Na 28ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP 28, em Dubai, uma mesa de discussão teve como foco as perspectivas judiciais relacionadas às mudanças climáticas.
A crise climática foi abordada sob a perspectiva das leis, pela visão de um grupo de juízes de diferentes partes do mundo. As colocações de brasileiros inspiraram algumas perguntas: Qual o papel da Suprema Corte nas questões climáticas? Crucial? Como as questões jurídicas se relacionam com os demais aspectos das mudanças climáticas?
Claro que as Cortes são cruciais para avançarmos nas adaptações. Mas, apesar do papel fundamental que o supremo teve na defesa da democracia no Brasil, a floresta Amazônica continuou queimando durante todo o último governo. Ao mesmo tempo, naquele governo a ciência foi massacrada e as questões relacionadas aos combustíveis renováveis pouco avançaram. Isto denota que a Corte é importante sim, mas que sua ação, assim como de todo o judiciário, tem um limite. Talvez um trabalho conjunto entre o Supremo Tribunal Federal e os cientistas possa ajudar.
Um outro problema identificado ao longo das discussões é que a Suprema Corte está muito distante de uma ação direta sobre o dia a dia das pessoas. Ao mesmo tempo em que o Supremo decide algo no sentido de a Amazônia não poder ser queimada, em algum município da região amazônica, cidadãos podem simplesmente ignorar a decisão e continuar com suas atividades degradantes. Por isso é preciso investigação, ação policial, prisões, julgamento e punições. Estes processos, pelo menos no Brasil, são tão longos que a floresta inteira poderá ser queimada antes mesmo que alguma ação efetiva puna os perpetrantes. Pior, eles poderão não ser punidos se o governo mudar e passar a protegê-los, como já aconteceu antes.
A dinâmica das preocupações e ações humanas para deter ou desacelerar a crise climática apresenta uma limitação formidável. O Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas (IPCC) é, de longe, o mais veloz: reúne a ciência existente e discute profundamente em seus três grupos. O Grupo 1 mergulha em informações científicas, busca as evidências da existência ou não da mudança climática e qual a relação dela com as atividades humanas. Cientificamente, a atribuição de responsabilidade humana ao processo é um dos problemas mais difíceis.
O Grupo 2 parte das informações compiladas pelo Grupo 1 e opera sob a premissa dos efeitos tangíveis das atividades humanas, como o aumento dos gases de efeito estufa, aumento de temperatura e significativas alterações climáticas críticas. Com base nesse pressuposto, o Grupo 2 realiza uma extensa busca na literatura científica, para identificar evidências dos impactos provocados pelas mudanças climáticas.
O Grupo 3, que evoluiu mais lentamente do que os dois anteriores, é hoje um dos mais importantes, pois é o responsável por apontar potenciais soluções para evitar os impactos identificados.
No contexto formado pelo trabalho do IPCC, dois termos se tornaram chave para entender como abordar as mudanças climáticas: mitigação e adaptação. A primeira consiste em evitar as emissões de gases do efeito estufa e a segunda trabalha na busca por soluções para reparar os danos. Nesse contexto, há dois pontos importantes a considerar: o primeiro é o custo financeiro. Ele é da ordem de magnitude maior para adaptar do que para mitigar. Em 2023, acredita-se que o custo para o mundo deter o avanço das mudanças climáticas seja maior do que a soma de todos os Produtos Internos Brutos (PIBs) de todos os países do mundo. E a situação piora exponencialmente a cada dia, demandando mais e mais dinheiro.
No ponto em que estamos, ainda que seja essencial continuar reunindo e disponibilizando informações, a ciência já apresentou seu caso. As mudanças climáticas estão em curso. Há tecnologias disponíveis e o problema pode ser atacado.
Para tanto é necessário:
1 – Promover uma transição energética no planeta, abandonando o petróleo e usando energias renováveis;
2 – As tecnologias para agricultura precisam ter base ecológica, ou seja, uma nova revolução verde;
3 – Produzir alimentos de forma sustentável e diminuir o desperdício;
4 – Proteger e, se possível, aumentar as “florestas”, aqui no lato sensu, incluindo mangues, savanas e outros biomas;
5 – As cidades precisam desenvolver rapidamente medidas de adaptação, já que é sobre elas, onde vive a maioria das pessoas, que o impacto atua ao final de tudo, na maioria das vezes.
Enquanto o IPCC aponta claramente esses problemas, as Conferências das Partes (COPs) reúnem um enorme número de pessoas, governos, empresas e instituições, que passam dias discutindo de forma dispersa as suas diferentes opiniões sobre o que fazer em relação às mudanças climáticas.
Já os diplomatas se reúnem e tentam aperfeiçoar acordos internacionais, que os países signatários tentarão seguir. Tentarão porque as ações vão depender das condições políticas e socioeconômicas de cada país. Assim, cada um “faz o que pode”. Quem não conseguir fazer, não receberá nenhum tipo de punição objetiva, a não ser as críticas dos pares e da imprensa.
Em resumo, quando a questão da mudança climática extrapola a ciência, as discussões para obter soluções ainda se tornam difusas, imprecisas e pouco previsíveis. Tudo isso se dá em função da complexidade do problema, que é global, e da necessidade de soluções sistêmicas, para as quais metodologias ainda não foram desenvolvidas. Uma coisa todos já sabem: o sistema planetário desenvolvido pelos seres humanos é altamente sensível a alterações geopolíticas e dependente de especificidades locais.
Na COP 28, foram centralidades das discussões as perdas e danos e o financiamento. No primeiro caso, perdas e danos, denota-se claramente que entramos em uma fase em que as adaptações estão se tornando mais importantes que a mitigação, dado que os efeitos do aquecimento global causam problemas cada vez mais intensos. Já no segundo caso, do financiamento, os países mais pobres reclamam que não têm como custear os desastres, que já estão acontecendo, conforme relatórios do IPCC. Este problema era previsto, uma vez que os eventos extremos impactam cada vez mais os mais pobres e geram prejuízos financeiros sem precedentes por todo o planeta.
Além das questões econômicas, outras, também óbvias, se tornam centrais: as questões judiciárias. A discussão, nesse caso, vai na direção de encontrar mecanismos para que as Cortes dos diferentes países possam lidar internamente e entre si. Juízes estão preocupados com os processos de litigação climática, que começam a ocorrer em várias partes do mundo. Claramente, há uma descontinuidade na comunicação e compreensão dos juízes sobre a ciência e vice-versa. Tal diálogo precisa começar o mais rápido possível.
Mais do que isto, vários temas precisam ser colocados na mesa e diferentes áreas precisam dialogar, como, por exemplo, ciência, tecnologia, financiamento e justiça. Há décadas estes temas estão na mesa e as discussões continuam rasas. Na COP, os relatórios apresentados pelo IPCC têm sido considerados como um extrato simplório, com mensagens vagas.
A presença de jovens, participando e se manifestando, e as discussões específicas sobre educação para o futuro parecem indicar que a solução ainda está longe. Claramente, uma sequência de processos de conscientização vem ocorrendo lentamente.
Mas a boa notícia é que as diferentes visões de mundo começam a serem colocadas e cientistas, políticos, ONGs, empresas, juízes e a população precisam se entender e partir para uma governança conjunta. Um ponto central e provavelmente o maior a ser resolvido é fazer com que as lideranças entendam que qualquer caminho produtivo nessa área tem que ter como base a ciência.
* O professor Marcos Buckeridge integra a comitiva da USP que participa da COP 28.
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