A história do samba de São Paulo na narrativa de um disco de 1974

Pesquisador do Instituto de Estudos Brasileiros analisou o álbum “Plinio Marcos em prosa e samba, com Geraldo Filme, Zeca da Casa Verde e Toniquinho Batuqueiro”

 21/11/2016 - Publicado há 7 anos     Atualizado: 29/11/2016 as 14:01
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Plínio Marcos Em Prosa & Samba, Nas Quebradas Do Mundaréu (1974) - Foto Reprodução
Plínio Marcos Em Prosa & Samba, Nas Quebradas Do Mundaréu (1974) – Foto Reprodução

Em geral, quando falamos de música paulista, o samba não costuma ser o primeiro estilo a vir em mente. O samba é muito mais lembrado pelas suas raízes cariocas e baianas do que paulistas, mas São Paulo possui uma forte presença do gênero. Estudar a história do samba paulista é fundamental para compreender a própria história de São Paulo.

Pensando dessa forma, o pesquisador do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP, Lucas Marchezin, trabalhou em sua dissertação de mestrado com a narrativa construída do samba de São Paulo no disco Plinio Marcos em prosa e samba, com Geraldo Filme, Zeca da Casa Verde e Toniquinho Batuqueiro.

“A ideia de estudar o samba de São Paulo veio de uma percepção de que embora tenha uma série de sambistas de grande qualidade, são muito pouco conhecidos nas rodas de samba e pouco cantados”, explica Marchezin.

A proposta da pesquisa era estudar a maneira como essa história é contada dentro do disco escolhido. O pesquisador enfatiza que sua maior preocupação foi levar em conta o ponto de vista desses sambistas, uma história marginalizada e vista de dentro. “[O objetivo era] tentar entender como é que se produz narrativas históricas que não necessariamente são feitas por aqueles que a gente entende como o construtor dessa narrativa, que é o historiador. Esses sambistas agiram como historiadores no sentido mais visceral da coisa, porque mobilizaram suas próprias memórias, mobilizaram seus conhecimentos”.

A escolha do disco

O álbum Plinio Marcos em prosa e samba, com Geraldo Filme, Zeca da Casa Verde e Toniquinho Batuqueiro foi lançado em 1974, porém, por problemas envolvendo gravadoras, ele saiu de circulação e só retornou em 2012 após reedição em CD pela Warner. Conta com 13 faixas divididas em 5 sambas de Geraldo Filme, 4 de Zeca da Casa Verde, 2 de Toniquinho, 1 extraída da cultura popular paulista e 1 instrumental.

Lucas Marchizin, aluno de mestrado - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens
Lucas Marchizin, aluno de mestrado – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Marchezin explica que a escolha do disco para seu objeto de estudo se deu principalmente pelo fato de que a obra apresenta uma narrativa histórica a partir da combinação da fala, da música e das canções. Nesse sentido, Plínio Marcos, ator, dramaturgo e cronista, atua como narrador, posto que ao contar as histórias dos três sambistas ele articula as canções e confere linearidade a história do samba paulista presente no disco.

“O disco é um documento que marca uma perspectiva e uma narrativa de uma certa época, mas ele é mais do que isso. Ele é uma forma de contar essa história. E aí tem muito a ver com o lugar de fala daqueles que construíram, que são sambistas, são negros dentro de uma cidade racista como São Paulo, que vieram todos de família de classe média baixa ou de trabalhadores”, explica o pesquisador.

A dissertação é dividida em cinco capítulos. No primeiro há uma reconstrução do encontro dos artistas e a análise dos primeiros trabalhos realizados em conjunto; o segundo apresenta uma análise da estrutura do disco, em que o autor dá maior profundidade para as narrações do Plínio Marcos; no terceiro já há a história da cidade de São Paulo, porém na visão dos sambistas; o quarto se preocupa em analisar as canções do lado A do disco, composto pelos sambas Geraldo Filme que, segundo Marchezin, enfatiza um pouco mais a história de São Paulo; finalmente, o quinto capítulo analisa as canções do lado B, onde são contadas as histórias do Zeca da Casa Verde e Toniquinho Batuqueiro, assim como a passagem do samba do ambiente rural para o urbano.

O samba como construção de identidade

Lucas Marchezin aponta para a forma como o disco, através da narrativa histórica que propõe, busca construir uma identidade do samba paulista. O gênero, por ter sua imagem muito mais associada ao Rio de Janeiro, não é visto como algo que tem suas raízes paulista. Desta forma, por muitas vezes, tanto o estilo quanto os próprios sambistas foram marginalizados.

Foto: Reprodução
Capa do disco “Plinio Marcos em prosa e samba, com Geraldo Filme, Zeca da Casa Verde e Toniquinho Batuqueiro” lançado em 1974 – Foto: Reprodução

As canções trazem uma história de São Paulo da perspectiva do negro periférico, que via no samba sua cultura e suas tradições. Marchezin enfatiza o quanto isso, nos anos 1970, era algo revolucionário. O estereótipo de “cidade do trabalho” não permite que São Paulo receba muito bem os sambistas.

“O disco coloca a história de uma cidade que é de trabalhadores, mas muitas vezes não é de trabalhadores operários, trabalhadores de serviços marginais. É o engraxate, é o carregador de marmita, é o guia de cego, é o carregador de armazém. Que propõe uma história de uma população negra e seus lugares que vão sendo continuamente destruído com o processo de crescimento da cidade.”

O pesquisador lembra que a história de São Paulo foi construída e contada principalmente por cidadãos brancos, trabalhadores, do grande centro. Por isso, um disco com esse teor, que reconstrói essa história do ponto de vista dos sambistas negros, moradores das periferias, se faz tão importante. Apesar de naquela época não tenha ganhado tanto destaque no que diz respeito ao mercado musical, foi fundamental para dar visibilidade a esse setor da sociedade. “Embora esse discurso de um samba paulista, com uma tradição, uma tradição negra não tenha sido perpetuado, hoje ele é retomado em várias comunidades de samba que você tem”.

A pesquisa teve orientação do professor Walter Garcia da Silveira Júnior, do IEB.


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