Fentanil, opioide 50 vezes mais potente que a heroína

Em 2023, essa droga – que mata por depressão respiratória, segundo Maurício Yonamine – causou mais de 100 mil óbitos por overdose nos EUA

 01/11/2023 - Publicado há 1 ano
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O fentanil é considerado o opioide mais forte disponível para o uso em seres humanos – Fotomontagem: Nils Wommelsdorf e Marcos Santos
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Cerca de 300, aproximadamente, é o número de pessoas que morrem por dia nos Estados Unidos, devido ao uso de fentanil, de acordo com um estudo divulgado por pesquisadores da Universidade da Califórnia em Los Angeles (Ucla). O fentanil pertence à classe dos opioides sintéticos, substâncias utilizadas na terapêutica, principalmente para tratamento da dor moderada à intensa. Esse fármaco também é usado, juntamente com outros medicamentos, para induzir e manter os efeitos da anestesia em procedimentos operatórios, endoscópicos e dentários, além de em unidades de cuidados intensivos. 

Esse opioide é 50 vezes mais potente que a heroína – substância derivada do ópio e causadora de  alta dependência – e 100 vezes mais forte que a morfina – um fármaco de alto poder analgésico. Em 2023, os Estados Unidos já atingiram a marca de mais de 100 mil mortes por overdose, causadas principalmente pelo uso indevido de opioides. Esse cenário de abuso de substâncias ilícitas e alto índice de overdoses, entretanto, não é inédito no país e começou muito antes da circulação de fentanil. 

Contexto norte-americano 

Maurício Yonamine, professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da Universidade de São Paulo, explica que esse cenário começou na década de 1990, quando uma indústria farmacêutica americana introduziu no mercado a oxicodona, um opioide semissintético, indicado para tratamento da dor. 

A empresa, na época, adotou estratégias de marketing agressivas, cooptando médicos a prescrever medicamentos, com a alegação de que, praticamente, não havia risco de dependência. Como resultado, segundo Yonamine, houve um considerável aumento das prescrições, o que provocou  um uso abusivo dos pacientes e um aumento nos casos de overdose. “Essa é considerada a primeira onda de epidemia dos opioides nos Estados Unidos”, pontua o professor. 

Maurício Yonamine – Foto: Reprodução YouTube

Por volta de 2010, devido às restrições impostas para prescrição de medicamentos opioides, ocorreu uma migração dos usuários para o consumo de heroína, o que iniciou a segunda onda de overdoses e segunda parte da epidemia. A terceira onda ocorreu por volta de 2013, com o aumento dos casos de overdose devido ao uso abusivo de opioides sintéticos, como o fentanil e outros derivados. 

O fentanil é considerado o opioide mais forte disponível para o uso em seres humanos e seu alto poder destrutivo pode ser explicado porque, estima-se, o risco de overdose ao injetá-lo de forma abusiva é duas vezes maior que o risco ao injetar heroína, e oito vezes maior que o risco ao injetar outros opioides prescritos. “A morte geralmente ocorre por depressão respiratória, pois o tronco encefálico, que controla a função respiratória, possui receptores opioides. A ligação do fentanil nesses receptores faz com que o indivíduo pare de respirar, mesmo estando ainda consciente”, comenta. 

Circulação de fentanil no Brasil 

Em março deste ano, o opioide foi apreendido em território brasileiro, o que deixou as autoridades em alerta para um possível consumo exacerbado da droga no País. Entretanto, até o momento, não foram registrados altos índices de uso de fentanil. O que diferencia, então, o grau de abuso de substâncias ilícitas nos Estados Unidos e no Brasil? 

No Brasil, existem leis, guias, códigos de ética médica e farmacêutica que tendem a coibir possíveis abusos da relação entre a indústria farmacêutica e os médicos; entretanto, isso não é exclusivo: nos Estados Unidos também existem fiscalizações que visam ao controle de fármacos que podem causar dependência.

Yonamine acrescenta que, se a situação norte-americana é alarmante, certamente houve falhas na fiscalização das prescrições de opioides e no monitoramento da incidência de efeitos adversos pela população. “Além disso, há informações que, na época, a indústria que fabricava oxicodona adotava estratégias que tentavam driblar a legislação, oferecendo brindes caros, benefícios diversos […] tudo para aumentar a quantidade de prescrições médicas, o consumo de opioides e, consequentemente, os lucros da empresa, sem se importar com os pacientes”, explica. 

Em março deste ano, o opioide foi apreendido em território brasileiro – Fotomontagem: Pexels e Public Domain

 

Algumas pesquisas já mostraram que a composição das drogas ilícitas que circulam no Brasil varia tanto em quantidade quanto em diversidade de componentes. “Algo vendido como cocaína hoje pode conter também cafeína, efedrina e levamisol. Algo vendido como êxtase pode conter MDMA, juntamente com metanfetamina ou catinonas, e o fentanil pode aparecer misturado com cocaína e canabinoides sintéticos, que aqui são conhecidos como as drogas K.” O uso de fentanil isoladamente já oferece altos riscos de overdose e mortes; quando combinado com outras substâncias pode exacerbar ainda mais seus efeitos. 

Para evitar que o Brasil enfrente uma situação semelhante à que está acontecendo nos Estados Unidos, Yonamine acredita que seja necessário adotar ações de educação de médicos e pacientes quanto aos riscos de uso de opioides, monitorar continuamente a prescrição, o consumo e ocorrências diversas, e um rigoroso controle do tráfico de drogas. “Abordagens de minimização de riscos adotadas posteriormente pelos norte-americanos, para conter a epidemia dos opióides, também devem ser adotadas por aqui, de modo que seja um aprendizado para nós”, completa.

*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira


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