USP no debate público

Por Alexandre Macchione Saes, professor do Departamento de Economia da FEA/USP

 26/08/2022 - Publicado há 2 anos

No 11 de agosto de 2022, com o lançamento do manifesto em defesa da democracia no Largo São Francisco, a Universidade de São Paulo assumiu protagonismo numa das mais relevantes pautas contemporâneas do País. Um documento impessoal e apartidário, que, referendado por entidades diversas, organizações sociais e mais de um milhão de assinaturas, foi defendido por uma universidade que não pode ser apolítica. Num triste contexto em que discursos autoritários e negacionismos são ecoados, a universidade brasileira deve reiterar seu compromisso tanto com a ciência, como com uma sociedade livre, inclusiva e com justiça social.

Com o mesmo espírito de compromisso com a ciência e o com o debate público, entre os dias 29 de agosto e 2 de setembro, a Universidade de São Paulo será palco do evento USP Pensa Brasil (https://www.pensabrasil.usp.br/). Reunindo aproximadamente 20 instituições da Universidade, por meio de conferências, debates, painéis, publicações, exposições e apresentações artístico-culturais, a USP oferece uma breve amostra de sua produção científica, de seus projetos voltados para a elaboração de políticas públicas, de sua rica programação cultural, como também de sua reflexão crítica sobre os rumos da sociedade contemporânea.

Ambos os eventos, a leitura do manifesto em defesa da democracia e a semana USP Pensa Brasil, tornam a Universidade de São Paulo um palco ativo de discussão sobre o futuro do País. A mesma universidade que em 2019 explicitou, com as coirmãs Unesp e Unicamp, suas contribuições científicas para o País no contexto da CPI das Universidades Públicas; que durante a pandemia ofereceu estudos e soluções médicas, sanitárias e sociais; que produz anualmente parcela expressiva das pesquisas nacionais, sustentando excelência e reconhecimento internacional; e que, cada dia mais, busca estreitar a comunicação para fora das fronteiras da Universidade, tanto apresentando suas pesquisas, como ampliando os espaços de diálogo com a comunidade para reverberar e intervir nas mais diversas demandas da sociedade brasileira.

Assim, a partir do dia 29 de agosto de 2022, por meio de um amplo quadro de atividades, a semana USP Pensa Brasil reúne algumas dessas iniciativas com resultados tão expressivos para o País. Não obstante, compreendendo a gravidade dos impasses políticos, econômicos, sociais e ambientais em que estamos imersos, e seguindo a tradição do pensamento social brasileiro, a semana reserva espaço generoso para a reflexão crítica, para projetos de transformação social.

O Brasil moderno, construído a partir das lentes de nossos intérpretes entre as décadas de 1930 e 1960, se materializou no projeto nacional desenvolvimentista e nas manifestações literárias e culturais modernistas. Aquelas sínteses de nossa história, redigidas pela geração de intérpretes do Brasil, ao olhar para o passado, respondiam os dilemas do presente e projetavam um país do futuro. Todavia o futuro almejado não se concretizou. A promessa de transformação da estrutura econômica para a promoção de uma sociedade mais justa e democrática foi duramente rompida com o golpe militar de 1964.

Na ditadura militar, a denúncia contra o autoritarismo e a desigualdade lançou novas propostas de interpretação do Brasil, com novas sínteses, que culminaram com o movimento de redemocratização e de defesa da Constituição de 1988. O último genuíno projeto civilizatório do País, ao ser estabelecido concomitantemente com a disseminação da economia neoliberal, nasceu com limitadas condições de realização, produzindo as contradições que alcançaram seu auge nos últimos cinco anos.

Ainda na década de 1990, o historiador britânico Eric Hobsbawm concluía sua obra magistral A era dos extremos em tom alarmante: “Se a humanidade quer ter um futuro reconhecível, não pode ser pelo prolongamento do passado ou do presente. Se tentarmos construir o terceiro milênio nessa base, vamos fracassar. E o preço do fracasso, ou seja, a alternativa para uma mudança da sociedade, é a escuridão”.

Por isso, partindo do reconhecimento de que a sociedade brasileira mudou profundamente nas últimas décadas, assim como as incertezas disseminadas pela economia mundial e pelas mudanças climáticas têm se tornado crescentes, o seminário USP Pensa Brasil parte da questão “Como pensar o Brasil no século XXI?”. Isso significa que os impasses de longa duração de nossa sociedade, tais como a fragilidade da democracia, a perpetuação da desigualdade, a destruição do meio ambiente, precisam ser ressignificados em 2022, para serem enfrentados com a máxima urgência.

O compromisso com projetos civilizatórios, que garantam o bem-estar social, com justiça social e sustentabilidade, nos desafiam a pensar um futuro que não pode ser a reprodução do presente. Para isso a USP deve continuar produzindo, com os rigorosos parâmetros científicos, o conhecimento que atende às demandas urgentes de nosso presente; mas deve também, por meio do pensamento crítico e do amplo diálogo com a sociedade, fomentar a utopia, a construção de novos horizontes de expectativa.


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