Editora da USP publica obras sobre o gênero epistolar

Lançamento ocorre no dia 9 de novembro, às 18h30, na Livraria João Alexandre Barbosa, na Cidade Universitária

 08/11/2016 - Publicado há 7 anos
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No dia 9 de novembro, a Editora da USP (Edusp) promove o lançamento de três novos livros – todos sobre o gênero epistolar -, dois deles publicados pela própria editora. O evento, que ocorre na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, apresenta as obras
O Gênero Epistolar ou o Pensamento Nômade, de Brigitte Diaz, Escritas Epistolares, de Geneviève Haroche-Bouzinac, e Muito d’Alma: Cartas de Paulo Barreto (João do Rio) a João de Barros, 1909-1921, organizado por Claudia Poncioni e Virgínia Camilotti – este último publicado pela Editora Garamond e pela Academia Brasileira de Letras.

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Obras publicadas pela Edusp que serão lançadas no dia 9 de novembro, na Cidade Universitária – Foto: Reprodução

Em O Gênero Epistolar ou o Pensamento Nômade, Brigitte Diaz, professora de Literatura Francesa na Université de Caen-Normandie, na França, discute as características próprias da escrita epistolar e explica por que generalizações em relação ao seu gênero poderiam levar a aproximações errôneas do olhar crítico. Segundo ela, as cartas são “textos híbridos e rebeldes”, que transitam entre categorias vagas, sem serem classificadas como arquivos, documentos ou testemunhos. “As cartas, então, se tornaram objetos literários muito paradoxais: ao mesmo tempo em que eram fervorosamente colecionadas, editadas, difundidas, comentadas, exatamente como as obras de fato e de direito, foram reduzidas ao estatuto subalterno de dados biográficos ou psicológicos para servir à história de um homem e, eventualmente, de uma obra”, escreve.

De acordo com Brigitte, os estudiosos divergem em relação ao caráter das cartas quando questionados se elas se enquadrariam na categoria de “texto”. “Segundo esses críticos, essas linhas de dizer, ou seja, as correspondências, demasiadamente imbricadas às linhas de vida, prendem em suas redes apenas o corriqueiro ‘miserável amontoado de segredos’ que uma existência humana acumula”, afirma a professora. “Quanto ao amante de correspondências, é habitualmente tachado de fetichista, pois, inocente ou perverso, dependendo das circunstâncias, fixa seu desejo nesses objetos que são apenas engodos, simulacros confeccionados pelos editores.”

Brigitte Diaz - Foto: Divulgação/Université de Caen Basse-Normandie
Brigitte Diaz – Foto: Divulgação/Université de Caen Basse-Normandie

No quarto capítulo, a autora explica a relação entre destinatário e remetente. Segundo ela, ao escrever uma carta, costuma-se priorizar mais o que agrada ao seu interlocutor do que aquilo que o autor realmente pensa. “Seja ela familiar ou científica, erudita ou mundana, a carta, pelo menos até os meados do século 18, deve permanecer discreta a respeito daquele que a escreve, do qual se espera, com certeza, sinceridade, mas cosmetizada segundo um ritual de convenção”, adiciona. “O que todos recusam, em suas cartas como em suas memórias, é a afirmação rousseaueísta do ‘eu sozinho’ que encontra seu equilíbrio e sua felicidade na desobrigação do outro, e se produz em sua arrogante unicidade, sem irmão, sem próximo, sem amigo, sem nenhuma outra companhia a não ser ele mesmo.”

Para a professora, as cartas também têm um papel importante na construção da identidade feminina. Inicialmente vista como um gênero feminino, a epistolografia teve sua imagem vinculada à “imaginação ágil”, “mente espontânea”, “sensibilidade viva” e dom da conversação que eram atribuídos às mulheres. As cartas, no entanto, como explica Brigitte, serviam também como uma forma de emancipação da mulher, apesar dos rótulos. “A carta é ao mesmo tempo instrumento de uma tomada de consciência e de uma tomada da palavra, mas também espaço autobiográfico, onde é possível se reinventar além das tópicas impostas da feminilidade, e, para algumas, ainda, laboratório de escrita onde é possível deixar nascerem aspirações literárias destruídas”, escreve.

Escritas Epistolares, da professora de Literatura Francesa Geneviève Haroche-Bouzinac, da Université d’Orléans, na França, foca a leitura da carta, situando o gênero epistolar na história. Na definição utilizada por ela, que foi dada originalmente por Giles Constable, a existência de uma destinação e subscrição explícitas seria suficiente para distinguir o gênero epistolar de outros tipos de discurso. Ela afirma que a carta “caracteriza-se  pela instabilidade de suas formas e flexibilidade de seu uso”.

Geneviève Haroche-Bouzinac - Foto: Divulgação/Université d´Orléans
Geneviève Haroche-Bouzinac – Foto: Divulgação/Université d´Orléans

No segundo capítulo, Geneviève explica que a carta limita-se a expor as ideias e os sentimentos do autor ou se reduz a mero papel informativo. “Assim, não é raro a carta ser considerada pelos próprios epistológrafos como algo ‘abaixo’ da literatura”, explica. “Tais hesitações são reveladoras de um mal-estar que decorre da própria natureza da carta e da dificuldade de inscrevê-la em tal ou tal categoria. No entanto, como qualquer outro gênero, a carta obedece a um mínimo de restrições retóricas, pois possui uma reserva de temas e constitui o objeto ao qual Phelippe Hamon chama ‘pacto de comunicação mais ou menos implícito’.”

A professora afirma que a carta permite que as relações sobrevivam, pois é quase sempre apresentada como algo que cria uma ilusão, seja de presença, seja de diálogo. “Sua força é a da compensação: a expressão ‘marcar ausência’ é recorrente na escrita de vários correspondentes”, adiciona. Ela também explica que o correspondente ideal não é aquele que sempre responde, mas aquele que possui as características ideais. “Ele se opõe, se mostra à altura, é estimado a tal ponto que sua opinião jamais é temida”, diz. “Saber dialogar sem se impor é uma das qualidades da correspondência; o destinatário ideal aguarda discretamente ser solicitado.” Em sua conclusão, a autora menciona também o atual contexto em que está inserido o gênero epistolar com a chegada dos meios de telecomunicação.

O lançamento de O Gênero Epistolar ou o Pensamento Nômade, de Brigitte Diaz, Escritas Epistolares, de Geneviève Haroche-Bouzinac – ambos da Edusp -, e Muito d’Alma: Cartas de Paulo Barreto (João do Rio) a João de Barros, 1909-1921, organizado por Claudia Poncioni e Virgínia Camilotti, da Editora Garamond e da Academia Brasileira de Letras , será realizado no dia 9 de novembro, às 18h30, na Livraria João Alexandre Barbosa, localizada na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (rua da Biblioteca, s/nº, Cidade Universitária, em São Paulo). Entrada grátis.


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