Os novos pequenos

Hélio Nogueira da Cruz é professor titular do Departamento de Economia e Administração da FEA e ex-vice-reitor da USP

 24/05/2019 - Publicado há 5 anos

Hélio Nogueira da Cruz – Foto: Ernani Coimbra

O persistente crescimento da China e da Índia estabelece novos padrões de tamanho entre as economias em escala planetária. Além das razões demográficas e geográficas, essas duas economias têm apresentado crescimento bem acima da economia global nas últimas décadas e espera-se que isto deva continuar ocorrendo por um bom tempo ainda. O quadro da competição internacional entre países e regiões altera-se de forma significativa.

Quando se observa a evolução de longo prazo das maiores economias a partir, sobretudo,  da segunda metade do século XIX, período em que se dispõe de melhores estatísticas, observa-se que a troca de posições entre elas é um fenômeno que ocorre com alguma frequência. A economia britânica, que foi pioneira na Revolução Industrial, permaneceu na liderança em termos de PIB até a primeira década do século XX, segundo dados de Maddison, quando foi superada pelos Estados Unidos. As grandes economias permaneceram USA, Inglaterra, Alemanha e França até o grande salto japonês no pós-guerra, que passou a pertencer a este seleto grupo desde então. A troca de posições entre Inglaterra, Alemanha, França e Japão ocorreu várias vezes no período.

A China passou a apresentar elevadíssima taxa de crescimento sobretudo a partir da década de 70, assim como a Índia a partir dos anos 90, constituindo-se nas novas grandes economias. Ademais, o tamanho absoluto da população destas duas economias, assim como dos respectivos territórios, colocam a dimensão absoluta das economias em novos patamares. Quando a população e o espaço geográfico são muito grandes e o PIB passa a corresponder ao tamanho dessas variáveis, as escalas de produção e consumo entre países sofrem grandes mudanças, como ocorreu nas últimas décadas.

O Brasil, a partir do início da década de 50 até meados dos anos 80, também apresentou altas taxas de crescimento do PIB, decorrentes do momento favorável do Modelo de Substituição de Importações e do alto crescimento industrial. Neste período, as aspirações de tornar o país uma economia de médio e grande porte tiveram força. Entretanto, a partir de então, a economia brasileira passou a crescer menos que a economia mundial, reduzindo seu peso relativo em termos econômicos. Torna-se paulatinamente uma economia menor.

Além desse movimento de alteração das posições relativas das várias economias, observa-se também que o volume de comércio internacional tem crescido mais que a economia mundial, sobretudo no pós-guerra. Ou seja, as transações entre economias crescem, tornando-as, quase todas, mais interligadas e globalizadas. A redução dos custos de transporte e de comunicação favoreceu este processo.

Com o menor crescimento doméstico, e, sobretudo, com o crescimento da China e Índia, o tamanho absoluto do mercado doméstico tornou-se menos atrativo para os investimentos associados à produção e ao consumo.

A competição entre países e empresas é muito afetada por valores relativos, como o tamanho do PIB e o grau de inserção internacional dos vários mercados. Por outro lado, para muitas atividades produtivas as economias de escala são extraordinariamente relevantes, ou seja, os valores absolutos também contam. O mesmo ocorre com os padrões de consumo de vários bens, onde o tamanho da população é importante fator para determinar o volume de gastos.

Do ponto de vista produtivo, muitos setores extraordinariamente relevantes nos dias atuais apresentam grandes economias de escala, como as indústrias de processo produtivo contínuo, como a química, siderúrgica e muitos serviços de comunicação e intensivos em conhecimento. É para esse grupo de atividades acima que o tamanho absoluto das atividades conta muito na competição internacional. Também na produção do agronegócio tem havido ganhos de escala na produção e comercialização de inúmeros produtos. No que se refere à comercialização de maneira geral, também há fortes economias de escala. Os avanços da utilização das grandes bases de dados oferecem oportunidades de ganhos de escala que provocam grandes alterações nas estruturas dos negócios.

Do ponto de vista de consumo, além da renda, sua distribuição também afeta de forma significativa a demanda dos vários produtos. A demanda dos produtos alimentares e de vestuário, por exemplo, depende significativamente do número de consumidores (população). Países como a China e a Índia oferecem um tamanho absoluto de mercado várias vezes maior que os demais países, tornando mais viável inclusive a utilização dos avanços da informática.

Com o crescimento e a ampliação da integração da economia mundial, as cadeias mundiais de suprimentos tornam-se cada vez mais relevantes e observa-se o aumento significativo das escalas eficientes de vários segmentos produtivos. O papel das multinacionais também se torna mais relevante, restringindo o espaço das políticas públicas em nível nacional.

Assim, o Brasil, que nos anos 50 até 80 apresentou forte crescimento,  contava com um mercado doméstico que oferecia uma base significativa para alcançar escalas competitivas do ponto de vista de produção e consumo. Com o menor crescimento doméstico e, sobretudo, com o crescimento da China e Índia, o tamanho absoluto do mercado doméstico tornou-se menos atrativo para os investimentos associados à produção e ao consumo. Evidentemente, para alguns setores isto não ocorre, como o agronegócio e a mineração. Do ponto de vista do consumo, o Brasil ainda é um mercado de tamanho significativo para numerosos bens e serviços.

Mesmo com a possível redução da velocidade do processo de globalização e de integração das economias em escala mundial,  que ocorre  com o recrudescimento das políticas de proteção aos mercados domésticos, devido, sobretudo, ao confronto comercial entre a China e USA, muitos países que eram considerados médios e grandes passam a apresentar características de economias menores. São os novos pequenos e devem se estruturar e adotar políticas compatíveis com esse novo quadro. Adam Smith já apontava no século XVIII que o tamanho do mercado afeta significativamente a produtividade e a renda per capita. Economias mais fechadas ao comércio internacional tendem a apresentar menor renda.

 

 


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