O Instituto de Química pode ser um dos cinco melhores do mundo?

Por Mauro Bertotti, professor do Instituto de Química da USP

 22/06/2023 - Publicado há 10 meses
Foto: Divulgação / IQ-USP
Recentemente, recebemos no Instituto de Química (IQ) da USP representantes da Câmara de Avaliação Institucional (CAI), órgão da Comissão Permanente de Avaliação (CPA) da USP. No encontro, os membros da CAI, de forma didática e paciente, discorreram sobre o histórico da avaliação na USP e ouviram sugestões de melhorias no processo visando ao próximo ciclo. O relatório do IQ referente ao período 2018-2022 foi detalhadamente discutido e constatamos a seriedade com que o trabalho da comissão foi executado. Foi também auspicioso saber que representantes da CAI pretendem visitar todas as unidades da Universidade, demonstrando enorme comprometimento com a tarefa à comissão atribuída. Esta visão bastante completa sobre o desempenho das unidades à luz dos projetos acadêmicos municiará a CAI com subsídios robustos para a construção de um projeto da Universidade de longo prazo.

Um dos assuntos discutidos durante a reunião relacionou-se às consequências práticas da avaliação institucional. Não há dúvidas de que o processo é enriquecedor para as unidades fazerem reflexões sobre a missão, visão e valores, de tal forma que o projeto institucional possa ser elaborado ou remodelado com base nos pontos fortes e fracos e na identidade de longo e curto prazo. Também é evidente que a Reitoria deve valorizar igualmente o trabalho realizado por todas as unidades em prol da consecução da missão da USP. Todavia, há unidades que cumprem suas metas de forma mais efetiva e estas deveriam ter algum reconhecimento diferenciado por parte da gestão. Tais questionamentos foram elaborados por professores do IQ na reunião, embora deva-se ressaltar que, pelo menos parcialmente, algumas de nossas solicitações têm sido atendidas pela Reitoria. Respondendo à demanda, em uma de suas falas, uma representante da CAI fez uma provocação bastante pertinente e interessante ao indagar se o IQ poderia ser uma das cinco melhores instituições de Química do mundo caso a Reitoria satisfizesse, na integralidade, nossos pleitos mais recentes.

A resposta à questão é simples: não! Os rankings internacionais aferem várias dimensões da atuação universitária sobre as quais temos pouco controle. Por exemplo, apesar de a USP ser dotada de autonomia concedida pelo Decreto 29.598, de 02/02/1989, mas não por um Projeto de Lei, que seria muito mais consistente do ponto de vista jurídico, ela deve seguir procedimentos rígidos para a contratação de docentes, seguindo a legislação federal. Assim, no caso de concursos com elevado número de candidatos, pode-se incluir etapa eliminatória, mas esta deve consistir em prova escrita por conta de seu caráter “objetivo”. Tais provas devem ser posteriormente lidas em sessão pública, o que consome enorme tempo da banca. Há unidades que dispensam a fase eliminatória, mas, neste caso, todos os candidatos devem realizar todas as provas, tornando o processo ainda mais laborioso quando há muitos inscritos.

De maneira diferente, em universidades do exterior o processo de seleção para a ocupação de posições acadêmicas é feito com base no desempenho nas áreas de interesse via análise de currículo. Para a fase de entrevistas e/ou apresentação de seminário sobre o projeto, são convocados apenas os candidatos considerados capacitados para assumir a função. A realização de provas para a comprovação de conhecimentos não faz parte do processo de seleção nestas instituições, e interessa a elas avaliar a potencialidade dos candidatos na realização de pesquisas na fronteira do conhecimento.

Uma alteração nos modelos de concurso na USP seria interessante para aumentar as chances de atração de candidatos estrangeiros mais afeitos a processos seletivos cuja ênfase esteja centrada exclusivamente na análise do currículo acadêmico/científico e do projeto de pesquisa. Tais mudanças também introduziriam elementos mais preditivos de desempenho futuro, conduzindo a escolhas mais eficientes e condizentes com o perfil previsto no plano de metas da instituição.

Aspectos que também dificultam a competição no cenário internacional dizem respeito à falta de flexibilidade para o uso de recursos financeiros e estrutura administrativa pouco eficiente. No atual cenário, os dirigentes universitários e um número expressivo de docentes têm forte envolvimento com problemas para os quais eles não foram treinados e de pouca aderência às práticas de ensino, pesquisa e extensão. A possibilidade de utilização responsável de verbas, mas sem as amarras da legislação pública vigente, a diminuição significativa da burocracia e uma reformulação de gestão que permita diferenciar dirigentes acadêmicos dos administrativos também nos aproximariam das instituições do exterior.

O ensino de graduação é outro elemento que nos distingue das universidades de prestígio, pois, na USP, o ingresso na graduação é feito diretamente em cursos de pouca flexibilidade curricular, há preocupação excessiva com a transmissão de conteúdos e à prática de identificar problemas e conceber respostas com base no uso do método investigativo é dada pouca ênfase. Sendo a USP uma instituição de pesquisa, é nela que a atividade intelectual e a mentalidade reflexiva, importantes para levantar dúvidas e gerar hipóteses, deveriam ser desempenhadas em toda a plenitude para estimular a criatividade, a postura e a crítica argumentada em um contexto interdisciplinar. Esse tipo de exercício é particularmente relevante na formação de cidadãos pesquisadores, cuja vocação é promover e manter uma cultura de contínuo aprendizado e a enxergar o mundo não somente conforme a sua formação profissional, mas também com um olhar sistemático, inquiridor e transformador. Uma graduação com estas características permitiria uma integração profícua com a pós-graduação, celeiro da formação de futuros pesquisadores.

Resta outro aspecto que nos distingue das congêneres do exterior e este tem relação com a internacionalização. Nosso ambiente acadêmico é pouco propício às interações com a comunidade estrangeira, especialmente no que tange ao uso da língua inglesa. Se o problema já é significativo na pós-graduação, ele se acentua exponencialmente na graduação, particularmente porque a bibliografia relevante em muitos dos cursos não é disponível na língua portuguesa. Em ambos os casos, esta dificuldade de comunicação em inglês também restringe o acesso dos estudantes aos conhecimentos e cultura trazidos por visitantes estrangeiros, quer sejam eles pesquisadores ou alunos.

Retomando a questão provocativa levantada na reunião com os representantes da CAI, é bastante improvável que o Instituto de Química galgue posições expressivas nos rankings internacionais nos próximos anos. Ações disruptivas exigem medidas ousadas, e esta talvez seja uma questão para a qual a CAI devesse endereçar atenção durante o processo de avaliação da USP e posterior encaminhamento de sugestões à Reitoria. Por exemplo, muitos dos problemas ora levantados requerem forte atuação política no parlamento, de tal modo que a autonomia administrativa, financeira e acadêmica, concedida na lei, possa ser efetivada na prática. Entretanto, estas mudanças de governança não são suficientes se a pergunta mais relevante e que merece profunda reflexão não for respondida: A USP aspira à condição de universidade de classe mundial? A resposta à questão exige uma análise multifacetada e cabe aos dirigentes universitários estimular o debate sobre o projeto que se deseja para a instituição nos próximos anos.

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