Confiança & concordância x confiança ou concordância: tanto o problema como a solução estão nas suas mãos

Por Fábio Frezatti, professor da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP

 22/05/2023 - Publicado há 11 meses

Bem recentemente vivemos uma situação que, de forma geral, não tínhamos experimentado. Eu me refiro às discussões familiares sobre as eleições no Brasil, em que amigos se digladiaram, pessoas saíram dos grupos de WhatsApp e outras pessoas deixaram de conviver com a família nos almoços de final de semana porque o diálogo desapareceu, e o que ficou foi um ambiente de beligerância com desgastes e nenhum benefício.

A vida consiste em gerenciar conflitos nos relacionamentos de qualquer tipo. Alguns podem ser evitados, alguns postergados, outros podem ser minimizados e outros devem ser simplesmente enfrentados porque produzirão benefícios futuros. As escolhas são nossas, e isso faz parte da solução propriamente dita.

Peter Block lançou em 1987 um daqueles livros que valem a pena ler de novo (The empowered manager). Ele traz dois elementos “simples” que afetam o relacionamento das pessoas quando tentamos entender e conviver uns com os outros. Ele fala da confiança e da concordância, identificando a presença ou a ausência desses elementos.

Block publicou seu livro no momento em que a palavra empowerment foi cunhada para proporcionar aos colaboradores das organizações mecanismos de comunicação e ação que quebrasse as estruturas hierárquicas rígidas que dificultavam a gestão das empresas e o desenvolvimento de talentos. Simplesmente dizer que os gestores de vários níveis tinham poder e deveriam propor mudanças provocaria uma verdadeira carnificina por falta de mecanismos para entender e orientar o relacionamento e, com isso, a lógica da confiança e concordância foi uma contribuição relevante, muito atual para o cenário vivido.

Qual o significado de confiança? É “a crença na probidade moral, na sinceridade, lealdade, competência, discrição etc. de outrem; ter crédito, ter fé em alguém”. Podemos complementar com: “crença de que algo não falhará, de que é bem-feito ou forte o suficiente para cumprir sua função”. A primeira abordagem se volta para as pessoas, os atores. A segunda objetiva o significado. Ficaremos com a primeira.

Qual o significado de concordância? É “a ação ou efeito de concordar, de estar de acordo com alguém”. Algumas palavras podem ser associadas à concordância: permissão, entendimento, anuência, aquiescência, assentimento, autorização, consentimento, acordo, conformidade, harmonia, conciliação, concórdia, congraçamento, consonância e reconciliação. A amplitude é grande e identifica palavras com significados similares e mesmo consequências da concordância. De qualquer forma, o oposto da concordância seriam “atritos, brigas e discórdia”.

Block não nos apresenta um tratado sobre confiança e concordância, deixando por conta do leitor expandir ou limitar o entendimento. Em outras palavras, se a confiança é uma combinação de elementos de ordem pessoal, intelectual e profissional, dentre várias vertentes, para ele a maneira como essa combinação ocorre não é algo relevante para a sua proposta. Ele usa a perspectiva do loose couping, em que uma abordagem geral deve ser moldável, suficientemente flexível, para atender à demanda da circunstância e pessoa. Se isso não ocorrer, não tem utilidade.

Quando existe muita confiança e muita concordância temos o perfil do aliado. Como concordam e confiam um no outro, do aliado se espera apoio para a concretização de ideias e decisões, fundamentais no convívio. Interessante pensar que algo que foi desenvolvido para um ambiente organizacional, nível de análise de pessoas e grupos, pode ser utilizado fora desse ambiente, no relacionamento estritamente familiar, ou mesmo, na sociedade quando diferentes atores surgem no palco da vida.

Quando existe muita confiança e pouca concordância, temos o oponente, um elemento vital para trazer outras ideias e visões. Ele confia; só não concorda. Ter alguém que pensa diferente e tem coragem e confiança para dizer o que pensa para pares, subalternos e superiores hierárquicos permite entender e internalizar coisas relevantes que os aliados, por concordarem, não apresentariam. A confiança mexe com a incerteza e o risco percebidos, A combinação dos dois perfis contribui para o engajamento das pessoas, elemento muito escasso e valioso. Com isso, os dois perfis mais relevantes para o relacionamento pessoal foram mencionados. Existem técnicas para estimular os dois perfis e eu simplificaria com forte estímulo para exposição, atenção, apoio às ações e um pouco de paciência com o tempo.

O perfil com baixa confiança e alta concordância é chamado de oportunista. O oportunista é circunstancial no apoio em um determinado momento e situação. Não tem compromissos de continuidade. Não cria pontes para relacionamento de longo prazo, a menos que a confiança seja aperfeiçoada. Não se trata de deixar de se relacionar com as pessoas com essa característica, mas sim saber tratá-las, pois muito frequentemente aparecem nas nossas vidas.

Finalmente, o perfil de baixa confiança e baixa concordância é o adversário, facilmente também visto como possível inimigo. Ao não confiar nem concordar, o seu potencial engajamento não ocorre. Com isso, o aliado e o oponente gastam mais energia do que necessitariam. Se pensarmos em influenciar, reduzir ou não ter esses dois últimos tipos no relacionamento devemos aperfeiçoar a postura de esclarecer, ouvir, refletir e reagir. Nessa ordem.

Block nos ensina que formamos uma ideia sobre qual perfil aparece na nossa frente e devemos ter o cuidado de não confundir os atores: tratar o oponente como adversário é um erro fatal, assim como o oportunista como aliado. Tratar os perfis de maneira inadequada vai estimular a mobilidade, principalmente, para os perfis menos desejáveis do ponto de vista de facilitar o relacionamento. O autor proporciona estratégias para relacionamento com esses vários perfis, e isso pode ser muito útil na vida das pessoas, organizações e comunidades. Dá para perceber que confiança e concordância não são variáveis binárias do tipo “ter ou não ter”, mas ordinais em que forte aderência direciona o perfil.

Sempre buscamos, e é correto, soluções que eliminem problemas. Nem sempre isso é possível, mas acredito que a provocação deste texto possa contribuir para uma vida melhor. Que tal retomar o almoço de domingo ou o happy hour pensando que o seu irmão, pai, cunhado, sobrinho, vizinhos ou amigos não são seus inimigos, mas simplesmente oponentes? Ah! Ia esquecendo de um ingrediente fundamental, não destacado por Block: é fundamental querer se relacionar e ter compromisso com esse direcionamento. Se isso não existir, aproveite para ler de novo o título deste artigo.

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