Cientistas britânicos e dinamarqueses estão desenvolvendo uma vacina contra a clamídia, Infecção Sexualmente Transmissível (IST) mais comum no mundo. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), são 127 milhões de casos por ano. De acordo com o estudo publicado na revista médica sobre doenças infecciosas The Lancet, o componente se mostrou seguro e eficaz na imunização. Os testes da vacina foram realizados em 35 mulheres saudáveis, com idade entre 19 e 45 anos. Segundo os cientistas, o produto proporcionou a resposta imunológica esperada, e nenhuma delas desenvolveu efeitos colaterais graves. O foco, por enquanto, continua sendo a prevenção da doença.
O médico Ricardo Vasconcelos, infectologista do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina, explica ao Jornal da USP no Ar que os pesquisadores europeus conseguiram comprovar somente a produção de anticorpos, sem causar prejuízos à saúde, e não ainda a proteção efetiva da doença. “A clamídia tem características subterrâneas. Quase 80% das infecções são assintomáticas, e a pessoa sem sintomas continua transmitindo”, explica. Vasconcelos conta que os dados são da OMS, que colocou essa IST como uma meta de combate, dada a sua propagação silenciosa. Por isso, a vacina é uma boa notícia.
Esse tipo de desenvolvimento normalmente leva anos até chegar às clínicas e hospitais. E nem sempre a adesão a esses métodos é muito boa. O HPV, vírus da verruga genital, por exemplo, já tem vacina, mas a taxa de cobertura vacinal é baixa: abaixo dos 50% entre os jovens na faixa etária dos 15 anos. Para o especialista, falta no Brasil uma mudança mais essencial. “Não adianta apontar o dedo, chamando alguém de inconsequente por não tomar vacinas. E, no caso das ISTs, não há como falar de saúde sexual sem abordar sexualidade. Falar só sobre a doença afasta as pessoas”, argumenta.
“No Brasil, falar de gênero, sexualidade, práticas sexuais e demais temas espinhosos ainda é tabu”, declara Vasconcelos. Ele exemplifica com o diálogo com suas pacientes trans e travestis, parcela da população com a maior frequência do HIV. “Elas falam para mim: ‘Olha, Ricardo, antes de querer saber de vírus, preciso de moradia, emprego, de não apanhar na rua’. Então, precisamos relacionar a saúde sexual com a própria cidadania, avançando nesse debate”, afirma.
Na Austrália, os índices de HIV e outras doenças reduziram muito. “Isso se deu por uma discussão aberta. Não é acusando aqueles que não conseguem usar camisinha que resolvemos o problema”, comenta o médico. Hoje, existem vários tipos de tratamento para essas doenças. O contágio do HIV pode ser prevenido com medicamentos como aqueles aplicados no Prep (profilaxia pré-exposição) e do PEP (profilaxia pós-exposição). “Os exames para detectar ISTs têm que fazer parte do dia a dia das pessoas. E a prevenção tem que se dar na combinação de todas as maneiras que o sujeito conseguir. Todos com uma vida sexual ativa devem pensar ativamente em sua proteção”, defende.
“A maior dificuldade é a social. Sem investimento público e vontade política não se avança, ainda que na biologia já exista prevenção e tratamento”, afirma Vasconcelos. O exame da clamídia, por exemplo, não está amplamente disponível na rede do SUS, em razão do seu alto custo. “De qualquer maneira, todos têm de lembrar que uma IST não acontece como uma punição por algo que você fez. Esse debate tem de estar na sociedade”, diz.
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