Relacionamentos com menos diálogo tendem a ter mais agressões

Pesquisa realizada na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto aponta que homens que dialogam menos têm mais tendência a cometer agressão contra a parceira

 09/12/2016 - Publicado há 7 anos     Atualizado: 19/01/2017 as 10:40
Foto: Visualhunt
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Homens que dialogam menos com as mulheres tendem a cometer algum tipo de agressão contra a parceira, revela pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP.

De acordo com os resultados do estudo, a violência doméstica cometida por homens está relacionada com os aspectos cognitivos do indivíduo, como, por exemplo, a capacidade de se expressar verbalmente e o controle da impulsividade. “Na análise, observamos que os que não cometiam atos agressivos apresentaram nível mais elevado dessas habilidades cognitivas”, diz Leonardo Naves dos Reis, autor da pesquisa.

Foi avaliado o relacionamento de 31 casais em que a esposa constava em registro policial como vítima de violência cometida pelo parceiro e de 31 casais que, de acordo com suas próprias percepções, afirmaram ter uma relação harmoniosa.

Olhar para o homem agressor

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Leonardo Naves dos Reis – Foto: Divulgação

Naves dos Reis analisou os relatos não só das vítimas, mas também dos agressores. “Existe a necessidade urgente de olhar para a figura do homem agressor, por entendermos que, olhando apenas para as vítimas, não será possível pensar soluções eficazes para a violência contra a mulher”, afirma o pesquisador.

Para a pesquisa, foram consideradas como agressões sofridas pelas mulheres a psicológica, a física, a sexual e, ainda, agressões com lesão, que foram divididas em dois subtipos, leve e grave. O que chamou a atenção do pesquisador foi que as agressões psicológica e física leves eram mais adotadas pelos casais violentos, no entanto, entre os casais ditos como harmoniosos, também foi constatada a presença dessas agressões. “A partir desse fato concluímos que talvez isso aconteça em razão da forma como a sociedade percebe a violência. As condutas que são descritas como violência de natureza leve, para muitos, provavelmente não são consideradas violentas.” Para exemplificar, o pesquisador diz que é descrito como conduta violenta o ato de gritar com o parceiro, o que, muitas vezes, não é considerado como uma forma de agressão por determinados casais. “Esses casais acabam afirmando que mantêm relação harmoniosa, mesmo praticando essas condutas”, revela.

O pesquisador relata que as mulheres de ambos os grupos eram adeptas da “negociação pacífica”, ou seja, elas tentam conversar com o parceiro para resolver os problemas. Já quando esse aspecto foi analisado nos homens, apenas aqueles nos casais não violentos faziam uso dessa conduta com mais frequência.

Aspectos sociodemográficos

Foto: Visualhunt
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Em relação às condições sociais e demográficas dos casais, diz Naves dos Reis, várias diferenças foram constatadas. Os casais harmoniosos apresentaram uma condição social mais elevada e maior nível de escolaridade e instrução do que os casais violentos. Quanto ao uso do álcool, nos dois grupos é grande o número de casais com riscos relacionados ao uso dessa substância.

Além disso, notou-se que tanto os homens quanto as mulheres das relações não violentas exercem mais as práticas religiosas. A partir desse dado, o pesquisador considerou duas hipóteses. Na primeira, ele questiona se isso acontece pelo fato de a prática religiosa despertar sentimentos de amor e paz nas pessoas, contribuindo, assim, para que estas tenham uma relação mais harmoniosa. Na segunda, ele considera que, culturalmente, a religião prega o papel da submissão para a mulher e, desta forma, a violência somente não acontece porque a esposa aceita a condição de ser submissa ao marido.

Educação infantil como forma de prevenção

Para reverter o quadro atual de violência doméstica, diz o pesquisador, a educação inicial, a que se dá nas primeiras fases do ensino, continua sendo o melhor caminho. “As etapas iniciais de socialização e educação são muito importantes para o bom desenvolvimento das habilidades cognitivas relacionadas ao bom diálogo e raciocínio adequado, e também na formação da ética e da moral da criança, habilidades estas que vão refletir futuramente.”

Para Naves dos Reis, chega a ser redundante dizer isso, uma vez que o tema educação há tempos é destacado como crítico na sociedade brasileira. “No entanto, é preciso destacar que essas ações de longo prazo consistem em investir especialmente nos níveis iniciais de educação, investir na formação de nossas crianças”, alerta.

O pesquisador lembra que suas considerações são baseadas apenas na amostra de pessoas que fizeram parte do estudo. Futuramente, diz, serão realizadas outras pesquisas voltadas a essa temática para que o fenômeno da agressão possa ser compreendido em maior escala.

No Brasil, a cada sete minutos é feita uma denúncia de violência contra a mulher e, nos dez primeiros meses de 2015, foram registrados 63.090 casos, de acordo com os dados da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM-PR). O número para denunciar casos de violência doméstica contra a mulher é o 180.

A tese Violência doméstica e aspectos cognitivos do agressor: análise quantitativa foi orientada pela professora Zeyne Alves Pires Scherer e defendida em outubro de 2016.

Stella Arengheri, de Ribeirão Preto

Mais informações: leonareis1@hotmail.com


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