“Sintomático de que a questão colonial de modo algum está ultrapassada é o fato de se observarem, na atualidade, por um lado, manifestações discursivas e comportamentais visceralmente identificadas com esse ideário e, por outro, tentativas de esbatimento ou de camuflagem dos fatos relacionados com o fenômeno colonial”, escreve o professor e crítico literário moçambicano Francisco Noa em seu livro Império, Mito e Miopia – Moçambique Como Invenção Literária, que completa 20 anos de publicação. Nesta quinta-feira, dia 4, às 13 horas, Noa participa do evento on-line Projeto Literatura em Moçambique – Investigações Críticas, promovido pelo Centro de Estudos das Literaturas e Culturas de Língua Portuguesa da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Gratuito, o evento será transmitido ao vivo pelo canal do Youtube da FFLCH. Não é necessário fazer inscrição.
No livro, Francisco Noa, que também é pesquisador, ensaísta, professor de Literatura e ex-reitor da Universidade Lúrio, em Moçambique, analisa obras literárias portuguesas da era colonial moçambicana, que fazem representações baseadas em estereótipos feitos pelos portugueses sobre os africanos e sobre a África, em contraste com a visão da literatura moçambicana. Obra paradigmática para os estudos literários em Moçambique, sua temática tem recebido destaque também em publicações acadêmicas, caso do recente número da revista Portuguese Cultural Studies e do próximo número da revista Via Atlântica, e aparece como referência bibliográfica incontornável, merecendo reconhecimento pela sua contribuição ao desenvolvimento desse campo crítico – como destacou a assessoria de imprensa da FFLCH, em nota sobre o evento. No Brasil, Império, Mito e Miopia foi lançado em 2015 pela Editora Kapulana.
Para Noa, “discutir o passado não é só para saber o que aí aconteceu nem simplesmente para saber como ele influencia o presente, mas sobretudo o que ele é, na verdade, se está concluído ou se continua sob diferentes formas”, afirma na introdução de Império, Mito e Miopia. E complementa: “A questão do alheamento generalizado, ou da tentativa de esquecimento do fenômeno colonial e das criações de espírito a ele vinculadas, parece decorrer, no tocante a segmentos assinaláveis da sociedade portuguesa, de um certo sentimento de frustração que foi acompanhando a perda da sua hegemonia na saga expansionista iniciada no século 20”, continua Noa.
O livro aborda em todos os seus capítulos, “de forma implícita ou explícita”, como diz o autor, o tema “o que é a literatura colonial?”, e responde a essa preocupação, “mesmo quando ela permanece como uma questão em aberto, mesmo quando avançamos com definições provisórias ou parcelares”. Segundo Noa, “têm sido avançadas, em diferentes épocas e lugares e por diferentes autores algumas conceitualizações inerentes à literatura colonial, tanto para observar pontos de convergência e de divergência como para melhor avaliar a complexidade de um fenômeno que alguns têm tentado reduzir à mais simples expressão”.
Ainda segundo o professor e crítico literário, um dos problemas que se colocam para quem analisa o discurso colonial, privilegiando sua vertente estética, é o de conseguir manter um equilíbrio epistemológico concordante com essa vertente. “Isso porque se intersectam nesse tipo de discurso múltiplas e variadas dimensões ideológicas, históricas, políticas, culturais, sociais, morais etc. Daí que se reconheçam nas diferentes abordagens da literatura colonial embaraços dificilmente contornáveis”, afirma. “Portanto, a literatura colonial, além de jogar com uma mais ou menos longa tradição histórica e literária, tem a envolvê-la, numa interação dinâmica, todo um conjunto de valores e manifestações que transcendem o âmbito exclusivamente literário. Referimo-nos, antes, ao fato de essa interação conduzir não só ao empobrecimento estético de muitas das obras produzidas, como também, e por consequência, provocar algumas reservas na forma como é avaliada do ponto de vista da criação artística, ou, mesmo, do ponto de vista ético”, comenta. Noa coloca que “um dos maiores depositários das vivências privadas ou coletivas das tensões, contradições, aspirações, frustrações e das tendências mais profundas de uma sociedade é o imaginário. A literatura é a sua expressão mais dinâmica. E a literatura colonial, independentemente de todas as suas contingências, cumpriu essa vocação”.
O Projeto Literatura em Moçambique – Investigações Críticas tem como objetivo promover entrevistas ou conversas, nas quais intelectuais de literatura moçambicana comentam sobre seu percurso acadêmico, profissional e sua produção crítica e bibliográfica, abordando o trabalho crítico, a construção dos objetos de estudo e a pesquisa. Dirigido a estudantes de graduação e pós-graduação em Letras e áreas afins, e também ao público em geral interessado em literatura moçambicana, o evento conta com apresentação da professora Ana Beatriz Braun, pós-doutoranda da FFLCH, e mediação da professora Rita Chaves, que leciona Literaturas Africanas de Língua Portuguesa na FFLCH, também responsável pela coordenação do evento.
O evento Conversa com Francisco Noa acontece nesta quinta-feira, dia 4, das 13 às 15 horas, no canal da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP no Youtube. Grátis. Não é necessário fazer inscrição, mas aos primeiros 150 inscritos será concedido certificado de participação (as inscrições devem ser feitas neste link). Mais informações estão disponíveis neste link.