Uma equipe de 14 pesquisadores pousou numa cordilheira remota do norte da Amazônia em novembro de 2022, esperando encontrar muitas espécies novas. E foi exatamente o que aconteceu. Análises preliminares do material coletado nessa expedição pioneira à Serra do Imeri confirmam a expectativa dos cientistas de que muitas das plantas e animais que habitam essas montanhas amazônicas são espécies novas, totalmente inéditas para a ciência.
Liderada pelo professor Miguel Trefaut Rodrigues, do Instituto de Biociências (IB) da USP, a expedição ocorreu de 7 a 18 de novembro, numa cadeia de montanhas nunca antes visitada por pesquisadores no norte do Estado do Amazonas, próximo à fronteira com a Venezuela, dentro do Parque Nacional do Pico da Neblina e da Terra Indígena Yanomami. Os cientistas passaram 12 dias acampados a 1.870 metros de altitude, instalando armadilhas e percorrendo trilhas para coletar a maior diversidade possível de espécies da fauna e flora locais.
O trabalho foi realizado em parceria com o Exército Brasileiro e acompanhado na íntegra pelo Jornal da USP, que publicou uma reportagem detalhada sobre a expedição em dezembro e acaba de produzir um minidocumentário em vídeo, disponível no Canal USP do YouTube.
O objetivo principal da expedição era documentar a biodiversidade dessas montanhas amazônicas, que, por conta da altitude e do isolamento biogeográfico, tendem a abrigar espécies completamente diferentes daquelas tipicamente encontradas na “baixa Amazônia”. Os pesquisadores voltaram do campo com amostras de mais de 260 espécies de plantas e animais na bagagem — um número pequeno, quantitativamente falando, se comparado ao que poderia ser coletado em elevações mais baixas nesse mesmo período de tempo, mas que traz embutido nele um porcentual altíssimo de espécies novas e/ou endêmicas, que só existem ali, naquele local.
“Os resultados são espetaculares; a quantidade de bichos novos é impressionante”, comemora Rodrigues. Entre os lagartos, por exemplo, todas as quatro espécies coletadas no Imeri são novas. Entre os anfíbios, de um total de oito espécies coletadas, pelo menos cinco são inéditas — sendo que uma delas pode representar não apenas uma espécie, mas um gênero completamente novo. E o potencial para que apareçam outras novidades à medida que o material continuar a ser analisado é altíssimo, completa o professor Taran Grant, também do IB, especialista em anfíbios.
Passados quatro meses da expedição, os pesquisadores estão agora analisando características genéticas dos espécimes coletados, que podem tanto confirmar as avaliações iniciais feitas com base na morfologia, quanto trazer à luz novas diferenças e similaridades, invisíveis “a olho nu”. Pode-se descobrir que dois bichos morfologicamente parecidos são, na verdade, espécies geneticamente distintas; assim como dois bichos aparentemente diferentes podem, na verdade, ser apenas variações geográficas de uma mesma espécie.
Uma primeira análise genética de girinos que foram coletados num riacho da montanha indica que muitos deles são da família dos bufonídeos (aqueles sapos grandalhões, de pele rugosa, tipo o sapo-cururu), apesar de nenhum anfíbio adulto desse grupo ter sido coletado ou mesmo avistado pelos pesquisadores durante a expedição. Segundo Grant, é provável que seja mais uma espécie nova.
Além de répteis e anfíbios, também foram coletados mamíferos, aves e plantas, principalmente. Todos os animais tiveram amostras de sangue e tecido coletadas para a realização de exames genéticos e parasitológicos, e passaram por testes de tolerância térmica, para avaliar sua capacidade de resposta ao aquecimento global.
No campo da botânica, a análise de apenas duas famílias de plantas — de um total de 50 representadas nas amostras — já revelou seis espécies novas e 12 ocorrências inéditas para o Brasil (de espécies já conhecidas de outros países, mas que nunca haviam sido encontradas aqui). “Isso é só o começo”, diz a professora Lúcia Lohmann, do IB. “Na Amazônia é normal encontrarmos espécies novas, mas não nessa quantidade”, destaca ela. O material coletado (mais de 1.300 amostras de plantas, de 220 espécies) está passando por um processo de secagem no Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ), sob os cuidados da pesquisadora Rafaela Forzza, curadora do herbário da instituição, que também participou da expedição.
No caso dos mamíferos, os pequenos roedores e marsupiais coletados na Serra do Imeri são muito parecidos, morfologicamente, com espécies que os pesquisadores encontraram alguns anos atrás no Pico da Neblina — a montanha mais alta do Brasil, localizada a 80 quilômetros dali —, e que, quando investigadas geneticamente, mostraram ser diferentes das espécies encontradas no Monte Roraima, a mais de 700 quilômetros de distância. O que pode significar que cada uma dessas montanhas tem o seu próprio conjunto de espécies, apesar das semelhanças morfológicas entre elas, segundo o professor Alexandre Percequillo, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, em Piracicaba, que compôs a equipe de mastozoologia da expedição com a professora Ana Paula Carmignotto, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) — onde as análises genéticas dos espécimes do Imeri estão sendo realizadas.
Essa mesma lógica vale para os répteis e anfíbios, e também para as aves do Imeri, que estão sob análise no Museu de Zoologia da USP, aos cuidados do professor Luís Fábio Silveira.
Identificar e classificar as espécies é apenas o primeiro passo de uma longa jornada científica que, os pesquisadores esperam, levará a uma melhor compreensão dos processos naturais que moldaram a evolução da biodiversidade amazônica, assim como da sua capacidade de resposta a pressões climáticas e ambientais futuras. Informações cruciais para subsidiar políticas e estratégias de conservação.
Além da USP, JBRJ e UFSCar, participaram da expedição pesquisadores vinculados ao Centro Nacional de Pesquisas Científicas da França (CNRS) e à plataforma VulneraWeb, da Espanha. O projeto de pesquisa é financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), por meio do Programa Biota.