 - Publicado há 7 meses     Atualizado: 15/12/2023 as 19:34
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A vice-reitora Maria Arminda do Nascimento Arruda (esq.) entrega o Prêmio USP de Direitos Humanos à família de José Gregori – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

José Gregori, formado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, secretário Nacional dos Direitos Humanos no período de 1997 a 2000 e ministro da Justiça no período de 2000 a 2001, foi homenageado com o Prêmio USP de Direitos Humanos no último dia 11 de dezembro. A data da cerimônia remete ao Dia Internacional dos Direitos Humanos, comemorado em 10 de dezembro, marcando os 75 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos adotada pela ONU.

Falecido em setembro deste ano, Gregori é uma referência na luta pela defesa dos direitos fundamentais e do Estado Democrático de Direito. O evento, realizado na sala do Conselho Universitário, contou com a participação da família do homenageado e de autoridades universitárias, que manifestaram seus sentimentos de saudade e admiração.

Os discursos dos convidados elevaram as muitas qualidades do homenageado. A professora aposentada e ex-membro da Comissão de Direitos Humanos da USP, Maria Hermínia Tavares de Almeida, exaltou a capacidade de Gregori, que presidiu a Comissão, de, por meio do diálogo, estabelecer conexões mesmo com pessoas e grupos de pensamentos divergentes.

“José Gregori foi uma dessas pessoas que manteve o tempo inteiro as pontes entre as forças que fizeram a democracia e depois foram para campos políticos diferentes. Ele sempre conseguia conversar, o tempo inteiro ele estava construindo, de forma pública ou de forma mais discreta, a possibilidade dessas conversas”, explanou.

Ela comentou, também, sobre a diferença que Gregori fazia no trabalho da Comissão: “Ele transformou esta Comissão em algo que efetivamente tratava de direitos humanos. Quando os problemas de violência dentro da Universidade se tornaram mais frequentes, a Comissão assumiu uma outra característica, virou uma assessoria da Reitoria. Ela tomou para si essas questões e tratou delas como se deve tratar numa universidade — com tolerância, com abertura, sem pré-julgamento”.

“Essa é a forma de prestar uma última homenagem a um amigo muito querido, com quem aprendi muito e com quem, nos últimos tempos, convivi bastante”, declarou Maria Hermínia – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Já a vice-reitora da USP, Maria Arminda do Nascimento Arruda, caracterizou Gregori como um estandarte de sua militância. “O ex-ministro e embaixador teve o seu nome identificado à agenda dos direitos humanos. Como ocorre a poucos, tornou-se, ainda em vida, um emblema e um sinônimo da causa que defendeu”, disse.

Ela recordou a importância do professor no processo da redemocratização brasileira. A defesa das instituições democráticas foi uma constante na vida do homenageado — em 2022, ele foi um dos signatários da Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em Defesa do Estado Democrático de Direito, lançada no dia 11 de agosto do ano passado. 

“José Gregori sabia que a agenda dos direitos humanos é ampla e necessita ser generosa e inclusiva, especialmente no contexto das exclusões históricas que ainda hoje persistem no nosso país”, terminou a vice-reitora.

“A Universidade de São Paulo está afirmando que a causa dos direitos humanos deixou frutos valiosos a partir de José Gregori”, afirmou Maria Arminda – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

José Gregori, pai

Maria Filomena Gregori, uma das filhas do jurista, representou a família na homenagem. Ela contou a história de seu pai, vindo de família imigrante, desde a infância aos tempos da universidade e da vida pública.

“Meu pai foi um homem de palavra, nos vários sentidos. Foi de palavra ao definir um rumo e de cumprir com gestos, não apenas palavras, a missão de alçar direitos humanos à política pública. Em um país desigual e autoritário, isso não é pouco”, disse, citando a honra de receber postumamente a premiação.

Maria Filomena discursou em nome de suas irmãs, Maria Stella e Maria Cecília Gregori – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

“Foi um homem em que o mundo era sentido e vivido por meio das palavras. E porque ele era da palavra, venho aqui externar por palavras o imenso reconhecimento que temos em relação a ele, mesmo admitindo que o luto é feito de silêncio e de introspecção”, relatou, afirmando que apenas o trabalho do tempo irá conformar a memória dos que conviveram tão intensamente com um pai, em suas palavras, “gigante”.

Maria Filomena contou que Gregori acreditava que os valores que regem os direitos humanos não se restringem à letra da Lei. “Esse grande pai, que fez a passagem como um passarinho, nos disse em uma carta essas frases que eu gostaria de reproduzir. ‘Minhas filhas, a paternidade não é uma escolha, ela vem com a vida. Para mim não; não me veio apenas, e será minha vida até o fim. Tudo o que me aconteceu, eu confundi com as filhas a quem dei a vida inicial, mas recebi muito mais do que dei. Meu sentimento é de gratidão, de alguém que obteve mais do que tinha direito.’”

“Meu pai tinha algumas convicções. A primeira era de que a vida é feita de imprevistos, sabedoria que adquiriu de uma vida perpassada pela tragédia. A segunda era de que, sendo de ferro, ele sempre dizia que era preciso ser de ferro. A vida também trazia muita oportunidade de resistência e chances de atuação. A terceira era de que não podemos nos acomodar achando que o terrível da vida não voltaria a acontecer”, finalizou, ao comentar sobre seu esforço contínuo pela defesa de seus ideais. “A esse pai, ficam aqui as minhas modestas palavras diante do imenso prazer e do privilégio de uma convivência completa e plena”, afirmou.

José Gregori, falecido aos 92 anos, em setembro de 2023 – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Inclusão e pertencimento

A pró-reitora de Inclusão e Pertencimento, Ana Lucia Duarte Lanna, considerou a entrega desta edição do prêmio como algo de caráter absolutamente excepcional. “Eu diria que, ao longo desses quase dois anos de existência da Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento, essa talvez seja uma das solenidades mais significativas e que indicam caminhos e compromissos de futuro da Pró-Reitoria, expressos no seu ato fundador”, afirmou.

Em seu discurso, Ana disse que a premiação é “muito mais do que uma homenagem, é a construção de um farol, de caminhos e perspectivas que são essenciais para que possamos lidar com a complexidade dos temas com os quais nos deparamos cotidianamente no âmbito da universidade e das complexas relações que esses temas colocam entre a universidade e o mundo social”.

A pró-reitora de Inclusão e Pertencimento, Ana Lucia Duarte Lanna, presta suas homenagens ao professor José Gregori – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

 

Para o diretor da Coordenadoria de Direitos Humanos e Políticas de Reparação, Memória e Justiça da PRIP, Renato Cymbalista, Gregori legitimaria o trabalho realizado pelo novo órgão.

“Em um momento importante de mudanças na Universidade, ele foi um forte apoiador de nossas ações, nossas formas e nossos conteúdos”, contou Cymbalista. “Gosto de acreditar que ele está confiante nas nossas ações. Uma outra qualidade do doutor José era o dom da legitimação. Usando a sua própria legitimidade, que era imensa, ele legitimava as ações nas quais ele acreditava. Também gosto de pensar que ele estaria aqui, legitimando uma série de ações que estão sendo feitas nesta Universidade para torná-la mais justa e respeitadora dos direitos humanos”, concluiu.

Prêmio USP de Direitos Humanos

O Prêmio USP de Direitos Humanos foi entregue pela primeira vez no ano 2000 e, de lá para cá, foram diversas as personalidades e instituições homenageadas pela premiação. Entre os vencedores estão a pediatra Zilda Arns Neumann, a diplomata Aracy de Carvalho Guimarães Rosa, o oncologista Drauzio Varella e o padre Júlio Lancellotti. Na última edição, o Instituto Butantan e a Fiocruz receberam o prêmio em reconhecimento à atuação de ambas na produção de ciência no período da pandemia. 

Os premiados são escolhidos pela Comissão de Direitos Humanos da Universidade, atualmente composta com Eunice Aparecida de Jesus Prudente (Faculdade de Direito), Gustavo Gonçalves Ungaro (Ouvidoria Geral do Estado de São Paulo), Júlio Cesar Botelho (Ministério Público do Estado de São Paulo), Maria Victoria de Mesquita Benevides Soares (Faculdade de Educação), Nuno Manuel Morgadinho dos Santos Coelho (Faculdade de Direito de Ribeirão Preto), Paulo Santos de Almeida (Escola de Artes, Ciências e Humanidades), Pedro Bohomoletz de Abreu Dallari (Instituto de Relações Internacionais), Taís Gasparian (Instituto de Estudos Avançados), Ricardo Alexino Ferreira e Vitor Souza Lima Blotta (Escola de Comunicações e Artes), Egídio Lima Dorea (representante dos funcionários) e Amanda Clara Soares Medina (representante discente).

A cerimônia de entrega do Prêmio USP de Direitos Humanos ao professor José Gregori pode ser conferida na íntegra no canal da Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento:

*Estagiária sob supervisão de Michel Sitnik


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