É preciso cuidar da saúde mental dos pesquisadores

Por Tibor Rabóczkay, professor do Instituto de Química da USP

 25/10/2023 - Publicado há 6 meses
Tibor Rabóczkay – Foto: Reprodução / Rede Premium TV via Youtube

 

Empolgante a riqueza programática da primeira Semana de Saúde Mental da USP, realizada em diversos campi no primeiro semestre deste ano. O evento coincidiu “com o calendário nacional de celebração e luta em defesa da política de saúde mental brasileira e de seus princípios e valores basilares, que vinculam estreitamente essa política à problemática da justiça social, da dignidade e dos direitos humanos”. Para minha infelicidade, não pude assistir à Roda de Conversa: Pressão na vida acadêmica, assim, desconheço seu conteúdo. Minha suposição de que se referia aos docentes/pesquisadores, esteja certa ou não, me deixa com a impressão de que perdi algo importante.

Não há dúvida, nem para um aposentado como eu, que as condições de trabalho dos membros do corpo docente merecem, ou mesmo necessitam, de um exame profundo e extenso. O convívio com jovens em idade de contestação é um privilégio desgastante: o estudante individual amadurece e evolui, mas a idade média da classe, à qual o(a) docente ministra aulas, se mantém a mesma. Às necessidades inerentes à atividade didática somam-se as administrativas. Comissões e numerosas reuniões burocráticas interrompem o tempo que deveria ser de atividades científicas, pois estas exigem, quase sempre, períodos contínuos de muitas horas. Uma semana com duas ou três reuniões não é incomum. No trabalho em laboratório, frequentemente, perde-se dias tentando consertar um equipamento, atividade necessária na falta de técnicos e diante da lentidão com que solicitações de consertos e verbas para consertos são atendidas, quando atendidas. E o entrevero com os cripto-assessores das agências de fomento pode levar meses sem condições de trabalho no laboratório.

Se tudo isso não bastasse para o “burnout”, despontou nas universidades públicas a “grande” inovação de avaliação individual do(a) docente/pesquisador(a). Com métricas imaginadas por profissionais de áreas que nada têm a ver com o trabalho científico experimental – cada vez mais dependente de equipamentos sofisticados e delicados – pois o “universo” deles é o das palavras, discursos, estatísticas.

Nada contra “avaliações” enquanto informação e tão somente isso. Mas, quando a avaliação gera consequências, de duvidosa legalidade, como a perda do regime de trabalho, a coisa fica diferente, pois a “avaliação” pode, facilmente, se tornar um instrumento de “educação” política nas mãos de um grupo em exercício do poder. “Política” não com “pê maiúsculo”, mas letra inicial de politicagem. Um avaliar para submeter e silenciar. Fato ou, apenas, uma possibilidade, tanto faz quanto ao efeito sobre os trabalhadores do ensino e pesquisa.

Há quem afirme que a avaliação vinculada ao produtivismo surja da intenção de administrar as universidades como se fossem empresas privadas. Ledo engano. As empresas privadas estão dando cada vez mais atenção ao bem-estar e felicidade de seus trabalhadores, enquanto nossos colegas “metriqueiros” inovam, exatamente, no sentido oposto, gerando entre os trabalhadores das universidades públicas estresse, infelicidade, depressão, exaustão mental, enfim, “burnout”. Vale a pena, num segundo evento da Semana de Saúde Mental da USP, explorar e debater, com profundidade, esses aspectos.

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