A impermanência do jornalismo diante da informação

Elizabeth Saad – ECA

 30/11/2016 - Publicado há 7 anos     Atualizado: 01/12/2016 as 15:53
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Elizabeth Saad é professora Titular do Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA-USP – Foto: Cecília Bastos/Cecília Bastos
Desde o surgimento das tecnologias digitais de informação e comunicação como espaço de produção, acesso, difusão e memória das informações que circulam entre nós, o campo do jornalismo tem se defrontado com questionamentos diversos e contínuos. Já tivemos de tudo: o fim dos meios clássicos – ou o meio impresso, mais especificamente –, o determinismo tecnológico sobrepondo-se à formação de opinião, a ameaça das tecnologias digitais na transformação dos perfis profissionais do campo, o crescente protagonismo da audiência na expressão de opiniões e sua decorrente autonomia, a transformação da linguagem, a busca indefinida por modelos de negócio, entre as muitas questões que vivenciamos.

Ao longo deste processo assistimos ao mundo jornalístico – academia e mercado –, buscando soluções que aproximassem a digitalização dos preceitos consolidados do jornalismo como instituição de legitimação social e, principalmente, dos processos redacionais e industriais já conhecidos e dominados. Especialmente soluções que não alterassem o status quo do negócio.

A palavra e as ações de inovação têm sido utilizadas como motor dos sucessos e insucessos da convivência do jornalismo com a digitalização. Talvez um uso razoavelmente injusto, se considerarmos que inovação na contemporaneidade é um processo muito mais abrangente do que a implementação de tecnologias digitais e sistemas de mídias sociais.

Há que se assumir que inovar refere-se a uma postura inerente à cultura de cada marca jornalística, às suas crenças e valores relacionados a mudanças, sejam incrementais, sejam de ruptura. Inovar também refere-se ao grau de proximidade da marca jornalística com posicionamentos e atividades hoje importantes, mas nem sempre vinculadas ao core business noticioso.

Se assumimos tais posturas temos também a considerar que sempre será possível inovar no jornalismo, desde que se leve em conta as diferenças de cada organização diante de aspectos como: planejamento estratégico, monitoramento tecnológico, (re)integração da estrutura produtiva para além das redações, conhecimento da audiência e suas mutações constantes, sensibilidade às mudanças no composto de receitas, surgimento de novos competidores, etc.

A palavra e as ações de inovação têm sido utilizadas como motor dos sucessos e insucessos da convivência do jornalismo com a digitalização. Talvez um uso razoavelmente injusto, se considerarmos que inovação na contemporaneidade é um processo muito mais abrangente do que a implementação de tecnologias digitais e sistemas de mídias sociais.

Poderíamos afirmar que, hoje, inovação no campo do jornalismo refere-se a um contínuo e resiliente movimento de adequação diante da mutação dos processos cognitivos da sociedade e diante do impacto desta adequação no papel de legitimação exercido pelo jornalismo.

Temos no cenário da inovação um estado de plena impermanência que, muitas vezes, é difícil de aceitar num mundo onde precisão e acuidade são regras pétreas.

Um jornalismo impermanente acolhe em seu caráter, sem restrições, uma sucessão de adjetivações – evolutivo, renovador (eco)sistêmico, encadeado, criativo e recriador; assim, nada (e ninguém) são permanentes ao longo do tempo já que causas e condições variam sempre e, consequentemente, o que resulta delas também muda, numa contínua espiral de evolução.

A aceitação da condição de impermanência e sua vivência exige uma segunda condição essencial – aquela da plena atenção. Uma espécie de antena aos acontecimentos, fatos, alterações, emergência de dispositivos, enfim, atenção às transformações de tudo o que nos envolve cotidianamente.

Falamos de um mundo inatingível? Nem tanto.

Se estendermos as fronteiras para a cena internacional temos uma sucessão de exemplos paradigmáticos de inovação contínua – The New York Times e The Guardian puxando a fila. São paradigmáticos porque assumem o estado de impermanência do campo e da própria sociedade e, principalmente, porque conseguem adequar sua cultura e seus processos organizativos a este estado sem criar abalos na credibilidade de marca, na legitimação social e nos resultados do negócio.

Um jornalismo impermanente acolhe em seu caráter, sem restrições, uma sucessão de adjetivações – evolutivo, renovador (eco)sistêmico, encadeado, criativo e recriador; assim, nada (e ninguém) são permanentes ao longo do tempo já que causas e condições variam sempre e, consequentemente, o que resulta delas também muda, numa contínua espiral de evolução.

Evidentemente, tais paradigmas não são simplesmente copiáveis, já que as múltiplas condições locais e regionais do negocio jornalístico impactam diretamente a relação da marca com a inovação.

Mas, evidentemente, tais paradigmas devem ser considerados e entendidos pelo mundo jornalístico em sua busca por (re)inovação.

Assim, dentro das limitações culturais e estruturais de cada ambiente, poderíamos listar algumas ações pontuais que criam uma relação de proximidade do jornalismo com a inovação:

  • produção de conteúdos numa lógica ecossistêmica, conferindo escalabilidade ao processo redacional;
  • atenção ao que hoje denomina-se “jornalismo de plataformas” que alimenta o triunvirato GAF – Google, Apple e Facebook;
  • questionamento sobre as novas “portas de entrada” da audiência para o conteúdo produzido pela marca jornalística – aqui novamente os GAF predominam;
  • a implementação de parcerias entre empresas informativas e diferentes possibilidades de alavancagem dos processos de inovação e financiamento/investimento das mesmas, especialmente com a Universidade e centros de pesquisa;
  • a implementação do conceito de design editorial como ponte para a integração de versões impressas, eletrônicas e digitais das marcas informativas;
  • a implementação de atividades/plataformas vinculadas focadas em cultivar e fidelizar futuras audiências (crianças e jovens) hoje nascidas já na lógica digital, uma espécie de “escola de jornalismo” para futuros leitores;
  • a implantação do rebranding – atividade e plataformas de curadoria informativa que objetivam a ampliação do espectro de interesses da audiência digitalizada;
  • a produção de peças jornalísticas com visualização de dados;
  • a estratégia editorial investigativa – o longform journalism dependente da competência analítica sobre o big data e alavancada por iniciativas de uso de tecnologias de mineração de dados e outros recursos de inteligência de dados por parte das redações;
  • o uso adequado de aplicativos-novidade a exemplo do Snapchat, podcasts, transmissão em tempo real com uso do Periscope/Twitter ou conteúdos resultantes de.

Os exemplos que apresentamos são reais. Estão ocorrendo não apenas em modelos paradigmáticos, mas também em empreendimentos locais, iniciativas de startups, ou spin-off’s das marcas clássicas.

Os exemplos que apresentamos são reais. Estão ocorrendo não apenas em modelos paradigmáticos, mas também em empreendimentos locais, iniciativas de startups, ou spin-off’s das marcas clássicas.

Em sua maioria são exemplos que vêm dos Estados Unidos e da Europa. Mas não podemos deixar de enfatizar iniciativas inovadoras no Brasil: The Intercept Brasil, Farol do Jornalismo, Nexo, /Ponte, Meio, inova.jor, Mídia Ninja, Blog do Sakamoto, El País Brasil.

Mas não podemos nos esquecer de que a grande maioria dos exemplos brasileiros são iniciativas individuais, concebidas por profissionais tarimbados nas grandes redações que não têm mais espaço nas mesmas, e não possuem uma estrutura de negócio modelada e estratégica.

E, por fim, não podemos deixar de questionar o papel formador da Universidade e seus cursos de Jornalismo neste processo de impermanência. Aqui teríamos que apresentar um novo texto.

 


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